segunda-feira, 21 de março de 2016

Explicando dois mal-entendidos de duas ideias lançadas por Allan Kardec


A obra de Allan Kardec deve ser observada com cuidado, observando as traduções mais fiéis e, mesmo assim, usando o bom senso e a atenção apurada, para evitar mal-entendidos. A tentação de ler tudo às pressas e interpretar mal as coisas é que faz com que os atuais deturpadores vistam a capa de "fiéis discípulos de Kardec" e usem as ideias dele para corroborar convicções pessoais, mesmo contrárias ao pensamento kardeciano.

Na obra O Livro dos Médiuns, de 1861, na tradução de José Herculano Pires, Allan Kardec, no Capítulo 24, Identidade dos Espíritos, no item 267, o autor estabelece alguns critérios para observar os bons e os maus espíritos em manifestações tidas como mediúnicas, com recomendações que podem ser também observadas nos aparentes médiuns que alegam recebê-las.

Numa lista de 26 itens, dois itens requerem cautela, quando lidos e apreciados, até porque uma interpretação infundada e precipitada pode simplesmente contradizer o próprio pensamento kardeciano, fazendo a festa dos espíritos levianos criticados no mesmo livro. Vejamos:

16º) Os Espíritos bons são também reconhecíveis pela sua prudente reserva no tocante às coisas que possam comprometer-nos. Repugna-lhes desvendar o mal. Os Espíritos levianos ou malfazejos gostam de expô-lo. Enquanto os bons procuram abrandar os erros e pregam a indulgência, os maus os exageram e sopram a discórdia por meio de pérfidas insinuações.

17º) Os Espíritos bons só ensinam o bem. Toda máxima, todo conselho que não for estritamente conforme a mais pura caridade evangélica não pode provir de Espíritos bons.

No item 16, a ideia de que aos espíritos bons "repugna desvendar o mal" pode ser entendida erroneamente como a reprovação da investigação espírita das irregularidades cometidas pelos deturpadores. A ideia de "abrandar os erros e pregar a indulgência" também pode ser interpretada equivocadamente como uma apologia à complacência.

O que Allan Kardec quis dizer, com isso, é que repugna aos espíritos bons a apologia do mal, seja a mistificação, seja o moralismo retrógrado, seja a prevalência de ideias levianas. O que lhes repugna é expor ideias contrárias à sua natureza, e os bons, se não são perfeitos, tentam abrandar seus defeitos e não ocultando-os sob o verniz da suposta bondade.

Da mesma forma, a indulgência de que Kardec descreve os bons espíritos se refere a uma conduta generosa e não autoritária, desqualificando assim espíritos como Emmanuel e Joana de Angelis, que se manifestaram pela conduta autoritária e, de certa forma, impiedosa, até mesmo para os dois "médiuns" mistificadores, Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco.

São registradas passagens, tanto na vida de Chico Xavier quanto de Divaldo Franco, que eles eram explorados por esses espíritos, mistificadores e traiçoeiros - lembrando que, pelos aspectos pessoais observados, Emmanuel foi o jesuíta Manuel da Nóbrega, mas Joana de Angelis NÃO foi Joana Angélica - , que os obrigavam a trabalhar até quando estavam doentes e cansados.

Os maus lançam mão de pérfidas insinuações, disfarçadas em belas palavras, textos rebuscados e falsas lições de sabedoria, ou mesmo protegidos por aparentes ações de caridade - como as "filantropias" de Chico e Divaldo - , para tentar convencer e enganar as pessoas.

E como se explica a "caridade evangélica" descrita por Allan Kardec? Trata-se de um apelo para o estereótipo religiosista da caridade, das conhecidas ajudas paliativas que apenas amenizam a dor mas não trazem a qualidade de vida necessária para as pessoas e não interferem no sistema, uma forma de ajudar o próximo sem mexer no egoísmo dos privilegiados?

Não. Kardec não apreciava os limites burocratizados da religião e, se cita o termo "evangélica", ele se refere apenas ao sentido etimológico da palavra Evangelho, que significa "boa nova", não se referindo ao sentido estritamente religioso e dogmático que a palavra recebeu, a partir do século XX.

Portanto, são análises que devem ser feitas com a mais cautelosa observação. Kardec sempre recomendou que se investigassem as más práticas sob o rótulo de Espiritismo, e sempre deu recomendações para tomarmos cuidado com espíritos mistificadores, mesmo quando eles tentem caprichar com aparentes "boas palavras". A má interpretação, apressada e superficial, só pode causar problemas.

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