segunda-feira, 22 de junho de 2015

A inconsistente questão de dizer que Chico Xavier foi reencarnação de Allan Kardec

O LIVRO DE WILSON GARCIA SÓ PECA PELO TÍTULO SER GRAFADO SEM O PONTO DE INTERROGAÇÃO.

Há o mito, defendido com surpreendente entusiasmo, de que o anti-médium mineiro Francisco Cândido Xavier teria sido reencarnação de Allan Kardec. Não bastasse o vínculo forçado que o mineiro teve com o pedagogo francês, vínculo que nunca se viu realmente na prática, a absurda tese revela o quanto Chico Xavier tornou-se uma obsessão de uma boa parcela de brasileiros.

Wilson Garcia é um dos nomes que tentam explicar a inconsistência dessa hipótese, e o livro Chico, Você é Kardec? tenta esclarecer sobre o caráter exageradamente emocional que leva muitas pessoas a associar Chico à ideia de que ele foi reencarnação do educador francês. Até pela histeria de colocar Chico acima do Brasil e dos brasileiros, no mais alto pedestal possível.

Segundo Garcia, faltam provas consistentes e racionais que apontem que Chico Xavier e Allan Kardec foram o mesmo espírito. Mesmo deixando seu questionamento em aberto, permitindo que os defensores analisem melhor e tentem buscar provas a respeito, podemos aqui inferir que a questão está completamente fechada, no sentido de que Chico Xavier nunca teria sido Kardec.

Consta-se até de uma narrativa de um defensor de Chico Xavier que teve o atrevimento de dizer que o anti-médium, ao viajar para Paris, "se sentiu em casa", como uma alegação de que o mineiro teria sido o professor lionês em outra vida e "havia regressado ao seu lugar de origem".

É nossa arrogância pensarmos assim, que Chico nunca foi Kardec? Não. É sinal de uma observação cautelosa, porém não muito difícil. Mesmo se considerarmos Chico Xavier como uma "criatura superior", ele nunca teria sido Kardec porque seus comportamentos e seus modos de ser eram profundamente diferentes.

A tese de que Chico foi Kardec é tão absurda quanto dizer que Rafinha Bastos é reencarnação de Oscarito, só pelo fato de lidarem com humorismo. É só compararmos as aparências e o que poderia ser provavelmente o comportamento de Kardec com o modo de ser, falar e gesticular de Xavier que perceberemos que, mesmo na melhor das hipóteses, dizer que ambos eram um só é impossível.

Kardec teria sido um senhor bonachão, de jeito firme, enérgico sem ser agressivo, seguro e racional. Teria sido mais descontraído e alegre do que sugerem as imagens, já que para posar em retratos, em princípio pintados e, mais tarde, fotografados, havia o padrão da postura sisuda ou tristonha, naqueles tempos em que a imagem fotográfica era um fenômeno recente.

Chico Xavier tinha um jeito interiorano, com o ar molenga tipicamente caipira. Não era uma pessoa de firmeza de caráter, em muitos casos era hesitante, em outros se irritava às costas dos outros, e nunca passou uma segurança de caráter e nem mesmo qualquer racionalidade, apesar de todo marketing que diz mil maravilhas em torno dele.

Mesmo se considerarmos a "reputação superior" de Chico Xavier, só o seu jeito caipira, sua devoção religiosa e seu modo frágil de falar não condizem com os gestos, o modo de falar e de agir e expor ideias que Allan Kardec teria provavelmente tido em vida. Só a índole por demais emotiva de Xavier contraria, e muito, a índole racional e objetiva de Kardec.

Todo tipo de análise dotada de alguma lógica, fosse considerar Chico Xavier como figura benéfica ou nociva para a Doutrina Espírita, nunca iria comprovar que ele teria sido Kardec reencarnado. Se ao considerarmos a validade "espírita" de Xavier, essa hipótese é impossível, imagine então se considerarmos os aspectos sombrios da trajetória do anti-médium.

Afinal, a obra de Chico Xavier, com os desvios doutrinários conhecidos, e as fraudes identificáveis sem dificuldade, bastando apenas uma compreensão maior sobre Literatura Brasileira, contraria frontalmente a obra kardeciana, até pelas imprecisões e hesitações diversas, e pelo conteúdo chiquista ser dotado de muita mistificação e muito religiosismo.

O exagero quantitativo da obra chiquista também contraria o legado de Kardec, já que a obra de Xavier indica uma hipotética e irregular produtividade, já que é muito pouco provável que Chico, com seus compromissos de verdadeiro "popstar", tenha realmente feito todos os mais de 400 livros atribuídos à sua tarefa "mediúnica".

Kardec teve uma produtividade intensa, até quando estava gravemente enfermo, mas não pensava na produção quantitativa, não se atreveria a lançar 15 livros num só ano. A sua produtividade, ainda que tivesse sido incessante, tinha como objetivo a qualidade de suas análises e ao esforço do pedagogo de explicar detalhadamente um tema delicado que era o Espiritismo, naqueles meados do século XIX.

A produtividade de Kardec não tinha como fim a "caridade pela escrita", mas tão somente o esclarecimento de um assunto novo, do qual ele mesmo ainda era um aprendiz, buscando resolver dúvidas através da razão, sem respostas prontas e procurando supor o que poderia acontecer com as ideias da Ciência Espírita no futuro.

Kardec olhava longe, e lançou suas ideias antes das grandes descobertas tecnológicas, já que ele faleceu antes do advento do fonógrafo, do rádio e da televisão. Ele lançou o Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos para orientação, na posteridade, de adaptar as ideias de Kardec conforme as mudanças do tempo.

Infelizmente, o que se viu foi um desnorteamento, uma deturpação das ideias de Kardec, sob a desculpa de "adaptação às mudanças". No Brasil, o cientificismo kardeciano deu lugar a um religiosismo chiquista, e há quem acredite, levianamente, que se pode recuperar as bases de Kardec mantendo Chico Xavier e Divaldo Franco no pedestal.

Impossível. Chico, e, por conseguinte, Divaldo, beberam nas fontes roustanguistas introduzidas pela Federação "Espírita" Brasileira e fizeram seus trabalhos a partir disso. Não seriam eles as pessoas certas para se recorrer quando se quer recuperar as bases de Kardec (cita-se Chico, no sentido póstumo e simbólico), tamanho o seu religiosismo que contraria a racionalidade do francês.

Podemos concluir, portanto, que Chico Xavier, em nenhuma hipótese, poderia ter sido Allan Kardec. Suas personalidades eram bastante diferentes entre si, fosse a imagem e a reputação do anti-médium mineiro. Suas ideias, suas obras, seus comportamentos, suas índoles, tudo era radicalmente diferente. Portanto, é seguramente impossível que eles tenham sido a mesma pessoa.

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