segunda-feira, 14 de março de 2016

A religião dos logotipos de governos e outros apegos religiosistas


Hoje os moradores de Nova Iguaçu passam a enfrentar a "via crucis". O sistema de linhas municipais passa a contar com ônibus com pintura padronizada, em que diferentes empresas de ônibus passam a ter o mesmo visual, causando confusão nos passageiros que, na correria do dia a dia, com muitas coisas a fazer, ainda têm que ficar de olho atento para não embarcar no ônibus errado.

Como de praxe, as autoridades municipais querem bancar as "boazinhas". Falam em "mil vantagens", quase todas sem aplicação prática, e com seu simpático cinismo dizem que a padronização irá "facilitar" a identificação pelos passageiros.

Isso é uma mentira descarada, porque é lógico que esconder diferentes empresas de ônibus sob a mesma pintura (elas são proibidas de apresentar suas respectivas identidades visuais, restrição que impede a transparência do sistema) não vai facilitar a identificação, muito pelo contrário, vai complicar e dificultar ainda mais.

Enquanto a tinta da pintura padronizada está fresca e a novidade não parece prenunciar a tragédia que, por exemplo, é o sistema de transporte do município do Rio de Janeiro, que também fazia as mesmas promessas em 2010, o povo de Nova Iguaçu vai dormir tranquilo vendo agora que empresas como Brasinha e Vera Cruz agora têm o mesmíssimo visual.

Virou uma praga comparável ao vírus zyka, a pintura padronizada nos ônibus. É uma farra política apoiada em desculpas "técnicas" e pelo pretexto da "mobilidade urbana". Um sinal de que a medida é nefasta e sem a menor necessidade partiu da declaração de um secretário de Transportes, Trânsito e Mobilidade Urbana: "a questão não é a cor (pintura padronizada), mas a qualidade do serviço".

Sim, essa medida nem sequer tem necessidade e, mesmo assim, é implantada. Uma bagunça que esconde empresas e favorece a corrupção. No Rio de Janeiro, a pintura padronizada não impediu que ônibus apresentassem documentação irregular e há um troca-troca de linhas e de nomes de empresas que os passageiros não conseguem perceber. Tudo é feito sob o véu da mesma pintura, "lona" para o circo da corrupção político-empresarial dos transportes.

"DECISÃO DIVINA"

As pessoas aceitam isso tudo como se fosse "decisão divina". Não conseguem discernir as coisas e acham que certos arbítrios são "irreversíveis" como os fenômenos da Natureza. Grande ilusão. Uma simples manifestação de protestos em dois meses derruba a pintura padronizada e outras aberrações do transporte público (redução ou extinção de trajetos e frotas, dupla função motorista-cobrador).

Tudo é divinizado. Logotipos de prefeituras e governos estaduais de repente se tornam divinizados, com as pessoas prestando devoção a eles e depositando fé nos mesmos, sob a promessa de "super-ônibus" com ar condicionado, chassis de marca sueca e comprimento longo. Espetáculo em detrimento da funcionalidade. E há quem deseje que haja BRT até em Santa Teresa. É a religiosização.

Mas ninguém faz passeata contra a pintura padronizada e outros arbítrios igualmente nocivos. Nem o Movimento Passe Livre, que só quer saber de baixar as passagens e é criticado até pela intelectual esquerdista Marilena Chauí. E as pessoas aceitando a pintura padronizada como se fosse o temporal vindouro, ninguém questionando, ninguém protestando.

É o processo de religiosização que macula o Estado do Rio de Janeiro. Nada é questionado, os males são encarados como "necessários" e "naturais", quem os decide é divinizado e o status quo é tratado como se fosse um poder divino, como se famosos, políticos, tecnocratas e empresários fossem semi-deuses.

Que o Estado do Rio de Janeiro é um dos mais religiosos do país, isso é verdade. Mas ver que isso sucumbe à falta de discernimento, à submissão à abritrariedade alheia, ao endeusamento dos detentores de poder, fama, dinheiro e diploma, é muito assustador.

As pessoas nem conseguem imaginar que esse projeto "moderno" de sistema de ônibus - pintura padronizada, trajetos reduzidos, menos frotas nas ruas, ônibus BRT e dupla função motorista-cobrador - são originárias da ditadura militar, e seu idealizador, o arquiteto Jaime Lerner, foi prefeito "biônico" (nomeado por generais) de Curitiba pela ARENA e implantou seu "moderníssimo projeto" ainda no auge do governo do general Emílio Médici, o mais rígido do regime militar.

CRISE DE VALORES

Boa parte da crise do Estado do Rio de Janeiro nem de longe tem motivação financeira. Ela consiste numa crise de valores, num misto de conformismo, submissão e contentamento com pouco, que praticamente arrasa com o Estado, promove sua degradação em vários aspectos, torna o Estado frágil e vulnerável, além de precarizado, e causa problemas para o resto do país, já que o Rio de Janeiro ainda é visto como "modelo a ser seguido" por todo o Brasil.

Há contentamento em vários fenômenos não muito positivos. A degradação cultural do "funk carioca" e sua correspondente precarização artístico-cultural - não se valorizam instrumentos musicais nem produção melódica e, em muitos casos, cria-se relações "profissionais" comparáveis a de empresas corruptas - é um dado aberrante dessa religiosização.

Afinal, o "funk" é exaltado com devoções divinizadas, e identifica-se até a Teologia do Sofrimento no gênero, já que ele faz apologia a valores retrógrados (machismo, racismo, violência, ignorância, prostituição, pedofilia) tidos como "inerentes" à população pobre, e ninguém questiona a ideologia traiçoeira do ritmo, que usa como pretexto a "livre expressão das periferias".

A gente até pergunta se Francisco Cândido Xavier, o "popular" Chico Xavier de seus fanáticos seguidores, não teria sido um marqueteiro do "funk carioca", porque todas as alegações que a gente vê, mesmo sob a roupagem tendenciosa de monografias e documentários, são iguaizinhas às pregações do "médium" brasileiro.

Religiosiza-se demais no Rio de Janeiro que, de repente, certas imposições são encaradas como "decisões divinas", como o trovão que se anuncia pelas nuvens cinzas. Aceita-se até mesmo a atuação desastrosa de uma Rádio Cidade, porque "só ela" pode ser "rádio de rock", mesmo tendo um pessoal sem a mínima especialização nem envolvimento natural com o segmento.

Os fanáticos da Rádio Cidade mais parecem um "Estado Islâmico do rock", com seu histórico de trolagens praticados na Internet, humilhando quem discorda de uma rádio que originalmente surgiu como pop, nunca teve vocação natural com o rock e se comporta como uma rádio pop comum (o estilo de locução e a grade de programação são iguais às rádios de dance music), o que mostra o quanto a religiosização faz mal a muita gente que se torna fanática.

Outro exemplo é a divinização dos times de futebol (Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco), que chega a fazer com que torcedores gritem de forma ensurdecedora em pleno fim de noite, durante uma partida com qualquer um desses times, tirando o sono de muitos trabalhadores que precisam acordar muito cedo, sobretudo quem mora distante do local de trabalho, que acaba dormindo muito pouco.

As pessoas se deslumbram demais com certas coisas, se conformam demais com outras. E isso é terrível. E ver que essas arbitrariedades, que poderiam, quando muito, durar apenas seis meses, são prometidas para vinte ou quarenta anos, para não dizer a eternidade, é de preocupar bastante.

Afinal, o Rio de Janeiro não se tornará um Estado progressista e moderno porque empurra os fracassos de ônibus padronizados, rádios pop que "só tocam rock", o "funk" que degrada em nome da "cultura das periferias" e o futebol carioca "acima de todas as coisas".

Pelo contrário, a religiosização de tudo isso só irá aumentar e agravar a crise, "queimar" a imagem do Estado, porque chegará um momento - aliás, já chegou - em que o resto do país, cansado de ser papagaio de pirata do eixo Rio-São Paulo, não se sujeitará a essas arbitrariedades que só valerão isoladamente na atual conduta provincianista desses dois Estados do Sudeste, antes maiores potências federativas, hoje redutos de um neo-coronelismo decadente e viciado.

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