GUILHERME FONTES ATUOU EM NOVELA "ESPÍRITA" ANTES DE SE ENVOLVER COM O COMPLICADO CASO DO FILME CHATÔ - O REI DO BRASIL.
O "espiritismo" brasileiro é uma doutrina muito estranha, que combina o moralismo do Catolicismo medieval com o ocultismo das práticas hereges. Com esses aspectos sombrios e uma falta de controle que reflete o desprezo ao rigor científico de Allan Kardec, o "espiritismo" torna-se a doutrina do mau agouro, que acaba expressando energias negativas contra pessoas de perfil mais diferenciado.
Há o exemplo do ator Guilherme Fontes, que estava em ascensão desde o fim dos anos 1980. Sua primeira experiência como cineasta, mesmo ambiciosa e instigante, tornou-se um estranho fenômeno de demoras na conclusão da produção.
A situação foi esta. Guilherme decidiu ser diretor e um dos principais produtores de uma adaptação cinematográfica do livro Chatô - O Rei do Brasil, do conceituado jornalista biográfico Fernando Morais. Ele realizou as filmagens, um grande elenco participou do filme, e tudo o mais. Mas na hora de montar e concluir a edição do filme, houve uma estranha demora de 20 anos.
Só recentemente o filme está sendo finalizado, com o trailer sendo adiantado. E, para quem desconfia disso, o trailer foi divulgado justamente pelo primeiro que, em tese, poderia ter se indignado com a realização do filme, o próprio Fernando Morais.
Pois Fernando elogiou o filme, ficou solidário a Guilherme Fontes e afirmou que a produção é bem feita e o elenco conseguiu dar conta do recado. Ele mesmo que decidiu dizer para a opinião pública que o filme de Guilherme está pronto e se preparando para ser lançado no mercado.
Guilherme, aparentemente, foi acusado de improbidade administrativa, por suposto desvio de dinheiro. Foi esnobado por um mercado cinematográfico corporativista de diretores comprometidos com filmes inócuos e que se autopromovem sendo maridos ou namorados de atrizes belíssimas.
Mas um aspecto chama a atenção diante de um contexto de tantos obstáculos e demoras: Guilherme havia participado da novela "espírita" A Viagem, de Ivani Ribeiro, no papel de um jovem drogado e violento, que, depois de morrer, tornou-se um espírito obsessor, ou seja, aquilo que os "espíritas", por um cínico eufemismo, chamam de "irmãozinhos sofredores" e "amiguinhos pouco esclarecidos".
"ESPIRITISMO" E DIÁRIOS ASSOCIADOS
Há aliás algumas curiosidades envolvendo o focalizado do filme de Guilherme Fontes (e do livro de Fernando Morais), o empresário Assis Chateaubriand, o Chatô, e o "espiritismo" brasileiro, em especial a figura do anti-médium Francisco Cândido Xavier.
Uma das primeiras reportagens dos Diários Associados relacionadas a Chico Xavier foi na revista O Cruzeiro, em 12 de agosto de 1944, com uma reportagem de David Nasser com fotos de seu parceiro Jean Manzon. Os dois adotaram uma postura cética em relação ao conhecido mito de Chico Xavier.
O mito de Chico Xavier, às vezes, era aceito de forma "positiva" e o "espiritismo" brasileiro eventualmente recebia boa divulgação na TV Tupi, como se mostra em algumas coberturas do movimento. A própria TV Tupi exibiu a novela A Viagem, em 1975.
A novela é uma adaptação livre da dramaturga Ivani Ribeiro para as obras Nosso Lar e ...E a Vida Continua, livros de Chico Xavier da série do (não assumidamente) fictício André Luiz. Ivani criou um drama pessoal próprio, mas aproveitou dos livros os detalhes sobre a suposta vida espiritual.
A revista O Cruzeiro talvez fosse a que menos gentileza prestou com Chico Xavier. Os próprios Jean Manzon e David Nasser não estavam autorizados a entrevistar o anti-médium, e furaram o cerco se passando por repórteres norte-americanos (apesar de Jean Manzon ter falado com o idioma de seu país natal, a França) e, quando fizeram a reportagem, o fizeram com seu habitual ceticismo.
O mais incrível é que David Nasser havia produzido falsas reportagens tempos depois, como um relato sensual de uma suposta espiã russa que seduzia os inimigos. Essa espiã russa nunca existiu. Da safra supostamente atribuída a Humberto de Campos / Irmão X, Chico Xavier também chegou a escrever um relato sensual da suposta vida espiritual de Marilyn Monroe.
O caso da farsante Otília Diogo, que quase comprometeu Chico Xavier, que apoiou as fraudes da suposta "Irmã Josefa", foi denunciado em 27 de outubro de 1970 por outros jornalistas da revista O Cruzeiro. Eles chegaram a receber ameaças de gente ligada a Chico Xavier e ao "movimento espirita", por conta de tal denúncia.
Chico Xavier foi entrevistado em 28 de julho de 1971 pelo programa Pinga-Fogo, um dos mais antigos da TV Tupi de São Paulo, e revelou muitos aspectos que contradizem seu mito, como seu fervoroso catolicismo e seu ultraconservadorismo ideológico, defendendo a ditadura militar quando parte da direita brasileira, mesmo a católica, já havia se desiludido anos antes com o regime.
Além disso, é irônico que, depois que A Viagem foi transmitida pela TV Tupi, em 1975, a pioneira rede televisiva fosse naufragar num inferno astral que acelerou sua falência, em 1980, obrigando os Diários Associados a se desfazer de boa parte de seu patrimônio.
Também em 1975, O Cruzeiro com 47 anos de existência, abandonava seu estilo original e mudava sua linha editorial e se tornaria uma inexpressiva revista de informação e variedades, que depois seria definitivamente extinta em 1983.
É coisa de reflexão a estranha demora do filme Chatô, lembrando o caso das relações nem sempre favoráveis entre os Diários Associados e o "espiritismo" brasileiro. Mesmo que Guilherme teria cometido erros, eles não teriam sido fruto da influência espiritual do duvidoso "espiritismo"? A doutrina cuja trajetória foi marcada por tantas fraudes é capaz de gerar azar, sim.
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