quinta-feira, 7 de maio de 2015
O que deu na esquerda em apoiar Chico Xavier?
Algo está muito estranho. Um conhecido blogue de esquerda, ligado a um centro de mídia alternativa que leva o nome de Barão de Itararé, anda colocando como linque um texto de um blogue elogiando o filme As Mães de Chico Xavier e as figuras do anti-médium mineiro e de Divaldo Franco.
O que Francisco Cândido Xavier tem de "progressista"? Nada. Ele teve apenas a origem humilde, e só. Mas ele era ideologicamente conservador até a medula, preferindo o silêncio da prece do que o ativismo social.
Se dependesse de Chico Xavier, os professores de Curitiba não teriam sequer pensado em fazer passeata. Em vez disso, a classe teria se reunido apenas para orar em favor de Beto Richa, "benfeitor" da cidade, e pedisse a Deus para que o bondoso governador pensasse no amor ao próximo e agisse pela justiça social e em favor dos professores, os "segundos pais" da sociedade.
A ideia de Chico Xavier era rezar para que Beto Richa agisse de acordo com os "princípios cristãos" e resolvesse, à luz do seu livre arbítrio, medir os seus atos em prol da solidariedade, Quando a angústia dos professores pesar, basta apenas uma rezadeira e pronto.
A esquerda, ou melhor, as esquerdas brasileiras - sejam os moderados do PT e os quase radicais do PSOL, e no meio caminho o indeciso PC do B e os "zangados" PSB e PV escondidos nas calças da direita - , cometem suas contradições e omissões, e isso é compreensível porque o Brasil nunca teve tradição de ser um país socialista.
Quando se estava perto disso, vieram os militares e derrubaram o então presidente, João Goulart, contra o qual a sociedade pediu um golpe, com a Marcha da Família Unida com Deus pela Liberdade, que reuniu setores conservadores da sociedade civil e vários movimentos religiosos, dos "rosários" do padre estadunidense Patrick Peyton à Federação "Espírita" Brasileira.
Isso mesmo. A FEB, com Chico Xavier apoiando com entusiasmo, esteve no grande protesto contra João Goulart, pedindo a sua derrubada em março de 1964, processo que, sabemos, se concluiu no Primeiro de Abril. Curiosamente, no dia 02 de abril, aniversário do anti-médium, houve a Marcha da Família carioca, que seria de protesto mas, com o objetivo atingido, virou comemoração.
E quando boa parte da direita que apoiava o golpe militar passou para a oposição - como o jornal Correio da Manhã e figuras como Alceu Amoroso Lima, Sobral Pinto, Adhemar de Barros e até Carlos Lacerda - , Chico Xavier continuava com a mesma fúria golpista em 1971, como prova sua entrevista no Pinga-Fogo da TV Tupi paulista.
Ele despejava sua revolta contra camponeses, operários e sem-tetos, enquanto pedia para rezar pelos generais que construiriam o "reino de amor" para a humanidade futura. Sim, um "reino de amor" construído com o sangue de homens e mulheres presos, torturados, mortos e jogados em qualquer lugar. Um "coração do mundo" construído com banhos de sangue.
E vem, nos últimos anos, as esquerdas aplaudirem Chico Xavier, achando que ele, no seu fim da vida em 2002, iria se tornar socialista e comunista, apoiando PT, pedindo reforma agrária e apoiando o ativismo social. E a blogueira reclamando por que a grande mídia não divulgava As Mães de Chico Xavier, uma co-produção das Organizações Globo!
É claro que as esquerdas se tornam complacentes com certos fenômenos, instituições ou pessoas. Na Bahia, dois jornalistas se ferraram ao apoiar o antigo filhote da ditadura, Mário Kertèsz (que em sua Rádio Metrópole tem o anti-médium José Medrado como contratado), e o ex-prefeito de Salvador, num de seus surtos reacionários, esculhambou os dois escritores no ar em todo o Estado.
No âmbito nacional, as esquerdas acolheram jornalistas culturais vindos da Folha de São Paulo, do Estadão e até da Rede Brasil Sul, que inseriram seus preconceitos direitistas nas abordagens etnográficas, louvando mais a pseudo-cultura popular patrocinada pelo coronelismo midiático do que o verdadeiro folclore que continuava desprotegido e abandonado.
Exemplo disso é um Pedro Alexandre Sanches, que jogou visões de Francis Fukuyama e Fernando Henrique Cardoso na etnografia cultural, endeusava astros emergentes patrocinados pela Rede Globo e esculhambava o petista fiel Chico Buarque, para depois ser premiado com um cargo de reportagem no movimento chamado Jornalistas Livres, brincar de ser "inimigo" da grande mídia que o criou e treinou (o jornalista é uma das crias do horrendo Projeto Folha).
As esquerdas acabam perdendo a noção do que são realmente as classes populares. São os funqueiros apadrinhados pelos barões da mídia? Os grupos de "forró eletrônico" patrocinados por fazendeiros que mandam matar agricultores? Os axézeiros esquecidos que sentem saudade de Antônio Carlos Magalhães? Os ativistas digitais que recebem mesada do magnata George Soros?
É certo que a direita festiva de gente como Reinaldo Azevedo, Rodrigo Constantino, Rachel Sheherazade, Lobão e, sobretudo, o recluso Olavo de Carvalho, não entenderiam melhor de classes populares, como também não serão eles que apoiarão uma abordagem mais transparente da Doutrina Espírita.
Paladinos do capitalismo mais histérico, eles apenas estão bajulando as classes populares - apreciadas por eles de forma muito vaga - se aproveitando da crise que sofre o Partido dos Trabalhadores, mas é bom deixar claro que a identificação que eles têm com as classes populares é quase a mesma que, no âmbito da comédia, se conhece através de Justo Veríssimo, do saudoso Chico Anysio.
Não dá para entender, portanto, o que leva os esquerdistas agora a apreciar Chico Xavier, a divulgar até uma história em quadrinhos de Maurício de Souza - desenhista muito talentoso e argumentista ímpar, mas ideologicamente conservador - "ensinando o Espiritismo". O que deu neles em querer agora acariciar a FEB que cuspiu nas caras dos esquerdistas?
Será o verniz de humildade que o "espiritismo" brasileiro consegue simular? Talvez. O que se sabe é que o esquerdismo brasileiro não consegue conhecer o Brasil, não vendo diferença entre a oficina de artesanato e um escritório de um empresário de conjuntos de "forró eletrônico". Isso é o mesmo que não ver diferença entre a fruta natural e o chiclete de bola com sabor artificial desta fruta.
Ficamos perguntando por que isso acontece. Afinal, os sindicatos e entidades ativistas são feitos por pessoas que, em sua maioria, se originaram das classes populares, que vivem o cotidiano nos seus lugares de origem e por isso poderiam muito bem saber o significado do povo pobre fora dos estereótipos trazidos pela mídia coronelista.
Só que, em vez disso, eles parecem se iludir com uma visão "positiva" do povo pobre trazida pela mídia convencional (e reacionária), a caricatura exposta nos programas de auditório e entretenimento, carregada de preconceitos que herdaram ideias trazidas pelo pensamento neoliberal de Auguste Comte, Francis Fukuyama, Ortega y Gasset, Roberto Campos e Fernando Henrique Cardoso.
E aí eles não sabem mais o que é progresso. E acabam sendo "jantados" pela direita histérica, que com seus delírios golpistas são vistos como "paladinos do povo brasileiro", ocultando seus sentimentos justoverissimianos para falar em prol da Educação, da Cultura e da melhoria salarial.
A direita se aproveita disso para ter o apoio da "gente indignada". Na oposição, ela acaba defendendo ideais aparentemente progressistas, à primeira vista mais do que as esquerdas. Mas isso se dá até que um direitista conquiste o poder e faça o que Beto Richa fez com os professores, reprimindo-os diante de sua manifestação pedindo melhorias de vida.
E aí não dá para entender esse jogo ideológico. Mas, com toda a certeza, a esquerda adota uma postura perigosa defendendo Chico Xavier. Afinal, a realidade é dura, Chico Xavier apoiou a ditadura. Qualquer dúvida é só ver o Pinga-Fogo. Está no YouTube.
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