domingo, 11 de outubro de 2015

A estranha história de Eurípedes Higino


A acadêmica Raquel Marta da Silva traz, em sua dissertação de Mestrado para a Universidade Federal de Uberlândia, um trabalho que revela os bastidores da trajetória de Francisco Cândido Xavier focalizadas em Minas Gerais. O trabalho, disponível na Internet, é intitulado Chico Xavier, Imaginário Religioso e Representações Simbólicas no Interior das Gerais - Uberaba, 1959/2001.

Sem enfatizar os questionamentos da suposta associação de Chico Xavier com a Doutrina Espírita, se limitando a informar que ela foi introduzida no Brasil já misturada com conceitos e valores da Igreja Católica, a pesquisadora revela, entre outras coisas, reportagens da imprensa de Uberaba - principal foco geográfico de sua tese de Mestrado - sobre alguns fatos políticos e denúncias sérias de irregularidades.

O que chama a atenção são as revelações em torno de Eurípedes Higino, figura que oficialmente é conhecida como "filho adotivo" de Chico Xavier e responsável pelo memorial do anti-médium, em Uberaba. Membro do Grupo "Espírita" da Prece (GEP), ele é descrito através de investigações criminais mediante acusações de desvio de dinheiro e outros aspectos estranhos.

Aparentemente, Eurípedes Higino dos Reis, hoje com 64 anos, foi adotado por Chico Xavier na infância, quando o adotado tinha oito anos. Era tido como um dos "filhos" mais confiáveis acolhidos pelo "médium". O primeiro incidente desfavorável a Eurípedes foi que Chico Xavier teria apoiado Fernando Collor de Mello para a Presidência da República, na campanha de segundo turno em 1989.

O apoio visava respaldar a base de apoio do "caçador de marajás" em Uberaba, a partir da filial local do PRN (que era o partido de Collor, hoje no PTB) em benefício da oferta de um cargo para o "filho" e assessor.

O cargo cobiçado era o de chefe da agência da Previdência Social em Uberaba. O titular, Gilberto Machado Magnino, foi exonerado em abril de 1990, com Collor já como presidente (foi empossado em 15 de março daquele ano), e em maio Eurípedes ocupou a função.

Eurípedes já exercia cargo de assessor de Chico Xavier e, formado em Odontologia, trabalhava também como dentista e tinha um consultório particular em Uberaba. Mas a politicagem parecia fascinar Eurípedes até nos trabalhos do GEP.

Ele havia começado a trabalhar na instituição como vigilante, e depois colaborava na organização das atividades da casa. Depois, passou a ser administrador da instituição, exercendo influência no meio "espírita" local.

DIVÓRCIO TURBULENTO E PROVÁVEL ESTELIONATO

Em 1991, Eurípedes se casou com Christine Schultz, hoje com 63 anos, uma mulher da alta sociedade local e que havia se separado de um empresário do ramo imobiliário. Juntos, criaram a Associação Casa da Paz, e, entre outras coisas, se valeram da idade avançada de Chico Xavier para se responsabilizarem pelos direitos autorais de sua obra.

Eles estariam destinados, em tese, a repassarem os lucros da venda de livros "psicografados" por Chico Xavier para os trabalhos do Grupo "Espírita" da Prece. Também teriam a mesma destinação os lucros relacionados a CDs com leitura de mensagens "psicografadas" por Xavier, lançadas pela Indie Records, então subsidiária da Universal Music. As cotas de participação nos direitos autorais eram divididas em igualdade para cada cônjuge.

Em 2000, o casal se separou e os escândalos começaram a vir à tona. Houve uma briga séria em torno de quem ficaria com os direitos autorais, Os dois brigavam constantemente e trocavam acusações pesadas, com sérias agressões verbais. Christine chegou a acusar Eurípedes de praticar agressões contra o "pai adotivo". Ela teria também cometido traição conjugal.

O promotor José Carlos Fernandes Júnior foi informado do escândalo e resolveu abrir investigação, chamando pessoas próximas ao casal a prestar depoimentos. Denúncias indicam que o desvio de dinheiro era feito à revelia de Chico Xavier e que grandes somas de dinheiro arrecadados pelo legado do anti-médium eram depositados nas contas pessoais dos cônjuges.

Eurípedes chegou a comprar um carro importado, com o qual circulava pelos arredores de Uberaba. A Justiça local chegou a preparar uma acusação formal de estelionato e fraude contra Christine e Eurípedes, mas aparentemente o processo "morreu" por aí, já que não conseguimos obter notícias sobre o desfecho jurídico do caso.

Em 2015, era a vez do advogado de Eurípedes, Vilmar Pacheco, investigar desvios de dinheiro de doações ao Instituto Chico Xavier e uso político de seu nome para diversas atividades. Eurípedes, numa entrevista ao portal M de Mulher (do Grupo Abril), disse "ter sido sempre solteiro" e que só "viveu com uma moça durante três anos".

SENHA E CONTRADIÇÃO

Outro aspecto estranho, não mencionado no trabalho acadêmico de  envolve o risível episódio da "senha", o "código secreto" que Chico Xavier teria dito a três amigos.

O código era uma maneira de "identificar" se a mensagem atribuída ao espírito do anti-médium (falecido em 2002) seria autêntica ou não. Se os aspectos descritos no código aparecessem na mensagem, a autenticidade seria comprovada, segundo essa tese.

A senha foi divulgada em 1994, quando Chico Xavier, já doente, recebia em sua casa o "filho" Eurípedes Higino, o médico Eurípedes Tahan e a dona-de-casa Kátia Maria de Faria. Esta última faleceu aos 59 anos, em 2012.

De acordo com os que acreditam nessa senha - impensável se percebemos que, no mundo espiritual, não há o bloqueio físico que permita qualquer segredo sobre qualquer senha, os espíritos tendem a ler todo pensamento secreto de qualquer um - , há uma hesitação em torno das mensagens que já surgiram atribuídas ao espírito de Chico Xavier.

Em outras palavras, há um medo enorme de admitir que Chico Xavier tenha se manifestado como "espírito". O que diz muito quanto à mediunidade duvidosa que o mineiro teve em vida. Em tese, a "manifestação" ofereceria um risco ao suposto médium de se envaidecer com tal "façanha", hipótese descrita até por Divaldo Franco.

No entanto, o que inferimos é que a "psicografia" dos que dizem "receber" Chico Xavier é temida porque Chico, que usurpava os nomes dos mortos em falsas psicografias, estaria recebendo o "troco" com seu nome sendo usado por outros "médiuns". O que mostra o grau de hesitação daqueles que acreditam no ditado "façam o que eu digo, não façam o que eu faço".

Há quem não veja importância no "código secreto". Uma voluntária chegou a afirmar que o "maior código" de Chico Xavier é o "trabalho do bem", evocando a mitologia "filantrópica" que conhecemos.

Pois Eurípedes Higino, um dos dois remanescentes da reunião do "código secreto", havia afirmado ceticismo quanto às mensagens que outros dizem "receber" de Chico Xavier, pelo menos na forma da escrita. Havia dito ele:

"Acredito, como ele nos dizia, que tudo o que ele tivesse de escrever estava escrito. Ele está se manifestando e continuará se manifestando de várias maneiras. Pessoas nos contam que sonharam com ele, que viram ele, sentiram a presença dele. O que ele comentava era com a psicografia, com a escrita, a manifestação não iria acontecer".

Todavia, Higino havia feito parcerias com o suposto médium psicofônico, o baiano Ariston Teles, que atua no santuário Monte Alverne, em Brasilia, ligado ao Instituto Chico Xavier, como o livro Chico Xavier: Apóstolo do Brasil, lançado em 2012.

O livro era resultado de conversas entre os dois, e traz uma hipótese sem qualquer tipo de fundamento: a de que Chico Xavier teria sido reencarnação de Allan Kardec. Tese definitivamente impensável e cuja refutação é comprovada por argumentos sólidos e diversos, mas que Ariston, que diz "receber" Chico Xavier por psicofonia, acredita convictamente.

São coisas muito estranhas em torno da figura de Eurípedes Higino e acumulam, no "movimento espírita" e na figura de Chico Xavier, incidentes bastante confusos, escandalosos e lamentáveis, o que põem em xeque a reputação "inabalável" do suposto médium que é dito "maior brasileiro de todos os tempos".

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.