quinta-feira, 14 de maio de 2015

"Profecia" de Chico Xavier expressa intolerância religiosa

CASAS DESTRUÍDAS PELO RECENTE TERREMOTO QUE ATINGIU O NEPAL, NA ÁSIA.

A "profecia da Data-Limite", que Francisco Cândido Xavier relatou para o jovem Geraldo Lemos Neto, em 1969, que o "velho mundo", ou seja, os países do Hemisfério Norte, será destruído pelas catástrofes naturais, depois da ocorrência de atos terroristas e conflitos bélicos trazidos pela Terceira Guerra Mundial.

Essa "previsão", que os "espíritas" entendem como "alerta urgente" e dotado de relatos próprios de pedantismo supostamente científico, cheio de sérios erros de abordagem geológica e sociológica, na verdade expressa um profundo moralismo religioso, com uma sutil manifestação de intolerância.

Afinal, o que Chico Xavier quis com a destruição do Hemisfério Norte? E por que ele a evocou com sérios erros geológicos, já que países como o Chile - que Xavier acreditava estar protegido de catástrofes - , situados abaixo da linha do Equador, seriam destruídos da mesma forma se ocorressem as catástrofes com a intensidade imaginada pelo anti-médium mineiro?

Eficentemente que pessoas que descrevem a "profecia" tentam enrolar. Alguns alegam que áreas do Hemisfério Sul "seriam também destruídas, sim", e que "haveria tensões" na migração de povos "do Norte" ao Hemisfério Sul, sobretudo Brasil.

A "profecia" é tão confusa que Chico Xavier alegava que o Brasil, tão querido por ele, seria "dividido" em "cinco países diferentes". Mas ele também não deixou claro se essa "divisão" seria real ou simbólica, o que torna o sonho do anti-médium, como todo sonho que ocorre com qualquer um quando dorme, ainda mais confuso.

O que chama a atenção é que os países envolvidos no Hemisfério Norte apresentam predominância de outras religiões ou mesmo do ateísmo. Há pelo menos três grandes nações cristãs: a Grã-Bretanha, protestante, os Estados Unidos, protestante, e Itália, católica, onde se situa o Vaticano. Outros países estão relacionados às crenças orientais ou a religiões judaicas e islâmicas do Oriente Médio.

Mesmo que não consideremos apenas essa predominância, mas também ao fato de que mesmo os países "cristãos" do Hemisfério Norte tenham um expressivo número de ateus - independente deles serem ou não maioria, mas dotados de alguma visibilidade e poder de formar opiniões - , nota-se que a suposta "profecia" de Chico Xavier indica o desejo de surgir uma nova teocracia mundial.

A "profecia" de Chico Xavier sugere não só a ascensão do Brasil como país mais poderoso do mundo, mas como matriz de um "movimento religioso" que, sabemos, é o "espiritismo" de moldes católico-medievais que vigora no nosso país. Xavier alegava que o "espiritismo cristão" iria despertar curiosidade nos povos remanescentes oriundos do Hemisfério Norte "inabitável".

Não é difícil constatar que a "profecia" corrobora o desejo pessoal de Chico Xavier de ver o Brasil transformado em "coração do mundo" e "pátria do Evangelho". Desde o Parnaso de Além-Túmulo, livro de 1932, esse desejo se manifestava, e isso condiz com as ideias trazidas por Geraldo Lemos Neto, embora os chiquistas "puros" recusem atribuir veracidade à "profecia" por acreditarem que ela não foi trazida diretamente pelo "médium".

O que isso significa? Supremacia política, supremacia religiosa. O caso da supremacia política mostrou casos extremamente lamentáveis, como da Alemanha nazista, embora o imperialismo dos EUA tenha provocado casos de igual crueldade como na América Central nos anos 1980 e nas ditaduras militares que se viu principalmente na América do Sul (inclusive Brasil).

Junte-se supremacia política e religiosa e o que temos? Teocracia, governo fundamentado em dogmas religiosos. E qual o maior exemplo que a História registra de uma teocracia? É o Império Romano nos seus últimos anos, e o Império Bizantino que veio do antigo Império Romano do Oriente, berço do Catolicismo que serviu de moldes para o "espiritismo" implantado no Brasil.

E o que isso quer dizer? Uma tentativa de Chico Xavier querer que se repetisse a História. Derrubam-se nações comprometidas com o progresso técnico, intelectual e cultural, como na Antiguidade clássica de Grécia e Roma que viram se perder muito de seu rico acervo, do qual apenas uma parte chegou aos nossos dias, e fez cidades se reduzirem a ruínas.

Com isso, se repetiria a destruição do Hemisfério Norte, provavelmente dizimando pessoas de notável evolução cultural, intelectual e artística que não iriam tirar férias no Brasil a qualquer preço. Embora boa parte de seu patrimônio artístico-cultural possuísse réplicas nos países do Hemisfério Sul, como o Brasil, em certo ponto a perda do acervo original causará danos de difícil reparação.

A destruição teria como alvos principais o arrasamento de nações que se comprometem com religiões tradicionais como a judaica e a islâmica, o que aparentemente eliminaria o dado negativo das manifestações fundamentalistas, como o grupo Estado Islâmico, envolvido com atentados terroristas ocorridos não apenas no Oriente Médio, mas em vários países do Ocidente, como no atentado de janeiro passado contra jornalistas do periódico Charlie Hebdo, em Paris.

No entanto, outros alvos seriam países que, independente da crença religiosa predominante, teriam um significativo número de ateus que, mesmo não sendo maioria em certos países, possuem prestígio e visibilidade suficientes para exercerem forte influência na opinião pública.

A destruição de nações protestantes, como EUA e Grã-Bretanha, seria uma forma de evitar a supremacia das crenças evangélicas, maiores rivais do "espiritismo" brasileiro  para a conquista da supremacia religiosa e igualmente surgidas de moldes católicos (uma das primeiras crenças protestantes surgiu para permitir o divórcio do outrora católico monarca inglês Henri VIII).

Há também um dado a considerar. Chico Xavier sempre foi um católico fervoroso, mas por causa de seus hábitos considerados excêntricos - como os contatos diários que tinha com o espírito de um padre que tanto admirava, o jesuíta Manuel da Nóbrega, rebatizado Emmanuel e proclamado "seu mentor" - , havia sido excomungado pela Igreja Católica de Pedro Leopoldo.

O caso do jovem Amauri Pena (de morte tão sinistra que deveria exigir nova investigação) fez os católicos pressionarem pela saída de Chico Xavier de Pedro Leopoldo, e ele decidiu passar o resto de seus dias em Uberaba, no Triângulo Mineiro.

O episódio fez o "movimento espírita" superestimar o conflito de Chico Xavier com padres católicos, sugerindo uma falsa ruptura do "médium" com o Catolicismo e fortalecendo a suposta rivalidade entre católicos e "espíritas". Na verdade, Chico Xavier foi católico até o fim da vida, desses dos mais fervorosos, que rezam terços, colecionam imagens de santos e fazem novenas.

O próprio "espiritismo" trazido pelos livros de Chico Xavier tem um forte apelo católico. A doutrina sempre se serviu de adaptar dogmas e ritos católicos, desde a ideia de "espíritos de luz", copiada dos "santos" católicos, até confessionários e águas-bentas que, no "espiritismo", viraram "auxílio fraterno" e "água fluidificada" (uma redundância, porque a água já é um fluído).

O que se vê nos indícios de intolerância religiosa da "profecia" de Chico Xavier é um misto de rejeição a um mundo racional em discussão, um desejo de "passar a perna" nos "evangélicos" - formas deturpadas de protestantismo crescem muito no Brasil - e um revanchismo contra um Catolicismo que não aceitou suas esquisitices paranormais.

O Hemisfério Norte mostra nações em grave crise, como a França e os EUA, mas que, por sua experiência de séculos, discute seus próprios dramas e dilemas. Com mais uma destruição - a Antiguidade Clássica só recuperaria para valer, mas com dificuldade, sua importância a partir do século XVI -  , o "velho mundo" teria sua trajetória mais uma vez interrompida e abalada.

Afinal, o Brasil é um país muito novo que não sofreu ainda os dramas vividos pelos "irmãos do Norte". Só para dar um exemplo, a "sociedade do espetáculo" vista como um grave problema pelos intelectuais mais conceituados da Europa, no Brasil é tratada como se fosse a "salvação da lavoura" por intelectuais locais, visto até como se fosse uma "vanguarda combativa".

Há muito atraso no Brasil. E até mesmo Chico Xavier é um filho desse atraso, ele mesmo um figurão conservador, adepto de um Catolicismo de moldes medievais, e apenas triste com o repúdio que setores católicos tiveram contra ele.

Daí que Chico Xavier acabou transformando o "espiritismo" num neo-catolicismo, se afinando com os interesses e esforços que a Federação "Espírita" Brasileira já fazia neste sentido, antes mesmo de Xavier nascer. Um "espiritismo" que se moldava no Catolicismo medieval português, mas que apenas eliminou os aspectos mais coercitivos e escancarados, tornando-se um "catolicismo sem batina".

E esse desejo de supremacia religiosa às custas do Hemisfério Norte destruído revela que a "profecia" de Chico Xavier, embora falasse em "acolher as mais diversas crenças e ritos" no "ecumênico espiritismo brasileiro", expressava uma sutil intolerância religiosa ou em relação aos ateus e agnósticos.

A ideia de Chico Xavier, com sua "profecia", é afirmar que as nações que tendem a ser "protegidas" da suposta catástrofe seriam aquelas onde predominariam o chamado Cristianismo, o Catolicismo formado pelo Império Romano do Oriente na Idade Média.

A "profecia" tanto sugere destruir tradições religiosas mais antigas quanto a racionalidade contemporânea. Tudo em prol do crescimento do "espiritismo" brasileiro a puxar uma teocracia que pretende impor ao mundo a mediocrização sócio-cultural, política e religiosa, já dominante no Brasil.

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