sábado, 31 de outubro de 2015

Se ocorrer a destruição do "velho mundo" do "sonho" de Chico Xavier?

RUÍNAS DA ANTIGA BIBLIOTECA DE ALEXANDRIA, NO EGITO.

Se o "velho mundo", a julgar pela suposta profecia de Francisco Cândido Xavier, for mesmo destruído a partir de 2019, deixando praticamente intato o Hemisfério Sul e, sobretudo o Brasil, qual o impacto que isso causará no âmbito do conhecimento e do ativismo social? Que perdas irreparáveis se poderá ter com tudo isso?

Analisando as coisas, isso quer dizer que um considerável número de personalidades do meio artístico, intelectual e político, irão desaparecer com as catástrofes e os atos bélicos e terroristas. Embora um certo número de pessoas tivesse condições de se deslocar para as regiões remanescentes, podemos perceber que as perdas cogitáveis não serão poucas.

No Brasil de hoje, em que a compreensão da realidade se torna cada vez mais atrofiada e confusa, o fim do "velho mundo" - que compreende regiões como o Oriente Médio, a Europa, os EUA e a Ásia - será bastante prejudicial, não pela ausência total de réplicas de material produzido nessas regiões, mas até mesmo pelo valor que se dá a elas e aos esforços pela busca do conhecimento.

O Brasil tem como hábito o anti-intelectualismo. É um dos poucos países em que Allan Kardec recebe opiniões negativas sobre seu cientificismo. Recentemente, surgiu uma onda de discriminação do pensamento questionador e do raciocínio aprofundado e virou moda as pessoas dizerem que fulano está errado por causa do "excesso de lógica" e da "overdose de ciência".

Isso combina uma série de fatores. A ciência é sempre ensinada de forma errada nas escolas, o que dá a impressão de que ela é sempre tediosa e maçante. A religião, trabalhada à maneira dos contos de fadas, recebe a preferência popular por ser mais agradável e relaxante.

Por isso é que há a discriminação pelo próprio ato de pensar, pela abordagem contestatória, pela análise aprofundada. Ela se intensificou nas mídias sociais, cada vez mais voltadas a serem redutos do entretenimento "água com açúcar", algo insólito até para os padrões da ditadura militar, mas existentes e resistentes num contexto de democracia ainda frágil, mas consolidada e protegida pela Constituição de 1988.

FRANZ ANTON MESMER E PERCIVAL LOWELL "DESAPARECERIAM" COM A DESTRUIÇÃO DO "VELHO MUNDO". 

Comparamos o relato de Chico Xavier, dado a Geraldo Lemos Neto e cujas "previsões" condizem ao que Emmanuel havia descrito em vários textos sobre o fim do "velho mundo", com a destruição do legado da Antiguidade Clássica.

Sabe-se que o impacto das diversas destruições, sobretudo de uma das antigas maiores bibliotecas do mundo, a de Alexandria, no Egito onde se juntava um riquíssimo acervo de conhecimentos científicos, obras artísticas e trabalhos intelectuais, eliminou para sempre as chances de termos acesso a registros riquíssimos de ideias, pesquisas e conhecimentos de profundo valor.

Sucessivos incêndios destruíram 95% das obras científicas, artísticas e intelectuais depositadas em Alexandria, assim como outras preciosas expressões das artes, dos movimentos científicos e das atividades intelectuais, se perderam para sempre, só restando o que pôde ser salvo até nossos dias. E isso na Grécia, em Roma (da qual documentos sobre sua fundação são considerados perdidos) e em outras partes do Mundo Antigo.

Conseguimos montar sistemas de conhecimento de Matemática, Filosofia, Química e expressões artísticas provenientes dessas épocas, mas até hoje perguntamos coisas a respeito da sofisticada Arquitetura e Engenharia produzida no Mundo Antigo, sobretudo as pirâmides de requintada construção, complexa até para os padrões tecnológicos de hoje.

Mas levamos muito tempo para reestabelecer o norte da sociedade mundial, já que a Antiguidade Clássica foi durante séculos desprezada ou apreciada de forma privativa por alguns privilegiados ou esclarecidos. Só quando foram descobertos fósseis de pessoas e construções nas cidades de Pompeia e Herculano é que se "redescobriu" a Antiguidade Clássica que a Idade Média quis destruir.

Sabe-se que Pompeia e Herculano foram duas cidades do Sul da Itália, que, na época do Império Romano, em 79 d. C, foram soterradas pelas lavas do vulcão Vesúvio, cuja explosão ainda fez atirar pedras sobre as duas cidades, atingindo várias pessoas.

Oportunista, o obsessor de Chico Xavier, o dito "mentor" Emmanuel, no livro Há Dois Mil Anos, que supôs ter tido uma encarnação como o suposto senador Públio Lentulus (sem relação verdadeira com os parentes homônimos que realmente existiram), personagem claramente baseado em cartas apócrifas medievais, atribuindo seu óbito à tragédia vulcânica acima citada.

Com muito trabalho, tentamos recuperar os rumos que a Idade Média interrompeu. Consta-se que o "golpe final" contra a biblioteca de Alexandria foi dado por autoridades romanas que acreditavam que seu acervo continha "teses perigosas" para a "paz social" imposta pela Igreja Católica. A descoberta dos fósseis de Pompeia e Herculano ocorreram já na Idade Moderna.

De repente, a "profecia" de Chico Xavier fala que o "velho mundo" seria castigado por violentas catástrofes naturais que ocorreriam depois de uma onda de conflitos bélicos e ataques terroristas. Cidades e regiões seriam destruídas e o Hemisfério Norte se tornaria "inabitável". Populações remanescentes migrariam para o Hemisfério Sul.

Temos expressões artísticas, intelectuais e científicas que são subestimadas no Hemisfério Sul. No Brasil, não há conhecimento de traduções das obras de Franz Anton Mesmer, alemão teórico do Magnetismo, tão estudado por Allan Kardec.

Da mesma forma, o astrônomo Percival Lowell, que estudou aspectos sobre vida em Marte tão tolamente atribuídos pelos "espíritas" brasileiros a Chico Xavier, não tem sua trilogia sobre o Planeta Vermelho traduzida no Brasil, o que impede que nosso país tenha conhecimento da obra desse renomado cientista.

Perderemos uma parcela menor de referenciais do conhecimento do que nos tempos da Antiguidade Clássica, talvez pela reprodutividade ampla da maior parte das obras. Mas, mesmo com esse dano minimizado, sobretudo por causa da Internet, haverá lacunas irreparáveis, sobretudo pela própria negligência que o Brasil, país tido como futura liderança planetária, tem para o âmbito do conhecimento.

É no Brasil onde prevalecem visões mistificadoras e uma interpretação atrofiada da realidade. Aspectos da mediocrização cultural, por exemplo, que são questionados de maneira enérgica por inteelctuais renomados do exterior, aqui são defendidos e não contestados pela maioria de intelectuais influentes e ligados a um mercado do entretenimento atrelado a interesses político-empresariais.

Só o caso da investigação sobre mitos religiosos revela o quanto o Brasil está mergulhado na areia movediça da complacência. Com todo o estereótipo "imaculado" da missionária religiosa e apoiado por um mito mais organizado e verossímil, Madre Teresa de Calcutá pôde ser contestada até por trabalhos acadêmicos que apresentaram provas de sua trajetória irregular.

Aqui, Chico Xavier, com um mito cada vez mais confuso e um estereótipo bem menos organizado de "bondade e humildade", mesmo com uma coleção de aspectos sombrios e de fácil comprovação em sua trajetória, tornou-se um ídolo difícil de ser desmascarado, até pelo contexto de anti-intelectualismo que atinge boa parcela dos brasileiros.

Pode se imaginar que, se o "velho mundo" for destruído, as perdas poderão ser mais qualitativas que quantitativas, embora sabemos que alguma coisa se perderá. Boa parte das personalidades famosas iria sucumbir a essa tragédia, o que privará o restante da Terra do testemunho e da contribuição viva de pessoas com notável saber e talento.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Rede Globo e seu poder em reinventar mitos

ROBERTO MARINHO, REDE GLOBO E MITOS REINVENTADOS PELA REDE: FERNANDO COLLOR, CHICO XAVIER E O "FUNK CARIOCA" (NA FOTO, MC LEONARDO).

Só falta a Rede Globo de Televisão definir como será o nosso café-da-manhã. A rede televisiva, que era só uma proposta burocrática há 55 anos atrás, tem 40 anos de supremacia midiática e é famosa por manipular o inconsciente coletivo de forma tão habilidosa que possui raio de influência até entre parte daqueles que se dizem detratores da emissora e sua famosa empresa, as Organizações Globo.

Três grandes mitos foram exemplarmente reinventados pela Rede Globo. Embora não originalmente lançados pela emissora televisiva, ela os popularizou de tal forma que parte dos detratores das Organizações Globo passaram a admirar esses mitos como se eles tivessem sido "independentes" ou representarem alguma causa "libertária".

O "CAÇADOR DE MARAJÁS"

O caso de Fernando Collor de Mello, ex-presidente da República e hoje senador, é ilustrativo. Seu mito de "caçador de marajás" não foi criado pela Rede Globo, mas pela revista Veja e pelo jornal Folha de São Paulo, já nos primeiros trabalhos do Projeto Folha (ideologia conservadora e textos curtos), em 1988.

A Globo encampou a causa "collorida" em 1989, um ano após os periódicos paulistas. E o fez visando neutralizar o então favorito para a campanha presidencial, o politico gaúcho Leonel Brizola, que havia mudado, antes do golpe militar de 1964, seu domicílio eleitoral para a Guanabara e, por isso, passou a ser um político fluminense que havia governado o Estado do Rio de Janeiro (que absorveu a Guanabara em 1975) e se candidatou à Presidência da República.

Com o segundo turno favorecendo o operário Luís Inácio Lula da Silva, outra figura de esquerda, a Rede Globo manipulou sua cobertura jornalística, se valendo pela grande audiência, para favorecer Collor e torná-lo vitorioso nas urnas. E aí deu na história que sabemos.

O "HOMEM MAIS BONDOSO DO BRASIL"

Anos antes, porém, a Rede Globo havia manipulado corações e mentes criando um mito filantrópico, ninguém menos que Francisco Cândido Xavier. É claro que, desde 1944, a Federação "Espírita" Brasileira queria transformar o confuso paranormal num misto de filantropo, ativista e porta-voz das pessoas do além, mas os processos de mitificação se esbarravam em escândalos gravíssimos de grande repercussão.

Só mesmo depois que Malcolm Muggeridge, da BBC, lançou o documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), em 1969, é que as Organizações Globo perceberam tardiamente o potencial do discurso feito para o mito da Madre Teresa de Calcutá para reinventar Chico Xavier, "abatido" pela revelação de sua personalidade ultraconservadora na entrevista do Pinga-Fogo, na TV Tupi, em 1971, e no apoio dado à farsante Otília Diogo, anos antes.

Os programas jornalísticos da Rede Globo passaram então a usar os mesmos recursos discursivos de Muggeridge para relançar Chico Xavier sob o rótulo de "o homem mais bondoso do Brasil", aproveitando as mesmas edições de imagem, o mesmo discurso filantrópico, o mesmo apelo para frases de efeito e tudo o mais.

Evidentemente, Xavier não foi um mito inventado pela Globo. O "médium" atuava bem antes do surgimento da emissora televisiva e o jornal O Globo chegou a ser hostil com ele, devido à influência que correntes da igreja católica, como os de Gustavo Corção, Alceu Amoroso Lima e o padre Oscar Quevedo, exerciam nas Organizações Globo. E Chico vivia uma relação de "amor e ódio" com os Diários Associados, geralmente "abatido" pela revista O Cruzeiro e "acariciado" pela TV Tupi.

A Globo, no entanto, buscando um mito "filantrópico" para fazer anestesiar a sociedade naqueles tempos de crise da ditadura militar, encontrou na figura de Chico Xavier a pessoa certa para tal tarefa, uma figura ao mesmo tempo bastante conservadora, um católico fervoroso e até ortodoxo em ideias, mas não sectário a ponto de usar batinas cobertas de ouro, e viu no exemplo do documentário da BBC como fonte para relançar o anti-médium mineiro como o mito cultuado até hoje.

Até a aparição ao lado de crianças e idosos carentes Chico Xavier "copiou" da Madre Teresa. É só comparar as imagens publicadas na Internet. E, além disso, as ideias de apologia ao sofrimento - em que o sofredor têm que aceitar seus infortúnios visando recompensas após a morte - de Chico e Teresa são rigorosamente as mesmas.

Até entre os defensores de Chico Xavier e Madre Teresa de Calcutá a semelhança é estimulada. Eventualmente os dois são exaltados como "exemplos de humildade e amor ao próximo". Mas, do lado dos contestadores, os obstáculos que a burocracia acadêmica e o conservadorismo do mercado e da mídia fazem impede que venha um equivalente ao Christopher Hitchens para definir e explicar Chico Xavier como "um anjo do umbral".

A "CULTURA DAS PERIFERIAS"

Já outro mito que também foi trabalhado pela Rede Globo de Televisão foi o "funk". Aparentemente evocando uma concepção ideológica de população pobre diferente daquela que era cercada por Chico Xavier e era definida por Fernando Collor como "os descamisados", o ritmo também era um produto a ser trabalhado pela emissora através de seu processo de manipulação social.

Surgido de um desvirtuamento do funk eletrônico autêntico, que havia sido influenciado pelas experiências que Afrika Bambataa fazia, juntando elementos sonoros do grupo alemão Kraftwerk com James Brown e o hip hop dos anos 80, o "funk carioca" tornou-se um mercado marcado pela ganância mercantil e por associações sutis com a criminalidade, a exemplo do mafioso miami bass, sua fonte de origem, baseada na Florida e em Nova York, nos EUA.

O "funk carioca" havia rompido com qualquer intenção artística do funk original, que era marcado por orquestras ou bandas numerosas, como Earth Wind & Fire, Chic, KC & The Sunshine Band ou mesmo os JB's que acompanharam James Brown, e que no Brasil encontraram similar na orquestra Vitória Régia comandada por Tim Maia.

Em compensação, o "funk" dos anos 1990 em diante passou a se fundamentar pela figura de um vocalista, o MC, que era apoiado por um DJ e, em certos casos, por dançarinos ou dançarinas. O discurso misturava letras com duplo sentido e pastiches de letras de protesto, como o "Rap da Felicidade", que ainda fala em "orgulho da pobreza", o que traz uma comparação.

Afinal, não é o "orgulho de ser pobre" dos funqueiros uma forma mais festiva de "apologia do sofrimento" de Chico Xavier? Muito do ufanismo suburbano do "funk" é, na verdade, baseado em conceitos conservadores, e a hoje conhecida retórica "libertária" do gênero só tentou esconder esses aspectos sombrios.

Como Fernando Collor e Chico Xavier, o "funk" não foi trabalhado ideologicamente como causa pretensamente libertária pelas Organizações Globo. A ideia de transformar o estilo em "movimento sócio-cultural", usando um engodo ideológico que falava em "cultura das periferias" e misturava comparações que variavam da Revolta de Canudos à Semana de Arte Moderna, surgiu basicamente das mentes de um homem: o culto mas conservador Otávio Frias Filho, da Folha de São Paulo.

Jornalista com contatos influentes nos meios universitários e na grande mídia, Otávio realizou um tráfico de influência que distribuiu ideólogos até mesmo nos meios esquerdistas, recomendando se "colarem" em algum ativista que lhes servisse de pistolão para se infiltrar nesse campo ideológico.

Assim, um seleto número de ideólogos, como Hermano Vianna, abertamente vinculado a intelectuais do PSDB e ao lobby da Rede Globo, e Pedro Alexandre Sanches, designado a contaminar a imprensa de esquerda com seus preconceitos trazidos com o Projeto Folha, foram defender o "funk" dentro de um processo de manipulação ideológica comparado ao que o IPES fazia durante o governo de João Goulart.

Tentando camuflar o caráter duvidoso do "funk" - que era baseado na hierarquização de DJs sobre MCs, na fetichização dos ídolos para compensar o baixo talento, pela limitação sonora do ritmo e pela difusão de valores retrógrados à população, que faziam apologia da ignorância e até do machismo - , os intelectuais criaram um poderoso lobby que se baseava no discurso coitadista de que o "funk" era rejeitado por "preconceito".

Só que o preconceito aparecia no lado favorável ao "funk", com o mal disfarçado paternalismo de uma boa parcela de intelectuais, acadêmicos, jornalistas e celebridades que defendiam o gênero, com uma confusa mas persuasiva concepção ideológica de pretensa rebelião das periferias, áreas pobres concebidas a partir de abordagens trazidas por Fernando Henrique Cardoso (sim, o FHC!).

A Folha de São Paulo deu um tempero "libertário" e "provocativo" ao "funk", e mandou Pedro Sanches tentar convencer as esquerdas a endossar o ritmo, apesar do seu caráter abertamente mercantilista e uma lógica de mercado e profissionalismo comparável ao da rede McDonald's em seus piores momentos.

Mas as Organizações Globo é que trouxeram a popularização definitiva, através de uma construção da imagem das periferias que as fazia serem vistas como Disneylândias suburbanas, transformando em espetáculo o que, para a reacionária Folha de São Paulo, era um pretenso movimento de vanguarda cultural.

O papel da Globo na pregação ideológica do "funk" é que foi ela que praticamente criou a APAFUNK (Associação de Profissionais e Amigos do Funk), inicialmente presidida pelo funqueiro MC Leonardo, que, integrante da dupla MC Júnior & MC Leonardo, haviam gravado "Rap das Armas" nos anos 90.

A música foi incluída no filme Tropa de Elite, dirigido por José Padilha (integrante do conservador Instituto Millenium, que tem como um dos fundadores o economista Rodrigo Constantino), e praticamente inaugurou o casamento feliz entre o "funk" e a Rede Globo, dentro do processo de manipular e deturpar a cultura das classes populares mediante interesses de comércio e dominação.

Tanto para a Folha quanto para a Globo, a ideia era criar um simulacro de rebelião popular para que as rebeliões populares de verdade não ocorressem. Houve uma grave omissão de intelectuais de esquerda ao aceitarem o "funk", sem saber que as elites ficam mais tranquilas e mais ricas e poderosas quando os pobres preferem "rebolar até o chão" do que lutar por melhorias de vida.

Só que é uma esquerda "Hildegard Angel", só para citar a socialite e jornalista que tentou ser progressista, mas em seus surtos reacionários chegou a pedir para que se cobrem ingressos para as praias da Zona Sul. É uma elite que tenta fazer tudo para parecer "generosa" e até mesmo "mais povo que o próprio povo", mas se irrita quando pobres trocam o "funk" pela luta por reforma agrária.

Essa elite até tenta dizer que o "funk" não tem relações com a máquina ideológica da Globo, mesmo quando as Organizações Globo tentaram empurrar o "funk" em todos os veículos e produtos ao mesmo tempo, do Caldeirão do Huck à revista Quem Acontece, do Casseta & Planeta ao canal Futura.

Chegaram a apelar para a improcedente tese de que o "funk" sofria "discriminação" da grande mídia, o que a ninguém convenceu. Quando o auge do "funk" já gerou o derivado paulistano, o "funk ostentação", seu astro MC Guimê virou capa e recebeu elogios de uma revista Veja que humilhava movimentos sociais e, se pudesse, chamaria Jesus de "corrupto" por causa de sua "barba de petista".

OUTROS CASOS

As Organizações Globo contam com consultores de Psicologia e de Publicidade, que permitem analisar como mitos e dogmas podem ser criados e como eles podem refletir fora dos limites ideológicos da corporação da família Marinho.

Daí ser ilustrativo que o chamado "vocabulário do poder", problema analisado pelo estudioso das manipulações da mídia, o jornalista inglês Robert Fisk, que no Primeiro Mundo focaliza mais o âmbito dos jargões políticos, no Brasil é adotado de maneira ainda mais sutil, através de contextos culturais.

Exemplo disso é a gíria "balada", divulgada pela rádio Jovem Pan FM (conhecida hoje pelos jornalistas reacionários) e pelo então empresário da noite Luciano Huck, mais tarde destacado apresentador da Rede Globo.

Juntas, Jovem Pan e Rede Globo, no processo de empobrecimento do vocabulário juvenil, empurraram a gíria para fora dos limites clubber, testando o poder de manipulação que tinham no público juvenil mais diversificado, ao impor a gíria "balada" para tentar condenar ao desuso expressões mais diversificadas como "festa", "noitada" e "jantar entre amigos".

Ex-locutor esportivo, Fausto Silva usou uma gíria específica, "galera" - antiga palavra relacionada ao formato de navios e à tripulação que nele fazia parte, adotada no futebol porque os estádios lembravam o formato das embarcações - , que se tornou totalitária tentando condenar ao desuso expressões diversas como "família", "turma", "equipe" ou qualquer outro grupo social.

O Jornal Nacional difundiu a expressão "cliente" na tentativa de subverter as relações econômicas na sociedade. Antes relativa a prestação de serviços, o termo "cliente" é aberrantemente usado no comércio, em que até quem compra um pastel de rua é agora "cliente", e não "freguês", termo condenado ao desuso por causa do sentido pejorativo trabalhado pela própria gíria esportiva.

Tudo isso também encontra penetração fora dos limites ideológicos das Organizações Globo, o que indica que tais processos de manipulação não são independentes nem socialmente espontâneos. Pelo contrário, mitos como Chico Xavier e o "funk", fora um Collor "paquerado" pelas esquerdas, ou a gíria "balada", tornam-se construções ideológicas que aumentam ainda mais o poder da Globo, até mesmo em parte dos que se dizem seus detratores.

E isso traz uma terrível lição. Os piores manipulados são aqueles que seguem as lições de seu dominador. De que adianta eles falarem mal das Organizações Globo e, em particular, da Rede Globo, se eles seguem suas lições e compartilham de seus mitos, dogmas e até girias?

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Nosso Lar trouxe "má atmosfera" para o Rio de Janeiro?


Por que tantos retrocessos na cidade do Rio de Janeiro? E por que eles acontecem sem o menor controle? Por que os plutocratas e tecnocratas mantém a supremacia do poder de decisão, mesmo quando contrariam o interesse público que dizem defender? E por que a degradação cultural corre solta, no Estado onde outrora havia a resistência das vanguardas culturais?

Outrora capital de modernidade, vanguarda cultural e significativo progresso urbano, mesmo com todos os problemas e imperfeições, o Rio de Janeiro de hoje sucumbe a uma decadência que não pode mais ser vista como um efeito natural da complexidade urbana pós-moderna. Os retrocessos que ocorrem atualmente chegam a nivelar a cidade a uma mentalidade provinciana e atrasada.

Ninguém percebe que o Estado do Rio de Janeiro também tem coronelismo (os banqueiros de bicho são os latifundiários fluminenses), tem pistolagem (capangas de bicheiros, milicianos, grupos de extermínio, traficantes) e uma grande multidão com mentalidade tipicamente rural e suburbana, mas não da forma típica de regiões modernas, mas equiparadas ao interior do Norte, por exemplo.

A mídia, a mobilidade urbana, o cenário cultural, tudo isso declinou. Infelizmente, muitos cariocas de elite não conseguem admitir isso, e ocorre uma onda de mau humor nas mídias sociais disfarçada de "felicidade" feita na marra, sem que alguém pudesse reclamar de problemas além de poucos manjados. Ter senso crítico virou ato antissocial nesses espaços digitais.

A "etiqueta social" determinada pelo status quo de cariocas e solidários de outros Estados mostra que se deve, em vez de falar da realidade, contar piadas, exaltar bebidas alcoólicas, falar de time de futebol, cultuar bobagens no WhatsApp, bancar o "engraçado" numa situação dessas.

Há um complexo de culpa dos cariocas influentes nas mídias sociais que elegeram Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados envolvido em corrupção e pautas reacionárias. Há também os preparativos para as Olimpíadas Rio 2016. Fingir um relativo "mar de rosas" virou moda, diante da combinação da consciência pesada e ansiedade por lucros pelo turismo.

Curiosamente, é nas mídias sociais que são publicadas mensagens apologistas a Francisco Cândido Xavier. O Chico Xavier dos fanáticos seguidores, com sua trajetória bastante confusa, iria mesmo influir na degradação social, até por ele ter sido ultraconservador, católico ortodoxo nas ideias (embora heterodoxo nos métodos), já que o "espiritismo" é conhecido por suas energias sombrias.

A confusa religião tem como uma das crendices acreditar na existência de uma suposta colônia espiritual sobre o céu do Rio de Janeiro, intitulada Nosso Lar, que seria "modelo" para outras supostas colônias. É risível que exista até uma "geografia" enumerando as colônias uma a uma.

O caráter confuso do "espiritismo" brasileiro, perdido entre as falsas juras de fidelidade a Allan Kardec e o igrejismo de Chico Xavier, faz com que até a abordagem de Nosso Lar também tenha seus pontos obscuros. Afinal, ele é o Paraíso ou o Purgatório? Está ou não vulnerável às forças "trevosas" do Umbral?

Tudo fica muito estranho e Nosso Lar, o livro, ainda mostra muita coisa do pensamento de Jean-Baptiste Roustaing, o primeiro deturpador da Doutrina Espírita, já lá na França. Presença de crianças, jardins e animais domésticos seguem muitas abordagens trazidas pelo livro roustanguista Os Quatro Evangelhos.

Claro que, aparentemente, a decadência do Rio de Janeiro não foi imediata. Mas até parece que a cidade se tornou mais turbulenta depois da publicação de Nosso Lar, em 1943. De certa forma, o caos político da antiga capital do Brasil junto à demolição de bairros populares que integravam o entorno da atual Av. Pres. Vargas, acelerando a favelização, ocorreu a partir de 1944.

O próprio empate jurídico do caso Humberto de Campos, que fez Chico Xavier não necessariamente ser inocentado, mas simplesmente não ter sido o culpado, mediante a incompreensão dos juízes da época quanto ao processo - eles entenderam que os mortos não eram detentores de direitos autorais - , contribuiu para o agigantamento de seu mito, reforçado só décadas depois pela Rede Globo.

Aí, vieram pesadas nuvens sobre o céu carioca, que se tornou uma cidade difícil, temperamental e caótica. Mas muita coisa moderna ainda havia, entre 1944 e 1989, porque houve um interesse coletivo em incrementar culturalmente a cidade e fortalecer seu urbanismo e sua diversidade, mesmo com o caos político e criminal que começava a se desenhar então.

Só que, dos anos 1990 para cá, a coisa desandou, e o Rio de Janeiro, gradualmente, foi se tornando uma cidade cada vez mais provinciana do qual o chamado "borogodó" (espécie de misto de glamour e senso de humor do comportamento carioca) não passa de uma caricatura de si mesmo.

O Rio de Janeiro sucumbiu a um retrocesso comandado pelo crime organizado, de um lado, e pela aliança de plutocratas e tecnocratas que desenham o cenário cultural carioca conforme suas convicções pessoais e suas obsessões de lucros. E isso com orquestras, lojas de discos, centros culturais e livrarias de grande valor fechando e as ruas cariocas trocando a alegria e variedade pela insegurança.

A chamada "boa sociedade" tenta fingir que isso não acontece e minimiza os retrocessos atribuindo a "problemas pontuais de modernidade urbana". Tentam fingir para si mesmos que os "anos dourados" continuam, que o "borogodó" será resgatado pelo "funk", que a Mulher Melão renovará o feminismo e que tanto faz livrarias, lojas de discos e centros culturais fecharem suas portas se o Maracanã continua fervendo e os quatro maiores times cariocas continuam vencendo seus jogos.

As nuvens pesadas trazidas por Nosso Lar, a fictícia cidade espacial com seu povo vestindo pijamas impecavelmente brancos, podem estar influindo nessa "má atmosfera.". E o pior é que o Rio de Janeiro continua servindo de "modelo" para o país, e seus retrocessos podem se propagar se algo não for feito, porque a modernidade carioca hoje não é mais do que uma sombra do que chegou a ser.

Isso é tão grave que muito do provincianismo que começa a ser questionado por nortistas e nordestinos está sendo reciclado no Rio de Janeiro como uma pretensa novidade. Através dessa manobra, os retrocessos serão "devolvidos" ao Norte e Nordeste como se fossem valores modernos, e o atraso brasileiro, que já se realimentava na Av. Paulista, agora busca sua reciclagem no Rio de Janeiro, o que será pior para o país.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Masterchef Júnior, hipersexualização e machismo


1995-1996. Famílias felizes da vida, iludidas com as roupas coloridas dos integrantes do É O Tchan, que usam tonalidades de cores alegres e fortes, tocam os discos do grupo em festas infantis. A TV aberta chega a estimular que meninas dancem igual Carla Perez e pais de família ficam tranquilos, acreditando na inocência do grupo que, ironicamente, lançou o recente sucesso "Sabe Nada, Inocente".

2015. Renata Frisson, a Mulher Melão, e Solange Gomes, ex-estrela da Banheira do Gugu, tentam resistir às mudanças do tempo e apelam para um erotismo grotesco, com seus corpos exagerados, indiferentes a valores e necessidades trazidas pelo feminismo e apegadas a um paradigma machista de exibir seus corpos como se fossem "mercadorias".

O que tudo isso tem a ver com o episódio mais recente de pedofilia? Muita coisa. O assunto da vez envolve uma competidora do reality show culinário Masterchef Júnior, derivado infantil do Masterchef, franquia brasileira transmitida pela TV Bandeirantes.

A menina de 12 anos, de nome Valentina, foi vítima de assédio sexual nas mídias sociais. Ela havia recebido comentários agressivos, maliciosos e grosseiros, vindos de internautas afoitos e violentos, tomados de impulsos sexuais descontrolados.

O resultado é chocante e humilhante, e reflete o quanto há de desordeiros nas mídias sociais, simplesmente agindo em grupo para fazer trolagens, humilhação virtual e tudo que acham que é direito fazer (e não é). Defendem de modismos midiáticos, arbitrariedades políticas até valores que vão do racismo à violência sexual.

O triste episódio, que com certeza assustou a menina, diante de tantos assédios violentos, fez com que as feministas criassem a hashtag (palavra-chave usada nas mídias sociais) #primeiroassedio, para que mulheres pudessem descrever o primeiro assédio sexual que receberam em suas vidas. Ou, em certos casos, até mesmo homens, que na infância são tão vulneráveis quanto as meninas.

E o que isso tem a ver com "popozudas" dançando "pagodão" ou "sensualizando demais" na mídia? Muita coisa. Afinal, muitos dos assédios sexuais são feitos por homens que desde crianças são "educados" pela mídia do entretenimento a agir e pensar dessa forma.

A hipersexualização tornou-se fenômeno de mídia nos anos 90, e segue um ideal de erotismo compulsivo que remeteu a uma estratégia da indústria do entretenimento da época da ditadura militar, em estimular a excitação sexual dos homens para evitar que eles protestassem contra o regime, que sofria então uma crise econômica e político-institucional, movida sobretudo pela crise mundial do petróleo e por atos abusivos como o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, há 40 anos.

Só que, diferente do que ocorria na época, em que as revistas pornográficas tinham acesso etário restrito pela Censura Federal e a "sensualidade" de nomes como a cantora brega Gretchen e as dançarinas do Cassino do Chacrinha e Clube do Bolinha era menos explícita, as "musas" dos anos 90 eram abertamente difundidas para a criançada, pela mídia e sob o apoio das "boas famílias".

Isso criou uma péssima educação infanto-juvenil, o que faz com que um duplo quadro na vida adulta se produza, dentro de processos comportamentais que refletem a grande influência que o machismo exerce no Brasil, sobretudo na mídia do entretenimento que guia o inconsciente coletivo da gente mais retrógada que age nas mídias sociais.

De um lado, machões extremamente afoitos, sexualmente descontrolados, ávidos em cultuar objetos sexuais que podem ser uma funqueira ou uma atriz de novelas infantis como Chiquititas. O que encaixar nas suas fantasias sensuais, serve, e danem-se os escrúpulos.

De outro lado, mulheres que parecem não fazer outra coisa na vida senão mostrar seus corpões, "sensualizando" fora do contexto, como se isso fosse um fim em si mesmo, numa clara transformação do corpo feminino em uma mercadoria simbólica para consumo dos machões compulsivos.

E se tudo isso é feito abertamente, por que uma parcela da intelectualidade, mesmo progressista e de esquerda, faz vista grossa quanto a isso? Por que mesmo mulheres que se consideram ativistas e intelectualizadas têm coragem de definir Solange Gomes e Mulher Melão como "feministas", rotulando o machismo que elas representam de "um tipo de feminismo popular"?

Afinal, é esse mercado de glúteos e bustos apelativos que impulsiona as taras de machões que são o público-alvo dessa hipersexualidade. Mulheres que "mostram demais" e não medem sequer contextos para uma sensualidade moderada e sutil - como fazem atrizes, modelos e até jornalistas de TV - alimentam esse contexto de taras masculinas que culmina no assédio à compeditora do Masterchef Júnior.

Isso porque as "popozudas", "boazudas" ou siliconadas em geral se dirigem a um público de homens, geralmente com baixo poder aquisitivo, baixo nível educacional e com instinto sexual desenfreado, que acreditam numa liberdade erótica sem controle, estimulada pela própria complacência de intelectuais demagogos que acham a decadência sócio-cultural o máximo.

São intelectuais que, num primeiro instante, choram contra o "preconceito", e apelam para que acreditemos que a decadência sócio-cultural que o mercado promove sob o rótulo de "popular" é algo positivo e que, sucumbindo as classes populares a um mercado de entretenimento que combina imoralidade e consumismo, se estará promovendo uma "revolução social".

Essa visão, repleta de muita hipocrisia, estabelece seu preço em vários aspectos. Daí os problemas de assédios sexuais que as mulheres em geral sofrem, porque muitos dos rapagões que hoje apelam para chamar qualquer uma de "vadia gostosa", seja uma anônima que anda pela rua, seja uma criança que veem na TV, eram também meninotes que viam felizes o erotismo "livre, leve e solto" na TV aberta.

São eles que viam excitados Solange Gomes "lutar" contra um concorrente para pegar um sabonete na Banheira do Gugu Liberato. São eles que viam as dançarinas do É O Tchan mostrarem seus glúteos em close pelas câmeras de televisão. São eles que viam as "musas do funk" afirmarem que "feminismo" era uma questão de muito silicone, pouca roupa e nenhum marido ou namorado.

Aí esses homens piram completamente. Poucos se atentam para o que essa "Disneylândia suburbana" que os intelectuais definem como "cultura provocativa das periferias", um engodo mercadológico patrocinado por chefões da mídia e latifundiários, influi no comportamento "selvagem" de muitas pessoas, forçando o preconceito existente nessa "cultura contra o preconceito".

Prostitutas empurradas pela intelectualidade "provocativa" de antropólogos, jornalistas culturais e até cineastas e ativistas comunitários, para manterem esse ofício a vida toda é apenas um pano de fundo dentro desse mercado cruel de degradação de valores sócio-culturais.

Muitas meninas são estupradas, violentadas e ainda são obrigadas a vender seus corpos para fregueses afoitos. E isso porque a "sincera etnografia" de antropólogos, historiadores, ativistas e jornalistas culturais queriam uma "liberdade sexual" sem controles, com a desculpa de que o mau gosto que isso representa era um "desafio" a "valores higienistas da alta sociedade".

Isso é pura demagogia. Enquanto, dentro de seus escritórios, gabinetes, colegiados e apartamentos, os intelectuais mais festejados e "polêmicos" do país diziam que a hipersexualidade era o máximo e a prostituição daria "qualidade de vida" para as mulheres pobres, na sombra de seu discurso festivo ocorrem estupros, assassinatos, escravidões e humilhações de qualquer tipo.

O caso Valentina é apenas um episódio de maior visibilidade, diante de uma triste realidade que o "feminismo de glúteos" e capaz de fazer. E mostra o quanto o Brasil ainda precisa rever seus conceitos de dignidade, principalmente nas classes populares que sofrem o mesmo drama de Valentina, mas não recebem a mesma projeção na sociedade e na mídia.

Por isso, é preciso observar os valores retrógrados que ainda prevalecem e que persistem mesmo disfarçados de "modernos" e "progressistas", apoiados sobretudo por uma elite de jornalistas, antropólogos, historiadores, cineastas, ativistas comunitários que ficam complacentes com a decadência sócio-cultural promovida pelo mercado e pela mídia.

Pois é essa decadência que ainda impulsiona instintos diversos de pessoas retrógradas que se manifestam com seu obscurantismo vandalismo digital nas mídias sociais. Precisamos repensar todo o país e questionar desde a intelectualidade cultural que temos até o tipo de sensualidade feminina que é empurrado pela mídia, a tentar corromper a infância de espectadores indefesos.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

O machismo e o corpo da mulher como "mercadoria"


O machismo persiste no Brasil. Agonizante, decadente, mas urrando como um leão ferido dando seus últimos gritos. E, às vezes, se travestindo (note o trocadilho) de feminista conforme as circunstâncias, sobretudo num mercado "popular" que empurra o erotismo compulsivo até mesmo para o público infanto-juvenil.

Com a sabotagem feita através da adesão de intelectuais de centro-direita ao debate sobre cultura popular, adotando uma clara postura "higienista" na qual os valores retrógrados são "a realidade ideal" do povo pobre, nota-se que para as classes populares o que vale é a defesa da "selvageria" e da libertinagem de instintos.

E é isso que faz com que o machismo simbolizado pelas mulheres-objetos seja definido como "feminismo" para uma parcela de intelectuais, mesmo mulheres, mesmo ativistas, mesmo gente com Mestrado e Doutorado nos diplomas exibidos em molduras.

Há uma campanha sutil de desmoralização da mulher e um "pacto machista" em dois sentidos. Se a mulher prefere ser inteligente e emancipada, não se erotiza o tempo todo (só o faz conforme o contexto), e possui referenciais culturais relevantes, ela precisa ser "domada" pela figura de um marido poderoso, a "patrocinar" a "independência" desse tipo de mulher.

Isso significa que a mulher que quer se livrar de estereótipos e padrões ditados pela ideologia machista precisa de um vínculo com algum homem. Geralmente empresário, médico, político, esportista (ou sobretudo esportista que se converte depois em dirigente ou empresário). É como se o machismo estabelecesse vigilância permanente ao feminismo praticado pela mulher.

Já se a mulher segue a cartilha machista e transforma seu corpo em mercadoria, cometendo gafes e fazendo declarações entre tolas e apelativas, ela não precisa estar vinculada a um homem. Quanto muito, ela é sustentada por um empresário machista que nem sequer aparece na mídia.

Essa mulher segue "espontaneamente" a ideologia machista. Cumpre sua "obrigação" de explorar a "sensualidade" até quando não há a menor necessidade, e por isso não precisa ser "vigiada" por algum homem e não precisa "diminuir sua projeção" através do vínculo com uma companhia masculina.

Depois que, há 20 anos, o erotismo das dançarinas do É O Tchan tirou do papel (revistas pornográficas) as chamadas "musas calipígias" ou "boazudas", expondo a estética de Carla Perez (que então personificava a mesma estética "mulher do vizinho" de revistas pornôs de segunda categoria) até para o público infantil, o mercado cresceu assustadoramente.

Curiosamente, observou-se, numa avenida na orla de Salvador, o desfile de crianças em prol de causas "filantrópicas" apoiadas por "espíritas", um evento "família" no qual a trilha sonora tocada no carro de som tocava até sucessos de É O Tchan.

Até quatro anos atrás, auge da "sensualidade de resultados", havia "boazudas" de todo tipo: ex-BBBs, panicats, dançarinas de "pagodão", "peladonas", "musas do Brasileirão", veteranas da "Banheira do Gugu", sem falar de qualquer anônima que apenas ficava perto de um jogador de futebol ou de um jovem ator de novela para inventar um romance que nunca existiu e daí fazer fotos "sensuais".

As páginas de celebridades (e, sobretudo, subcelebridades) na Internet vinha com notas "sensuais" que em overdose eram despejadas nas listas de notícias. Era a "musa do Brasileirão" que, na chegada a uma festa, deixava a alça do vestido cair e "mostrar demais". Depois, a "peladona" que usa biquíni minúsculo na praia, ou a ex-BBB que não consegue vestir uma calça jeans de tão apertada etc.

É verdade que muitas críticas surgiram contra elas. Muitas desapareceram ou tentam resistir em vão. E mesmo assim não mais com notas sucessivas em grandes quantidades. Nesse meio caminho a ex-vice Miss Bumbum Andressa Urach quase faleceu, e, assim que sobreviveu, decidiu mudar completamente o seu estilo de vida e abandonou o que fazia antes.

No entanto, algumas "musas" resistem e parecem indiferentes à mudança dos tempos. Observa-se, nas pesquisas de noticiários sobre famosos, a resistência ferrenha de nomes como a funqueira Renata Frisson (na verdade, Cristina Célia, seu nome de batismo), a Mulher Melão, e a ex-estrela da Banheira do Gugu, Solange Gomes.

Em sucessivas notas, elas tentam desafiar os novos tempos e impor, sob o pretexto da "provocatividade", uma "sensualidade" retrógrada, nada sutil, revelando um apelo claramente machista, apesar de sua postura "emancipada" e do mito de que, só porque elas não têm namorado, são consideradas "feministas".

Em muitos casos agindo com muita arrogância, as duas estão entre as que mais apelam nessa "sensualidade de resultados". Solange colocou postagens no Instagram dando a crer de que é uma "mulher desejável". Recentemente apareceu deitada com barriga para baixo sobre as pernas de três machões musculosos sentados à beira de uma piscina.

Renata já havia se infiltrado num evento de topless de feministas autênticas e esvaziou o sentido original do protesto (era uma manifestação contra a opressão masculina ao corpo feminino), através de sua figura aberrante, grotesca e sensacionalista que atraiu os jornalistas da "imprensa marrom" estrangeira.

Ambas são consideradas "balzaquianas". Renata tem 32 anos, Solange tem 41. As duas não eram para explorar o erotismo de forma tão grotesca, impulsiva e obsessiva, deveriam ter um mínimo de responsabilidade para medir contextos e limites para essa apelação corporal. Em vez disso, elas são as que mais apelam.

Solange Gomes se comporta como se fosse uma equivalente ao feminismo ao que Eduardo Cunha faz em relação à política brasileira. Tenta resistir aos tempos, buscando um erotismo obsessivo que de tão ostensivo e apelativo se torna mais repulsivo que sedutor, imposto "na marra" como as pautas-bombas do presidente da Câmara dos Deputados.

As duas simbolizam o desespero do mercado popularesco de trabalhar o corpo feminino como uma mercadoria. Seus ideólogos, usando argumentos semelhantes aos de jornalistas reacionários que usam a desculpa da "liberdade de expressão", falam em "liberdade do corpo" e do "direito à sensualidade" para empurrar grosserias nesse sentido.

A sensualidade feminina verdadeira é explorada até por atrizes comuns, não necessariamente vinculadas a contextos eróticos. A graça da sensualidade está na sutileza. Está em estabelecer momentos para não mostrar e mostrar conforme o contexto. Além do mais, o verdadeiro feminismo está na mulher desenvolver sua personalidade, e não em ser um "corpo em oferta".

O que chama a atenção também é a própria ridicularização que as "musas" siliconadas fazem em relação à imagem da mulher solteira trabalhada pela grande mídia. Enquanto a mulher casada é vista como "mais responsável", daí a mulher "independente" cuja emancipação é patrocinada por um marido mais poderoso, rico ou até mais velho, a solteira é vista pelo mercado midiático como se fosse uma "vagabunda" que "só quer sensualizar" e "curtir as noitadas".

Isso é machismo, não feminismo. É uma exploração depreciativa da mulher solteira, da mulher independente que só pode "sensualizar ou curtir", mas é "desaconselhada" a aprimorar conhecimentos, a se vestir de forma discreta, a buscar dignidade e a expor coisas e ideias interessantes.

Numa época em que a sociedade discute a violência machista, seus impulsos sexuais e os assédios abusivos, a ponto de surgirem movimentos como "Chega de Fiu-fiu", e a debater as formas de conquistas amorosas, vendo que a maior parte dos feminicídios conjugais envolve casais que se conheceram em bares e boates, os casos da Mulher Melão e Solange Gomes são grandes retrocessos.

Elas ainda persistem num processo de "erotismo" que só se volta para homens de baixo poder aquisitivo, baixa formação moral ou, quando muito, para jovens de classe média com impulso sexual desenfreado. Ou seja, se a sociedade está preocupada com os impulsos dos assédios machistas, vale lembrar que o "erotismo obsessivo" é um estímulo a esse processo.

A "sensualidade" obsessiva, fora do contexto, desenfreada e apelativa, na medida em que promove o corpo feminino como uma "mercadoria", traz a seu público a ilusão de que tudo é possível e por isso, daí para um grupo de homens assediar uma mulher e chamá-la de "esta é a nora que minha mãe pediu a Deus" é um pulo.

Numa época em que necessitamos repensar os valores sociais e livrá-los do maniqueísmo fácil de um moralismo rigoroso demais e uma liberdade sem controle, não há como botar o problema debaixo do tapete e fingir crer que o machismo de "musas" como Mulher Melão e Solange Gomes são "um tipo diferente de feminismo popular". A complacência das esquerdas a elas só faz com que prevaleçam valores machistas simbolizados pelas duas.

Afinal, se a Mulher Melão invade um evento em que mulheres protestam, entre outras coisas, contra o estupro e a sexualização forçada e faziam topless não por sensualismo, mas para se afirmarem como mulheres e exigirem respeito à suas condições, a funqueira adota posturas machistas se nivelando a madames que batem panelas para pedir até golpe militar contra a presidenta Dilma Rousseff.

E se Solange Gomes aparece deitada, com os glúteos em destaque, sobre as seis pernas de três machões musculosos, ela não faz feminismo, e nivela sua "sensualidade" a Revoltados On Line, Movimento Brasil Livre e Acorda Brasil que querem o "Fora Dilma" sem aceitar que a presidenta foi eleita dentro da legalidade das normas constitucionais e só poderá deixar o mandato no final de 2018.

Camuflar esse machismo imposto por subcelebridades siliconadas sob o rótulo de "popular" como se fosse "outro feminismo" é um discurso elitista que uma parcela pouco confiável da intelectualidade tenta fazer para deixar o povo pobre na sua decadência e degradação.

Isso é ruim, porque o Brasil precisa repensar seu conceito de sociedade, diante de uma série de valores sócio-culturais confusos, contraditórios e retrógrados que prevaleceram durante a ditadura militar e que hoje perdem o sentido diante de novas exigências e questões que surgem no cotidiano. Não vale mais deixar as coisas como estão, se elas sempre expressam valores retrógrados.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O Brasil e a mania de condenar o raciocínio questionador


"O mal de Allan Kardec é que ele é científico demais". "O mal do Espiritismo francês é seu excesso de lógica, que prejudica (sic) o melhor entendimento das coisas". "É necessário também fazer ouvir a fé, que também merece um lugar cativo na compreensão da realidade".

Frases assim são feitas até mesmo por "espíritas", mesmo aqueles que se dizem "inclinados" à racionalidade kardeciana. ilustram a tendência surreal de uma parcela de brasileiros que manifesta seu preconceito com o ato de raciocinar.

Até dez anos atrás, havia internautas que manifestavam, no extinto Orkut, seu orgulho em odiar ler livros. Mocinhas de boa aparência mas com a arrogância às alturas se julgavam "inteligentes" e "emancipadas" por nada, se achando "diferenciadas" pela convicção de ver no ato de ler livros uma atividade inútil, porque elas já estavam satisfeitas com a tal "universidade da vida", desculpa para usar a curtição como motivo para sua preguiça intelectual.

Hoje a coisa nem está tão convicta assim, mas se o hábito de valorizar livros cresceu de alguma forma, outro aspecto surreal veio à tona: o sucesso dos "livros para colorir" num mercado de livros que são para serem lidos, o que causa muita preocupação pelo que isto representa.

Afinal, são livros como "Jardim Encantado", "Jardim Secreto" e outros que ocupam boas colocações nas listas de vinte livros mais vendidos, e que revelam a futilidade do mercado literário. Os únicos livros relevantes, de ficção ou não-ficção, que aparecem nas listas ou são biografias de personalidades badaladas, nem sempre de renomado valor, ou obras dos anos 1940 (!) como O Diário de Anne Frank e O Pequeno Príncipe.

Para piorar, nas mídias sociais ainda há imbecis que convictamente declaram "não preciso raciocinar, já sou inteligente", e se irritam quando são chamados de alienados, burros ou desinformados. Estar "informado", para eles, é seguir o vento da grande mídia e do mercado, até mesmo falando as "gírias da Rede Globo" (como "galera" e a gíria-símbolo de Luciano Huck, "balada").

Numa época em que até as pessoas cultas se afastam de quem tem consciência crítica, vista como "arredia", "insuportável", "antipática" e "inclinada a desestabilizar as coisas", o Brasil sofre um período delicado de decadência não somente sócio-cultural, como mostra o processo de bregalização musical, mas pelo preocupante processo de declínio político.

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, inexpressivo político do Rio de Janeiro que foi "surpreendentemente" eleito (junto ao encrenqueiro Jair Bolsonaro) como expressão da complacência de cariocas e fluminenses para qualquer um que tenha algum status quo, reflete esse retrocesso que envergonha essas pessoas que, irritadas, agora abandonam aqueles que tentam alertar sobre certas armadilhas.

Até dentro da cultura rock a onda de complacência veio à tona. A Rádio Cidade, por exemplo, é uma espécie de "Eduardo Cunha" das rádios de rock, endeusada por "revoltados on line" cariocas que sempre formam uma "panelinha" para "pedir a volta da rádio" se a emissora ensaia algum retorno ao pop que consagrou a FM carioca surgida em 1977.

Em vez dos roqueiros autênticos, antes identificados através da influência cultural da Fluminense FM, reagirem como ocorreu com a concorrente Estácio FM, abatida pelo chamado marketing de guerrilha, o que se sucedeu foi um conformismo e uma resignação com webradios que dificilmente são sintonizadas fora de casa, já que, no celular, sua sintonia é falha, cara e esgota a bateria rapidamente.

Há pessoas que reclamaram dessa realidade e foram discriminadas pelos próprios roqueiros autênticos. Houve quem, destes, dissesse que a Rádio Cidade "segue outra linha" e "até faz um bom trabalho em sua proposta", e boicotasse o contestador de uma forma ou de outra.

A complacência, dentro de um reduto antes associado à rebeldia juvenil, a uma emissora FM que trata o jovem roqueiro como um idiota que põe a língua para fora e faz sinal do capeta com as mãos, reflete essa pouca disposição ao senso crítico. E a discriminação que as pessoas questionadoras recebe até de pessoas cultas revela o descaso que estas passaram a ter com a própria realidade.

Mas isso é apenas um dos muitos aspectos que fazem a "boa sociedade" de pessoas cultas, bem instruídas, aparentemente bem intencionadas mas resignadas com os retrocessos que acontecem na atualidade. Reflete o espírito do tempo que camufla insegurança com acomodação: "Vamos parar de reclamar, gente! Tem as Olimpíadas ano que vem! É só chover dinheiro que tudo melhora, até Valesca Popozuda vai passar a cantar Bossa Nova!", dizem.

Tem a fantasia de que a "chuva de dinheiro" vai transformar os canastrões e medíocres de hoje em gênios visionários de amanhã. No auge da Era FHC, muita gente acreditou que bastava o mercado e a Rede Globo injetarem dinheiro nos "pagodeiros" e "sertanejos" canastrões da Era Collor, dando banho de loja e tecnologia, para fazê-los a imagem e a semelhança dos grandes artistas de MPB.

Grande ilusão. Esses ídolos musicais se perderam na mesma pasteurização que já desqualificou a MPB nos anos 80, e sua "sofisticação" musical se restringiu à aparência e ao tendenciosismo de covers emepebistas que, em grande quantidade, dissimulam o fraquíssimo e duvidoso repertório autoral, alimentado também por factoides e por um falso carisma que esses "artistas" trabalham sob o apoio da grande mídia.

A discriminação ao pensamento questionador também reflete pela literatura inócua mesmo fora dos aberrantes "livros para colorir" (produtos desnecessários, se percebermos que ilustrações para colorir podem ser baixadas facilmente pela Internet). Depois das biografias de cachorros com nomes de músicos estrangeiros, agora são os livros de bobagens dos chamados "vlogueiros" ou "youtubers".

Obras que divagam demais sobre coisas inócuas, como se o batom que a garota deveria usar deve combinar sua cor com a blusa ou com a saia, e reflexões "filosóficas" sobre acordar com sono numa segunda-feira, acabam ficando em alta numa sociedade pouco disposta a ouvir questionadores.

Há livros e livros de pessoas querendo dizer e informar coisas importantes, mas que mesmo o mercado literário considerado "sério" discrimina. E há autores independentes que não têm espaço para divulgar seus produtos, porque "contestam demais" as coisas. Isso quando até vlogueiros que escrevem livros inteiros sobre espinha na cara se tornam best sellers da noite para o dia.

No "espiritismo" então, a coisa é grave. A leitura de livros de Chico Xavier é alvo de intensa propaganda, mas raramente alguém os lê de maneira decidida e firme. A verdade é que essa literatura é irregular e de qualidade bastante duvidosa, pois são textos rebuscados, falsamente cultos, que envolvem mistificação religiosa retrógrada e visões ficcionais que querem se impor à realidade.

Chico Xavier, com sua abordagem anti-Kardec e seus indícios de plágios literários, confirmados ao longo do tempo através de comparações e pesquisas sérias, puxou toda uma literatura irregular, em que a maioria dos livros é "fogo de palha", lançados com muito estardalhaço nos meios "espíritas" e desaparecendo com o tempo, desacreditados.

A cultura sofre uma degradação e as pessoas cultas, resignadas com seus poucos espaços e praticamente sem dialogar com o resto da sociedade, agem mal quando discriminam quem "reclama demais" das coisas. Se sentem ofendidos quando outros descrevem essa crise, achando que tudo está bem e basta aumentar os investimentos que tudo melhora.

Isso porque, enquanto acreditam que se afastam de pessoas "simpáticas, mas muito incômodas e até insuportáveis", destroem a única ponte que faria com que seus valores culturais relevantes fossem repensados e retrabalhados para a divulgação pública.

Essa atitude das pessoas cultas discriminarem os questionadores se compara aos moradores de uma bela cidade que, para se sentirem protegidos, destroem a única ponte que a ligava para outros lugares. E, em vez de se sentirem protegidos, acabam se autodestruindo pela ilusão da auto-reverência, da apreciação privativa de seus valores e da falta de comunicação com o mundo de fora.

domingo, 25 de outubro de 2015

'Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho' foi plágio de palestra de 1934

LEOPOLDO MACHADO, MEMBRO DA FEDERAÇÃO "ESPÍRITA" BRASILEIRA, ANTECIPOU O UFANISMO DE CHICO XAVIER ANTES DESTE.

O "movimento espírita" fazia plágio de suas próprias publicações. Vide, por exemplo, a base bibliográfica do livro Nosso Lar, de Francisco Cândido Xavier e lançado em 1943, que se fundamentou no livro A Vida Além do Véu, do inglês George Vale Owen, que a Federação "Espírita" Brasileira já publicou em 1921 na tradução em português.

O livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, escrito a quatro mãos por Chico Xavier e Antônio Wantuil de Freitas mas creditado, de forma leviana e tendenciosa, ao espírito de Humberto de Campos - que, com apropriada certeza, nunca teria escrito este livro - , foi na verdade um engodo de inúmeras fontes de plágios diversos e tomou como base uma antiga palestra da FEB.

Quem questiona os bastidores do "espiritismo" brasileiro sabe muito bem que o livro ufanista, que a FEB publicou para agradar o Estado Novo, é na verdade uma colcha de retalhos. Nele até mesmo livros do próprio Humberto de Campos têm trechos plagiados, incluindo um livro humorístico, O Brasil Anedótico, o que fez Wantuil cair no ridículo na sua defesa:

"Os trechos de “Brasil Anedótico”, que são indicados como plagiados por Francisco Xavier, não podem ser considerados como tais. Qualquer escritor, relatando em nova obra o que já dissera em outra, repete frequentemente as mesmas expressões. Ademais, não haveria necessidade de plagiar naquela narrativa feita em termos comuns. Muitos dos plágios apontados são aliás transcrições de trechos de outros livros e se encontram entre aspas, na obra psicografada".

É muito comum que lideranças ou acadêmicos "espíritas" se utilizem de uma retórica ou pose de seriedade para tentar afirmar suas práticas bastante duvidosas. Criam-se justificativas "técnicas" e "objetivas", quando se observa irregularidades nessa alegação. Afinal, tomar como sério um trecho satírico - que compararemos em outra oportunidade - é algo que simplesmente é patético. Além do mais, não se verificou declarações entre aspas na obra de Xavier.

Mas o engodo literário que, embora se afirmasse "revelador", adota velhas abordagens que se vê sobretudo em livros didáticos ruins, teve como ponto de partida uma palestra feita na própria sede da FEB - a hoje filial carioca na Av. Passos - , conhecida como "casa-máter" e, da parte de seus contestadores, "vaticano", feita por um dirigente "espírita", Leopoldo Machado, em 09 de setembro de 1934.

Diante da dificuldade de pesquisar o texto original da palestra - o acervo digital da revista O Reformador só disponibilizou edições publicadas a partir de 1955 -, pegamos os trechos disponíveis no blogue Obras Psicografadas, com a diferença de que transcrevemos o texto de Leopoldo adaptando as palavras para a grafia atual.

O plágio é evidente. Mesmo os trechos do prefácio atribuído a Emmanuel remetem à palestra Brasil, Berço da Humanidade, Pátria dos Evangelhos, que Leopoldo lançou naquela ocasião e O Reformador publicou em 11 de outubro daquele ano, portanto há 81 anos. Segue portanto a comparação entre essas duas passagens, primeiro o documento de 1934:

"Irmãos meus em humanidade e provações terrenas, Jesus ilumine os vossos Espíritos, cristianize os vossos corações. (…)

A despeito de assim pensarmos, de sentirmos assim, não sabemos, de nossa parte, por que singular preferência de nosso espirito, porque sentimos congênito e secreto de nosso coração, queremos mais, muito mais, ao Brasil, a porção maravilhosa do Planeta em que tivemos a dita de nascer! E a nossa alma vibra, malgrado, às vezes, ao nosso desejo, por tudo o que é brasileiro, que fala do Brasil. Sentimos que amamos á terra que nos é berço com um amor que é, talvez, a maior manifestação emotiva do nosso espírito. Este amor, em nós, é, porém, muito diferente desse jacobinismo, desses bairrismos por aí campeantes, que procuram, vangloriosos, que pensam, exclusivistas, que tudo de grande, de bom, de belo, de maravilhoso se restringe ou se deve restringir, só se contém ou se deve conter a dentro das fronteiras de sua Pátria! Nosso amor ao Brasil é o de quem sente e sabe a sua Pátria destinada a desempenhar uma gloriosa e providencial função dentro da Vida. É o afeto de quem sente e sabe que o Senhor de Todas as Coisas confiou á sua terra a mais bela função, que um povo e uma nacionalidade podem desempenhar, qual a de serem verdadeiros interpretes da Doutrina luz, amor e verdade, emanada dos Evangelhos de Jesus! (…)"

(LEOPOLDO MACHADO)

Meus caros filhos. Venho falar-vos do trabalho em que agora colaborais com o nosso amigo desencarnado, no sentido de esclarecer as origens remotas da formação da Pátria do Evangelho a que tantas vezes nos referimos em nossos diversos comunicados. O nosso irmão Humberto tem, nesse assunto, largo campo de trabalho a percorrer, com as suas facilidades de expressão e com o espírito de simpatia de que dispõe, como escritor, em face da mentalidade geral do Brasil. (…)

O Brasil não está somente destinado a suprir as necessidades materiais dos povos mais pobres do planeta, mas, também, a facultar ao mundo inteiro uma expressão consoladora de crença e de fé raciocinada e a ser o maior celeiro de claridades espirituais do orbe inteiro. (…)

Se outros povos atestaram o progresso, pelas expressões materializadas e transitórias, o Brasil terá a sua expressão imortal na vida do espírito, representando a fonte de um pensamento novo, sem as ideologias de separatividade, e inundando todos os campos das atividades humanas com uma nova luz. 

(EMMANUEL)

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Os trechos parecem sutilmente escritos para disfarçar o plágio, mas apontam o mesmo sentido de unir ufanismo e religiosidade, e mesmo os vocativos "Irmãos" e "Meus Caros Filhos" soam essencialmente parecidos. A ideia do Brasil como uma nação evangelizadora, a comandar o mundo com esta suposta missão, é bem parecida, apesar das palavras buscarem "diferenciar-se".

Segue então mais um trecho, em que colocamos o texto de Leopoldo (entre o primeiro e segundo documentos) para comparação e o do suposto "Humberto de Campos" (em diversas páginas) em seguida:

"E este grande sentimento nosso pela terra que nos é berço cresce á medida que lhe conhecemos a natureza exuberante e boa; que estudamos a sua História cheia de lances heroicos,em que fulgem os sentimentos cristãos de seus filhos, que estudamos a índole pura, pacifica e piedosa de seu povo, que, a despeito de suas imperfeições, que são muitas, de seus defeitos de educação, que são enormes, traz, dentro do peito, um coração aberto sempre a caridade, que é a maior revelação de amor ao próximo, e ao sentimento religioso. Por isso sentimos e vemos a gente desta abençoada gleba, que é o nosso povo, com a mesma vitralidade com que a vê Leôncio Correa: "Como te vejo nobre no teu idealismo e forte na tua risonha sabedoria! Povo do samba, povo da intrigalhada da politiquice, povo carnavalesco por excelência, como és grande nas tuas virtudes, como és doce nos teus afetos, como és magnânimo nas tuas vitorias!'". 

(LEOPOLDO MACHADO)

Afãs, se numerosos pensadores e artistas notáveis lhe traduziram a grandiosidade de mundo novo, contando "lá fora" as inesgotáveis reservas do gigante da América, todo esse espírito analítico não passou da esfera superficial das apreciações, porque não viram o Brasil espiritual, o Brasil evangélico, em cujas estradas, cheias de esperança, luta, sonha e trabalha o povo fraternal e generoso, cuja alma é a "flor amorosa de três raças tristes", na expressão harmoniosa de um dos seus poetas mais eminentes. (p. 7)

(…)

Estas páginas modestas constituem, pois, uma contribuição humilde à elucidação da história da civilização brasileira em sua marcha através dos tempos. Têm por único objetivo provar a excelência da missão evangélica do Brasil no concerto dos povos e que, acima de tudo, todas as suas realizações e todos os seus feitos, forros dos miseráveis troféus das glórias sanguinolentas, tiveram suas origens profundas no plano espiritual, de onde Jesus, pelas mãos carinhosas de Ismael, acompanha desveladamente a evolução da pátria extraordinária, em cujos céus fulguram as estrelas da cruz. (p. 10-11)

(…)

Tu, Helil, te corporificarás na Terra, no seio do povo mais pobre e mais trabalhador do Ocidente; instituirás um roteiro de coragem, para que sejam transpostas as imensidades desses oceanos perigosos e solitários, que separam o velho do novo mundo. Instalaremos aqui uma tenda de trabalho para a nação mais humilde da Europa, glorificando os seus esforços na oficina de Deus. Aproveitaremos o elemento simples de bondade, o coração fraternal dos habitantes destas terras novas (…)  (p.15)

Há outros trechos, disponíveis no blogue. Eles ilustram toda uma verborragia digna do Segundo Império, e que revela todo o pretenso eruditismo dos livros "espíritas", a acompanhar toda a tendenciosa bibliografia atribuída a Chico Xavier e outros derivados, de Divaldo Franco e outros "médiuns".

Nelas, observa-se aquele discurso grandiloquente, igrejista, em que a emotividade atropela a razão e o otimismo é digno dos mais demagógicos discursos políticos. A promessa de um Brasil "comandando o mundo" com suas "lições de paz e fraternidade", com uma idealizada exaltação do povo brasileiro, destoa de qualquer realidade, embora seja um discurso bastante sedutor.

Afinal, é através dele que sentimentos de falsas esperanças surgem, e a mistura de ufanismo e religiosidade faz com que se atribua ao Brasil uma predestinação missionária que o país não tem e não poderia ter para comandar o mundo.

Além do mais, a tese do "coração do mundo" seria rejeitada imediatamente por Allan Kardec, que nunca iria defender o privilégio de alguma porção territorial, seja nação, cidade, aldeia etc, de qualquer qualidade missionária ou coisa parecida. Para Kardec, se preocupar com um país como suposto líder da paz mundial é uma grande perda de tempo.

É até perigoso pensar assim, como já vimos nos casos da Alemanha, Estados Unidos ou mesmo no Império Romano. Falar é fácil a respeito do país que vai liderar o mundo. Na teoria, tudo é harmonioso e fascinante, mas na prática a ideia de um país poderoso, com toda a verborragia pacifista que o apoia, sempre oferece um risco de um novo imperialismo a escravizar outros povos.

sábado, 24 de outubro de 2015

"Médium" João de Deus desmascara "curas espirituais"


Recentemente, o "médium de curas" João Teixeira de Faria, o "João de Deus", que atua num "centro espírita" em Abadiânia, no interior de Goiás, passou por uma cirurgia. Não foi uma cirurgia espiritual, mas pela "subestimada" medicina da Terra, tendo sido internado às pressas devido a problemas gastro-intestinais.

Ele tem 73 anos e afirma que faz checape na "medicina da Terra" todo ano. Embora aparentemente isso soe "prudente", e é muito comum os "centros espíritas" recomendarem às pessoas "não largarem os remédios e tratamentos médicos terrenos", isso cria um sério impasse e, praticamente, desmoraliza as cirurgias mediúnicas tão tidas como "elevadas".

As "curas espirituais" sempre revelaram um conflito entre a ciência da Terra e a misteriosa "ciência intuitiva dos espíritos". Na sua propaganda, as "curas espirituais" são anunciadas como um "processo evoluído", apesar de seus métodos bastante rudimentares. Elas se destinam, em tese, a curar doenças consideradas incuráveis e de difícil solução.

Resultados "eficientes" nesse sentido são alardeados até mesmo por aqueles que se dizem "rigorosamente respeitadores" da Ciência Espírita, que no entanto ainda não trouxe estudos a respeito de tais atividades. Nos tempos de Allan Kardec, as "curas espirituais" ainda estavam ligadas a critérios misteriosos e discutíveis, mais místicos do que científicos.

A "medicina mediúnica" segue práticas próprias da Idade Média, além de critérios típicos da época. Geralmente tesoura e faca de cortar carne são usadas, sem qualquer tipo de higiene. Supostamente tumores são extraídos na forma de objetos que parecem caroços de frutas, e seus "pacientes" são considerados "definitivamente curados".

Não existem dados confiáveis nem coisa alguma que pudesse legitimar ou garantir essas práticas. Tudo é feito de forma tão duvidosa e misteriosa, mais próxima do sobrenatural do que do científico, o que diz muito de sua falta de confiabilidade.

Pior, o sensacionalismo desses processos faz com que as pessoas recorram a elas como quem recorre à automedicação. Uma espécie de "medicina" improvisada, quase nunca confiável, na medida em que não há uma orientação cautelosa e os remédios e terapias adotados tendem a ter resultados desiguais, através de uma busca generalizada e cega dos mesmos.

O caráter pouco evoluído da "medicina espiritual" é tanto que eles atraem a influência de espíritos que teriam correspondido a médicos alemães ligados ao nazismo. Em muitos casos, os próprios "médiuns" terminavam a vida tragicamente, pela influência negativa dos espíritos.

Exemplos disso foram o famosíssimo José Arigó, mineiro que teria recebido o dr. Adolf Fritz (ou apenas "Dr. Fritz"), e, recentemente, o carioca Gilberto Arruda, que teria recebido o médico Frederik Von Stein. Arigó, que chegou a ser tão carismático quanto Chico Xavier, morreu em acidente de carro, na véspera do Dia dos Mortos, em 1971. Arruda morreu assassinado há alguns meses, dentro do Lar Frei Luiz, onde atuava, no bairro carioca da Taquara.

JOÃO DE DEUS NÃO RECEBE OSVALDO CRUZ

Apesar da alegação do "médium" João de Deus de receber, entre os supostos espíritos, o do médico sanitarista Osvaldo Cruz (1871-1915), esta informação, com toda certeza, não procede, como também não procedem as evocações, aqui e ali, de intelectuais e cientistas brasileiros do porte de Olavo Bilac, Humberto de Campos, Machado de Assis e outros nos ambientes "espíritas".

Conhecido médico e cientista que, ao lado de Carlos Chagas, trabalharam para o desenvolvimento de remédios e tratamentos contra doenças, no Brasil do começo do século XX, Osvaldo, assim como o outro, não iriam aderir a processos duvidosos de "curas espirituais", desprovidos de critérios científicos sérios.

Além do mais, a esfera do "espiritismo" brasileiro é pouco confiável para os espíritos mais conceituados, que nem de longe atendem ou participam de alegadas evocações. Humberto de Campos, por exemplo, não escreveu uma vírgula nos livros atribuídos a ele através de Chico Xavier. Isso é fato, embora a Justiça dos homens não tenha compreendido a situação.

Mais do que ninguém, eles percebem, do outro lado, as traquinagens dos "espíritas" brasileiros, cujas fraudes e atitudes pouco confiáveis só são legitimadas pelos olhares apaixonados dos seguidores da Terra, desconhecedores do rigor científico que Allan Kardec cautelosamente trazia em suas ideias.

Intelectuais renomados e conceituados, mesmo sendo pessoas ainda dotadas de imperfeições aqui e ali, possuem nível evolutivo suficiente para não aceitarem fazer parte dessa farra astral que os "espíritas" fazem, tomados de preconceitos igrejistas e tantas outras firulas. Eles se afastam, completamente, até de Chico Xavier e Divaldo Franco, horrorizados com seus estrelatos.

Além disso, a contradição que os "espíritas" têm em relação a valorizar ou não a "medicina mediúnica", mostra mais uma vez o caráter de confusão e inconsistência da doutrina brasileira. Alegar a superioridade das "curas espirituais" de um lado e apelar para a "medicina de carne-e-osso" de outro mostra o quanto a coerência encontra morada difícil e desconfortável nessa doutrina.

Afinal, os "espíritas" que se apoiam nessas práticas, em primeira instância, desprezam o trabalho da Ciência terrena nos estudos relacionados a doenças graves e sem cura conhecida. Alegam capacidade de curar males considerados incuráveis, de retomar a saúde plena até de enfermos que estão no leito de morte, achando que a "medicina da Terra" é incompetente ou impotente para tal missão.

Mas quando a coisa pesa nos próprios "espíritas", recorrem para a "medicina da Terra" que esnobam e desprezam. Os médicos e cientistas que estudam, sem receber investimentos dignos, sobre doenças e males diversos, são desmoralizados pelo "espiritismo", uma vez que o trabalho deles é desprezado, pois alegam que os "médicos do além" fazem "muito mais" do que os pesquisadores.

Depois, são esses cientistas os bajulados e procurados quando falha aos "espíritas" alguma capacidade de auto-cura por meios improvisados. Aí os cientistas, desprezados e esnobados, são procurados para fazer o serviço. E isso depois de serem ultrajados. E, uma vez que são procurados, a "medicina espírita", da forma como gente como João de Deus faz, é desmascarada de vez.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O "funk" fez sua parte para a Zona Sul querer expulsar os suburbanos


Os retrocessos sócio-culturais ocorridos no país e, sobretudo, no Rio de Janeiro, palco de uma decadência ameaçadora para o resto do país, pelo fato do Estado ainda ser considerado "modelo a ser seguido" pelo resto do Brasil, põem o progresso social a perder e agravam as desigualdades que historicamente se empenhava em combater.

Um exemplo dessa ameaça é a sabotagem que supostos adeptos das causas progressistas, vindos de remanescentes políticos da ditadura militar ou intelectuais originalmente ligados a setores acadêmicos do PSDB, em que a "sincera solidariedade" aos governos Lula e Dilma Rousseff só serve para esconder as visões elitistas e nada progressistas desses "adeptos".

O "funk carioca", que, sabemos nunca foi mais do que um ritmo comercial que fazia perpetuar a degradação sócio-cultural do povo pobre, foi um processo bastante traiçoeiro de manipulação de corações e mentes, que teve o apoio escancarado dos chamados "barões da mídia", que com muito gosto aceitaram o ritmo como forma de domesticação social das periferias.

O ritmo foi um dos principais focos de uma campanha intelectual movida por intelectuais para sabotar todos os esforços de promover o progresso social e as melhorias nas classes populares. Desde 1990, quando o "funk", entre aspas, apareceu sob clara ruptura às raízes artísticas de James Brown e discípulos, referindo o comercialismo escancarado, mas mafioso, do miami bass dos EUA.

A campanha ideológica do "funk carioca", iniciada em 2003, apesar de alguns artigos apologéticos terem sido produzidos antes - como um artigo da jornalista paulistana Bia Abramo, que preferiu defender as chamadas "proibidas do funk" pela paródia sensual das profissionais de Enfermaria, em detrimento das enfermeiras que se sentiram desmotalizadas e moveram ação judicial - , e envolveu jornalistas, intelectuais, acadêmicos e celebridades.

A campanha de defesa do "funk" tornou-se um fenômeno comparável ao que era feito pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), nos tempos de João Goulart, para desmoralizar o então presidente do Brasil. Assim como o IPES, os ideólogos do "funk" eram sustentados por organizações "não-governamentais" vinculadas ao Departamento de Estado dos EUA.

Mas, diferente do IPES, a estratégia não foi a desmoralização política, mas a deturpação cultural. O então presidente Luís Inácio Lula da Silva era poupado, mas os ideólogos da degradação cultural, seja o "funk" ou outros ritmos "populares demais" trazidos pelo coronelismo midiático, investiam na construção ideológica da "cultura das periferias" como meio de manipulação social.

Através dessa construção ideológica, os intelectuais, através de uma roupagem "científica" bem mais elaborada do que o IPES, trabalhava o povo pobre de forma estereotipada, reduzindo as classes populares a uma multidão de consumistas abobalhados e culturalmente atrapalhados.

Os intelectuais até usavam uma desculpa para defender essa degradação cultural e condenar ao povo pobre qualquer melhoria na Educação e na Cultura: o fato de que essa degradação atribuía suposta revolução do "mau gosto", criando um maniqueísmo entre a cultura sofisticada do "bom gosto" e a "revolta popular" (sic) do "mau gosto".

Ignorando que muito desses sucessos "populares demais" é patrocinado por grandes empresários, políticos poderosos e latifundiários, os intelectuais forjavam um discurso "libertário", como meio de tentar ao mesmo tempo anestesiar a fúria popular pela desigualdade social de décadas e dar a elas a impressão de que seu consumismo musical é "ativismo cultural".

O "funk" não foi o único ritmo, mas foi o carro-chefe desse discurso ideológico que pregava a domesticação das classes populares, transformando o povo pobre numa caricatura de si mesmo, e, apesar do verniz pretensamente libertário, a retórica buscava legitimar formas de expressão musical e comportamental trazidas pelos mais reacionários veículos de comunicação dominantes.

Através do "funk" e sua retórica cheia de contradições - até parece que o "funk" é o Chico Xavier da música brasileira, com seu perfil conservador e sua ideologia contraditória - , valores retrógrados ligados ao machismo, a estereótipos racistas de negritude e ao sensacionalismo da violência, são camuflados sob o rótulo de "novos valores trazidos pelas periferias".

A "provocatividade" como um fim em si mesmo também foi um apelo ideológico dos seus defensores, para acobertar muitas contradições e equívocos, de forma a transformar a cultura das classes populares a um engodo que nada aproveita do rico patrimônio cultural que acumulamos no passado e que só evoca a "diversidade cultural" com a mesma hipocrisia com que jornalistas reacionários falam em "liberdade de expressão".

Com o paralelo com a apologia do sofrimento de Francisco Cândido Xavier, a ideologia em prol do "funk" falava do "orgulho de ser pobre", uma forma de fazer as classes populares se sentirem felizes pela situação inferior em que viviam, praticamente amenizando o potencial de mobilização social, já que o "funk" virou sua "mobilização social" e por isso "não havia necessidade" de lutar por melhorias. Basta ir a uma casa noturna ou comprar o CD do momento.

Consumismo virou "ativismo social" para que o verdadeiro ativismo social seja enfraquecido. E isso nada colaborou para a melhoria social. Enquanto ideólogos e os próprios DJs de "funk", tentando neutralizar as críticas, alardeavam que "era só melhorar as periferias que o funk melhora", eles mesmos, faturando rios de dinheiro, nunca contribuíram para usar o "funk" em benefício da sociedade mais pobre.

Pelo contrário. Apenas por uma questão publicitária eles defendiam o "valor educativo" do "funk". Era só substituir a redação nas escolas pelo "funk", chegou a defender o DJ Rômulo Costa. Contraditoriamente, com o fechamento dos "bailes de proibidão" (facção do "funk" que exalta a violência e a pornografia escancarada), MC Leonardo dizia que o ritmo não tinha obrigação de ensinar coisa alguma para a população.

Diante desse grande engodo ideológico, temperado por inserções tendenciosas de referenciais do "funk" nos meios mais qualificados - como uma exposição sobre Josephine Baker em que um grupo de funqueiras foi contratado pelos mecenas cariocas para abrir o evento - , o povo pobre acabou sendo vítima de seus próprios estereótipos e se subordinando à ideologia do "funk" e de sua apologia à ignorância e à pobreza.

E é isso que faz com que a juventude pobre não tenha outras referências culturais mais relevantes, mas tão somente o anestesiante "funk" de seus celulares, cujos sucessos são sempre iguais. E, preso a esses estereótipos, o público pobre, sem melhorar de vida, acaba parecendo repugnante com sua imagem caricatural, causando horror na aristocracia da Zona Sul.

Daí o horror social das elites com a frequência das classes populares vindas da Zona Norte às praias como Copacabana, Arpoador e Ipanema. Daí a "ajudinha" das "generosas" autoridades em banir os ônibus da ligação direta Zona Norte-Zona Sul, com a "inocente" desculpa de "racionalizar" o transporte.

O "funk" desenhou uma periferia ainda mais feia e impediu o povo pobre de ter melhor qualidade de vida. Resultado: expulso da Zona Sul, o povo pobre terá que se consolar com o exílio da Praia de Rocha Miranda, bonito e sem a imponência das praias originais.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Por que Erasto reprovaria, com certeza, Chico Xavier?

FOTO DE JEAN MANZON MOSTRA CHICO XAVIER LENDO JORNAIS E FAZENDO ANOTAÇÕES, EM 1944.

Mais uma gafe é cometida pelos "espíritas" que reclamam de tantas críticas feitas contra Francisco Cândido Xavier, em um processo que eles definem como "campanha lamentável de maledicência". Acusam eles que os contestadores estão dotados de confusão e desconhecimento da Doutrina Espírita, enquanto os próprios "espíritas" é que estão equivocados.

Mais de um, e não só no Brasil, evocaram Erasto, o profeta dos tempos bíblicos que, em espírito, retornou para divulgar seu alerta contra os inimigos do Espiritismo, para defender Chico Xavier, numa clara demonstração de incoerência e inconsistência.

Erasto fazia alertas enérgicos e afirmava que os inimigos da Doutrina Espírita estavam dentro dela. Eles se serviam de médiuns despreparados e espíritos traiçoeiros, que inseriam conceitos levianos que contrariam o pensamento de Allan Kardec, camuflados em obras que aparentemente diziam "coisas boas".

Erasto recomendava rejeitar tais práticas sem piedade, porque elas representavam o perigo da traição ao pensamento kardeciano e à coerência da realidade e seu bom senso. Segundo o discípulo do profeta Paulo de Tarso, mais vale repelir dez verdades do que aceitar uma única mentira.

Num país marcado pela demagogia, pela supremacia das meias-verdades e pela corrupção, faz sentido que os "espíritas" estejam inclinados a aceitar as mentiras de Chico Xavier, manifestas por sua trajetória duvidosa e cheia de escândalos, erros graves e contradições vergonhosas que tornam definitivamente inconcebível todo e qualquer vínculo dele com Allan Kardec.

Alguns parágrafos de Erasto, já reproduzidos antes, merecem ser novamente citados porque eles soam como um recado direto sobre Chico Xavier, que com exatidão personifica o inimigo do Espiritismo que, embora no fundo tenha sido um católico paranormal, tornou-se "inimigo dentro da Doutrina" pelo vínculo forçado que se faz dele ao Espiritismo e a Allan Kardec:

Os médiuns levianos, pouco sérios, chamam, pois, os Espíritos da mesma natureza. É por isso que as suas comunicações se caracterizam pela banalidade, a frivolidade, as idéias truncadas e quase sempre muito heterodoxas, falando-se espiritualmente.  Certamente eles podem dizer e dizem às vezes boas coisas, mas é precisamente nesse caso que é preciso submetê-las a um exame severo e escrupuloso. Porque, no meio das boas coisas, certos Espíritos hipócritas insinuam com habilidade e calculada perfídia fatos imaginados, asserções mentirosas, como fim de enganar os ouvintes de boa fé.

Esse parágrafo se encaixa nos questionamentos que se faz sobretudo aos livros de Chico Xavier, com ideias truncadas, escondidas por trás de "coisas boas" eventualmente expressas, e das quais se inseriram de forma hábil e perversa fatos imaginados sem comprovação científica autêntica - descontam-se as tentativas de acadêmicos "espíritas" em trabalhos metodologicamente bastante falhos e sem embasamento - e preconceitos igrejistas e até de mais retrógrado moralismo.

Por debaixo dos panos, se inseria desde valores machistas e racistas - como a submissão da mulher defendida por Emmanuel e a insólita relação de espíritos e plantas no "mundo espiritual" de Nosso Lar - até o moralismo mais retrógrado, como a vergonhosa apologia ao sofrimento das frases de Chico Xavier, idênticas às que fizeram Madre Teresa de Calcutá ser apelidada "anjo do inferno".

As comunicações dessa natureza só são perigosas para os espíritas que agem isolados, os grupos recentes ou pouco esclarecidos, porque, nas reuniões de adeptos mais adiantadas e experientes, é inútil a gralha  de se adornar com penas de pavão, pois será sempre impiedosamente descoberta.

Os "espíritas" brasileiros e os que compartilham de suas crenças e práticas no exterior - há blogues "espíritas" produzidos por portugueses - ainda tentam adornar a "gralha" com "penas de pavão", tentando a todo custo manter a boa imagem de Chico Xavier junto a Doutrina Espírita, medida que, ao menor esforço de esclarecimento, é desmascarada sem dó, o que faz os "espíritas" reagirem com omissão, sem poder argumentar os questionamentos que recebem.

Mas onde a influência moral do médium se faz realmente sentir é quando este substitui pelas suas pessoas aquelas que os Espíritos se esforçam por lhe sugerir. É ainda quando ele tira, da sua própria imaginação, as teorias fantásticas que ele mesmo julga, de boa fé, resultar de uma comunicação intuitiva. Nesse caso, há mil possibilidades contra uma de que isso não passe de reflexo do Espírito pessoal do médium.

Esse parágrafo parece se destinar às supostas cartas "mediúnicas" de Chico Xavier, embora essa atribuição de usar os nomes de espíritos falecidos em mensagens da própria imaginação esteja presente em seus livros, desde o irregular Parnaso de Além-Túmulo. A obra de Chico Xavier é marcada por textos que mostram claramente o "reflexo do Espírito pessoal do médium" descrito por Erasto.

É essa a pedra de toque das imaginações ardentes. Porque, levados pelo ardor das suas próprias idéias, pelos artifícios dos seus conhecimentos literários, os médiuns desprezam o ditado modesto de um Espírito prudente e, deixando a presa pela sombra, os substituem por uma paráfrase empolada. Contra esse temível escolho se chocam também as personalidades  ambiciosas que, na falta das comunicações que os Espíritos bons lhe recusam, apresentam as suas próprias obras como sendo deles. Eis porque é necessário que os dirigentes de grupos sejam dotados de tato apurado e de rara sagacidade, para discernir as comunicações autênticas e ao mesmo tempo não ferir os que se deixam iludir.

Já esse aspecto toma como ênfase os livros, pois até parece que Erasto estava falando do próprio Chico Xavier. De certo, os conselheiros sempre nos advertem de armadilhas que só tardiamente serão armadas, pois pelo conhecimento da verdade, podem identificar também as fraudes contra ela correspondentes.

Chico Xavier tinha muitos conhecimentos literários, mas não necessariamente como especialista (há pontos medíocres e falhos nesse sentido), mas como leitor voraz de livros e jornais. Daí seu hábito de imitar razoavelmente (mas com falhas) os estilos literários diversos e a pesquisar informações de várias fontes e vários tipos de fontes para escrever mensagens tidas como "vindas do além-túmulo".

Os livros de Chico Xavier sempre apresentam um discurso empolado. São obras que exigem leitura maçante, por causa da linguagem pesada, pretensamente erudita, melancólica e tediosa, confusa e cheia de vícios de linguagem, das quais soa ofensivo atribui-las a espíritos dos mais renomados autores, de Olavo Bilac a Auta de Souza, passando pelo famoso caso Humberto de Campos, a maior vítima da atrocidade textual do anti-médium mineiro.

As imaginações ardentes, o ardor das ideias pessoais de Chico Xavier, os artifícios de conhecimentos literários para produzir linguagens empoladas, prolixas e rebuscadas, e o mascaramento da autoria do próprio "médium" que usa os nomes dos mortos para atribuir-lhes, levianamente, a autoria dos textos, é um aspecto facilmente observável da literatura xavieriana.

CONCLUSÃO

Erasto havia descrito que era melhor que se rejeitasse dez verdades do que aceitar uma única mentira. Evidentemente, Erasto não iria recomendar que se aceitassem as mentiras de Chico Xavier. Através da análise acima, provamos que as aberrantes irregularidades da obra xavieriana refletem o perigo apresentado pelo discípulo de Paulo de Tarso.

Se dissemos que Erasto reprovaria Chico Xavier, não estamos apresentando calúnias nem maledicências e muito menos estamos confusos e desconhecedores do Espiritismo. Pelo contrário, mostramos, com argumentos e análises que realmente Chico Xavier corresponde ao "inimigo interno" da Doutrina Espírita que Erasto tentava evitar.

Ver que a deturpação da Doutrina Espírita chegou-se ao ponto de seus líderes usarem o próprio Erasto para proteger suas fraudes, é de uma aberração incalculável. Certamente, Erasto, se soubesse, reagiria com indignação e enérgica reprovação contra tudo o que os "espíritas" brasileiros e seus solidários de outros países fazem, e principalmente em prol de Chico Xavier.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Erasto nunca em momento algum iria aprovar Chico Xavier


Correm na Internet textos de páginas "espíritas" nas quais a mensagem que Erasto divulgou através do discreto médium "Monsieur d'Ambel" e usada para legitimar o mito de Francisco Cândido Xavier. Convém desconfiar dessa associação, porque ela se revela bastante mentirosa, oportunista e hipócrita.

Observando com atenção e nos livrando das correntes escravizadoras da fé religiosa, reduto do deslumbramento, da credulidade e fantasia, percebemos que a trajetória de Chico Xavier foi marcada de intensos escândalos e confusões, muitas delas causadas por ele mesmo, de propósito. Livros inteiros poderiam mostrar as irregularidades de Chico Xavier, com farta apresentação de provas.

Com isso, é inadmissível que os "espíritas" usem Erasto para defender Chico Xavier. Antes eles evitassem de usar Erasto, uma figura que Allan Kardec considerava de muita profundidade e bom senso. Se querem defender o anti-médium mineiro, sejam pelo menos sinceros nas posturas igrejistas e não apelem para pessoas e teses contrárias.

Para quem acha que estamos jogando Allan Kardec contra o "bom velhinho" brasileiro, é bom deixar claro que Chico Xavier cometeu sérios, graves e preocupantes deslizes doutrinários, e personificou muito bem o que o professor lionês e o espírito do discípulo de Paulo de Tarso alertaram, quando disseram para rejeitar fenômenos "espíritas" que apresentassem um único erro sério em relação à Doutrina Espírita. Chico Xavier apresentou uma infinidade preocupante desses erros.

Mostramos como prova o próprio texto de Erasto, que em muitas passagens reprova pontos identificados nas atividades de Xavier, e eles foram publicados como resposta para o item 230 de O Livro dos Médiuns, preciso e criterioso roteiro organizado por Kardec sobre a atividade mediúnica que, em sua quase totalidade, é simplesmente malfeita ou mesmo fingida no Brasil.

O texto é longo, mas sucinto e enérgico. O tom da mensagem assustará os brasileiros deslumbrados, sobretudo nessa época em que raciocinar virou um ato abominável para boa parte das pessoas que se "alojam" nas mídias sociais. Mas o próprio Erasto reconheceu que teve que ser enérgico, ante o perigo que a Doutrina Espírita francesa tinha na sua frente.

Esse perigo, da deturpação doutrinária, foi simbolizado inicialmente por Jean-Baptiste Roustaing. Mas este teve maior receptividade no Brasil e foi adaptado para o contexto brasileiro por Chico Xavier. Portanto, se a mensagem de Erasto foi um recado sobre Roustaing, a mesma atribuição pode ser feita, com a máxima segurança, ao anti-médium mineiro.

Reproduzimos o texto, juntamente com a pergunta correspondente. A tradução é de José Herculano Pires, que respeitou as expressões originais do original francês:

230. A instrução, sobre este assunto (moral dos médiuns), nos foi dada por um Espírito de que já reproduzimos muitas comunicações:

Já o dissemos: os médiuns, como médiuns, exercem influência secundária nas comunicações dos Espíritos. Sua tarefa é a de uma máquina elétrica de transmissão telegráfica entre dois lugares distantes da Terra. Assim, quando queremos ditar uma comunicação, agimos sobre o médium como o telegrafista sobre o aparelho. Quer dizer, da mesma maneira que o tique do telégrafo vai traçando, a milhares de léguas, numa tira de papel, os sinais reprodutores do despacho, nós também nos comunicamos através das distâncias imensuráveis que separam o mundo visível do mundo invisível, o mundo imaterial do mundo encarnado, aquilo que desejamos vos ensinar por meio do aparelho mediúnico.

Mas, assim também como as influências atmosféricas freqüentemente atuam sobe as transmissões telegráficas e as perturbam, a influência moral do médium age algumas vezes sobre a transmissão dos nossos despachos de além túmulo e os perturbam, por que somos obrigados a fazê-los atravessar um meio contrário. Entretanto, na maioria das vezes essa influência é anulada pela nossa energia e a nossa vontade, e nenhuma perturbação se verifica. Com efeito, os ditados de elevado alcance filosófico, as comunicações de moralidade perfeita são transmitidas às vezes por médiuns pouco apropriados a essa função superior, enquanto de outro lado, comunicações pouco edificantes chegam às vezes por médiuns que se envergonham de lhes servir de condutores.      

De maneira geral, pode-se afirmar que os Espíritos similares se atraem, e que raramente os Espíritos das plêiades elevadas se comunicam por mal condutores, quando podem dispor de bons aparelhos mediúnicos, de bons médiuns, numa palavra.

Os médiuns levianos, pouco sérios, chamam, pois, os Espíritos da mesma natureza. É por isso que as suas comunicações se caracterizam pela banalidade,a frivolidade, as idéias truncadas e quase sempre muito heterodoxas, falando-se espiritualmente.  Certamente eles podem dizer e dizem às vezes boas coisas, mas é precisamente nesse caso que é preciso submetê-las a um exame severo e escrupuloso. Porque, no meio das boas coisas, certos Espíritos hipócritas insinuam com habilidade e calculada perfídia fatos imaginados, asserções mentirosas, como fim de enganar os ouvintes de boa fé.

Deve-se então eliminar sem piedade toda palavra e toda frase equívocas, conservando no ditado somente o que a lógica aprova ou o que a Doutrina já ensinou.

As comunicações dessa natureza só são perigosas para os espíritas que agem isolados, os grupos recentes ou pouco esclarecidos, porque, nas reuniões de adeptos mais adiantadas e experientes, é inútil a gralha  de se adornar com penas de pavão, pois será sempre impiedosamente descoberta.

Não falarei dos médiuns que se comprazem em solicitar e receber comunicações obscenas. Deixá-los que se comprazam na sociedade dos Espíritos cínicos. Aliás, as comunicações dessa espécie exigem por si mesmas a solidão e o isolamento. Não poderiam, em qualquer circunstância, senão provocar o desdém e a repugnância entre os membros de grupos filosóficos e sérios.

Mas onde a influência moral do médium se faz realmente sentir é quando este substitui pelas suas pessoas aquelas que os Espíritos se esforçam por lhe sugerir. É ainda quando ele tira, da sua própria imaginação, as teorias fantásticas que ele mesmo julga, de boa fé, resultar de uma comunicação intuitiva. Nesse caso, há mil possibilidades contra uma de que isso não passe de reflexo do Espírito pessoal do médium.

Acontece mesmo este fato: a mão do médium se movimenta às vezes quase mecanicamente, impulsionada por um Espírito secundário e zombeteiro.

É essa a pedra de toque das imaginações ardentes. Porque, levados pelo ardor das suas próprias idéias, pelos artifícios dos seus conhecimentos literários, os médiuns desprezam o ditado modesto de um Espírito prudente e, deixando a presa pela sombra, os substituem por uma paráfrase empolada. Contra esse temível escolho se chocam também as personalidades  ambiciosas que, na falta das comunicações que os Espíritos bons lhe recusam, apresentam as suas próprias obras como sendo deles. Eis porque é necessário que os dirigentes de grupos sejam dotados de tato apurado e de rara sagacidade, para discernir as comunicações autênticas e ao mesmo tempo não ferir os que se deixam iludir.

Na dúvida, abstém-te, diz um dos vossos antigos provérbios. Não admitais, pois, o que não for para vós de evidência inegável. Ao aparecer uma nova opinião, por menos que vos pareça duvidosa, passai-a pelo crivo da razão e da lógica. O que a razão e o bom senso reprovam, rejeitai corajosamente. Mais vale rejeitar dez verdades do que admitir uma única mentira, uma única teoria falsa.

 Com efeito, sobre essa teoria podereis edificar todo um sistema que desmoronaria ao primeiro sopro da verdade, como um monumento construído sobre a areia movediça. Entretanto, se rejeitais hoje certas verdades, porque não estão para vós clara e logicamente demonstradas, logo um fato chocante ou uma demonstração irrefutável virá vos afirmar a sua autenticidade.

Lembrai-vos, entretanto, ó espíritas! De que nada é impossível para Deus e para os Espíritos bons, senão a injustiça e a iniqüidade.

O Espiritismo já está hoje bastante divulgado entre os homens, e já moralizou suficientemente os adeptos sinceros da sua doutrina, para que os Espíritos não se vejam mais obrigados a utilizar maus instrumentos, médiuns imperfeitos. Se agora, portanto, um médium, seja qual for, por sua conduta ou seus costumes, por seu orgulho, por sua falta de amor e de caridade, der um motivo legítimo de suspeição, rejeitai, rejeitai as suas comunicações, porque há uma serpente oculta na relva. Eis a minha conclusão sobre a influência moral dos médiuns. – ERASTO.