sexta-feira, 4 de março de 2016

"Espiritismo" brasileiro: um espetáculo circense?

ESPETÁCULO DE MÁGICA DO CIRCO TIHANY.

Há poucos dias, faleceu o ilusionista e empresário circense Franz Czeisler, o Tihany, mágico e empresário circense que criou o Circo Tihany, que permanece em suas atividades e está em turnê no Paraná. O Circo Tihany é considerado um dos maiores do mundo e os espetáculos de mágica estão entre as principais atrações.

Escrevendo assim, o leitor desavisado pode pensar sobre o que um espetáculo circense tem a ver com o "espiritismo" brasileiro. A reação mais típica tende a seguir a linha "benevolente" de Divaldo Franco: "espetáculos salutares, que tanto prazer trazem à criançada, com muita alegria e diversão", e provavelmente divagações sobre o "retorno à pátria espiritual" de Tihany sejam feitas.

Mas o problema é que o "espiritismo" brasileiro, não bastasse ser uma grande palhaçada - diante de tantas gafes que a corrente "dúbia" de hoje, exaltando Allan Kardec no discurso e fazendo a deturpação de sua obra na prática, sempre comete - , adota muitas atividades e procedimentos típicos de espetáculos de ilusionismo circense.

O caso da farsante Otília Diogo - que armou a falsa materialização de Irmã Josefa e outras figuras falecidas ou supostamente falecidas - , apoiada por Francisco Cândido Xavier, que a acompanhou nos bastidores da fraude e chegou a lançar um atestado "confirmando autenticidade", traz um dos vestígios da influência circense no "movimento espírita".

Se observarmos o que se fazia de "materialização" até pouco tempo atrás, quando modelos eram usados para vestir roupas brancas, depois se cobrindo de lençóis - como "fantasmas" de brincadeira de criança - e colando sobre a área do rosto fotos impressas de pessoas falecidas, ou colocar longos fios de gaze com algodão colado sobre eles como falso ectoplasma, a influência circense é óbvia.

A própria Otília armou um espetáculo circense. Um dos momentos da "Irmã Josefa" era ela ficar acorrentada e se libertar de repente, em outro passaria por grades de uma jaula. Qualquer semelhança com o que se faz na mágica circense não é mera coincidência.

Chico Xavier acompanhou tudo, animadamente. Sua cumplicidade não o exime de responsabilidade. Ele também foi culpado pela farsa de Otília Diogo, mas a hipnótica figura do "médium" passou por cima e foi beneficiada pela impunidade. Poucos meses após Otília ser desmascarada, Chico Xavier foi entrevistado pelo programa Pinga-Fogo, da TV Tupi de São Paulo.

HIPNOSE

O "médium" mineiro, como todo caipira que nasceu num Brasil predominantemente rural, adorava circos quando criança. Os circos eram o principal canal de entretenimento de uma população carente de outras opções de lazer.

A hipnose costuma ser um dos espetáculos do ilusionismo circense, e consiste no mágico manipular a mente de uma pessoa, olhando fixo para ela e geralmente mostrando uma medalha balançando, ordenando o espectador participante a fazer o que o mágico lhe disser.

A foto em que Chico Xavier apareceu, em 1935, olhando de frente, mostra um semblante assustador, e, portanto, provavelmente hipnótico. É o ano em que ele passaria a desempenhar a maior obsessão de sua carreira, na ironia dele tanto pregar a "desobsessão": a obsessão doentia por Humberto de Campos, a maior vítima das apropriações indébitas do anti-médium mineiro.

A hipnose geralmente não é muito praticada pelos meios "espíritas". Eles preferem adotar uma outra prática ilusionista: a "leitura fria", que é o processo de obter informações sutis das pessoas através de uma entrevista aparentemente intimista, uma conversa informal feita para envolver emocionalmente o entrevistado, criando nele um clima de confiança e intimidade com o "amigo" entrevistador.

Na "leitura fria" se observa tudo: gestos, modos de falar, citações, reações psicológicas. O entrevistado acaba entregando "todo o ouro" ao entrevistador, que com sua habilidosa análise discursiva, "monta" todo um rol de informações a partir de tudo que observa no entrevistado.

E é assim que informações bastante sutis e complexas, nem sempre acessíveis a todos os familiares, são trazidas para as supostas psicografias, servindo à "maior caridade" conhecida de Chico Xavier, as supostas mensagens de familiares mortos.

A "admirável bondade", como se não bastasse a superexposição e a exploração sensacionalista das tragédias familiares - esta "caridade" de Chico Xavier é um verdadeiro filé mignon para a "imprensa marrom" - , revela o uso de "leitura fria" para colher dados que dissimulassem a mesmice das mensagens, com o mesmo estilo de escrita e texto do "médium" e o mesmo apelo igrejista.

MENSAGENS DE APELO IGREJISTA

Desse modo, por exemplo, se houver uma mensagem atribuída ao cantor Chico Science, outra ao músico punk Redson (da banda Cólera) e outra ao cantor de MPB Emílio Santiago, os dados biográficos seriam o "diferencial" de uma mesma mensagem monocórdica que segue o roteiro "eu sofri, fui socorrido e levado para uma colônia espiritual, conheci o Evangelho de Jesus e voltei para pedirmos a união de todos pela fraternidade cristã".

A falta de escrúpulos do "movimento espírita" tenta até mesmo empurrar falecidos ateus para a pregação religiosa. Augusto dos Anjos, Humberto de Campos e Cássia Eller "desempenham do além" esse papel estranhamente igrejista que os espíritos dessas personalidades, na verdade, nunca iriam sequer cogitar em fazer.

Daí que é humilhante ver essas pessoas serem envolvidas na gafe de estarem associadas a um igrejismo enjoado, viscoso, gosmento, com uma suposta Cássia Eller falando que "o inferno existe" e há dragões cuspindo fogo por lá, fora a constrangedora obra do "espírito Humberto de Campos" que abandonou a sua elegante mas acessível escrita "em nome da caridade".

Pior: o Humberto de Campos cuja pena deslizava-se fluentemente em relatos interessantíssimos, palavras bem escritas, temáticas laicas (mesmo os temas religiosos apareciam como fatos culturais e não como pregações igrejistas), deu lugar a um "espírito Humberto" de escrita cansativa, vícios grosseiros de linguagem e temáticas desesperadamente católicas.

PURA ILUSÃO

O grande problema é que o espetáculo circense "espírita" acaba sendo levado por demais a sério, e, não bastasse o fato de Humberto de Campos estar hoje "vinculado" a Chico Xavier, há casos mais recentes como a transformação em música de falsas psicografias atribuídas a Renato Russo e Noel Rosa.

A "mediunidade" fingida dos que se recusaram, em primeira instância, a estudar Allan Kardec - durante décadas o "espiritismo" brasileiro deu preferência às mistificações de Jean-Baptiste Roustaing - e, quando já era tarde demais, alegar uma pretensa fidelidade ao pedagogo francês, acabou por criar uma "escola" ruim e irresponsável de supostos médiuns.

"Médiuns" que não eram médiuns, porque não faziam papel intermediário. Eram o centro das atenções, as grifes para o "contado dos mortos", os dublês de pretensos pensadores e filósofos, com seu engodo igrejista e moralista, despejando sua verborragia prolixa e rebuscada para impressionar as pessoas e forjando filantropia barata para alimentar suas vaidades sob a capa do "amor e caridade".

Décadas antes de Luciano Huck ser considerado "bom moço", Chico Xavier e Divaldo Franco ganharam a mesma reputação de bandeja. Se Huck permitia a humilhação ideológica de negros e homossexuais, com manequins pendurados de ponta-cabeça ou usando cabeças de veado e macaco, Chico e Divaldo pregavam o sofrimento como um "caminho rápido para Jesus".

Seus mentores espirituais, Emmanuel e Joana de Angelis, pediam, respectivamente, para os sofredores "não reclamarem" e "não chorarem mais do que quinze minutos". Autoritários, eles expressavam os espíritos levianos advertidos por Erasto nos tempos de Kardec. e os brasileiros simplesmente não deram ouvidos.

Em vez disso, os "espíritas" fingem concordar com Erasto sobre os "inimigos internos" e depois vão felizes endeusar Chico Xavier e Divaldo Franco como se eles fossem "kardecianos de verdade", mesmo com deturpações tão grosseiras em relação à Doutrina Espírita que não há como negar que eles sejam a pior personificação dos inimigos internos de Erasto.

Mas até a ideia de "amor e bondade", "caridade e fraternidade", "consolo e esperança" trazida pelos dois anti-médiuns é uma grande ilusão. O "espiritismo" brasileiro é uma grande ilusão que só alimenta os espíritos traiçoeiros que se respaldam nesta doutrina brasileira e igrejista se aproveitando das abordagens confusas, contraditórias e até mentirosas que os "espíritas" fazem.

Com isso, o espetáculo circense do "espiritismo" se revela traiçoeiro. É irônico que Chico Xavier, que pedia para "não julgarmos quem quer que fosse", tenha usado seu feroz dedo acusador contra as vítimas da tragédia de um circo em Niterói. E, como todo hipócrita, Chico ainda transferia a responsabilidade do julgamento infundado a outrem: no caso, o Humberto de Campos muito mal disfarçado pelo tendencioso pseudônimo de "Irmão X".

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