sexta-feira, 15 de maio de 2015

Ficção traz mais lições sobre o futuro do que a "profecia" de Chico Xavier

O ESCRITOR TCHECO FRANZ KAFKA É FAMOSO POR RETRATAR SITUAÇÕES ABSURDAS.

A "profecia" de Francisco Cândido Xavier não é uma previsão segura do futuro da humanidade. Pelo contrário, com seu exagero fatalista, com uma combinação de pedantismo científico com moralismo religioso e dotado de diversos erros de abordagem da sociedade, com sérias falhas referentes à Geologia, Geografia Humana e Sociologia, a "profecia" deixa de ter validade.

Chico Xavier lia livros, mas era um péssimo entendedor de fatos históricos, aspectos geológicos, situações sociológicas. Seria tranquilamente reprovado por gente como Milton Santos, Darcy Ribeiro e Caio Prado Jr., se pudesse ter sido aluno destes.

Só essa incompreensão invalida a "profecia" da "Data-Limite". Mas o moralismo religioso garante veracidade onde não existe. A religião é surreal, mais do que a literatura que se serve da surrealidade, já que o surrealismo artístico é a expressão da denúncia, e não da apologia do surreal.

Ficamos nos lembrando do exemplo do escritor tcheco Franz Kafka, que para alegria de certos setores sádicos do "movimento espírita" - que sempre rogam uma encarnação a mais curta possível para pessoas de caráter diferenciado - , viveu apenas 41 anos, incompletos.

Kafka foi famoso por suas obras literárias que narravam situações absurdas. Sua principal obra, O Processo (Der Prozess), é um lançamento póstumo, a partir de uma obra que Kafka escreveu aos poucos e permaneceu inacabado, apesar dos manuscritos terem sido entregues ao amigo pessoal Max Brod, em 1920.

Brod recebeu a obra com capítulos esparsos, alguns sem ordem definida. Ele então resolveu editar o livro com uma ordem de enredo que ele considerava lógica e lançou o livro no ano seguinte ao da morte do escritor, por insuficiência cardíaca, a um mês de completar 41 anos.

O Processo narra a história de Josef K., um homem que é convidado a depor por um crime que nunca foi revelado e do qual Josef nem sabia do que se tratava. Ao longo do enredo, Josef encara situações que misturam alucinações com percepções reais, enquanto tenta saber qual o crime que ele teria cometido, pergunta que as autoridades e a Polícia simplesmente não lhe respondiam.

Mas Kafka também é conhecido pelo trabalho produzido em vida, A Metamorfose (Die Verwandlung), de 1915. Nela, um jovem caixeiro-viajante (cuirosamente, ofício do pai de Chico Xavier) chamado Gregor Samsa, acordou num dia transformado em um grande inseto, semelhante a uma barata gigante.

Samsa causou um grande susto à sua família, em especial à sua irmã Ana. O jovem, que iria seguir ao seu trabalho, faltou a ele devido à nova condição física que o fazia ter dificuldade para se equilibrar em pé, mas lhe dava habilidade para andar pelas paredes.

A família tentou aceitá-lo. O patrão de Gregor chega em casa para buscar o empregado, mas fica assustado com o seu estado e vai embora. Como a família usava a casa como pensão, ela depois acolheu um grupo de trabalhadores que, ao virem Samsa, sentiram nojo e o ridicularizaram. Num certo momento, a família discute um jeito de se livrar de Samsa, mas ele é encontrado morto.

O "ESPIRITISMO" E SEU SURREALISMO

Muitos do que fazem tratamento espiritual acabam se tornando pessoas com perfil próximo aos de personagens de Franz Kafka. Busca-se um tratamento para resolver um problema na vida e, de repente, não só os problemas continuam (mesmo "amenizados" pelo paliativo placebo dos "passes") como encrencas e empecilhos surgem na vida.

Um pouco Josef K., atraindo a ira de desafetos em situações comezinhas, e um pouco Gregor Samsa, repudiados na vida social e amorosa e boicotados pelo mercado de trabalho, se tornam aqueles que não compartilham da subserviência existencial e religiosa determinada pelo "espiritismo", que só beneficia aqueles que compartilham do seu moralismo e de sua fé nem de longe raciocinada.

Num país em acelerado retrocesso social como o Brasil, em que pessoas diferenciadas se esforçam para deixar sua trabalhosa contribuição na humanidade, são elas as que mais penam e sofrem injustiças e arbítrios severos, isso quando não morrem cedo ou antes de completar sua missão de vida.

Uma doutrina que traz energias favoráveis à reabilitação política de Fernando Collor mas não protegeu Juscelino Kubitschek de sofrer infortúnios, com todo o seu verniz de "bondade" e "caridade" tidas como plenas, faz apologia do sofrimento humano e impede que pessoas com algum potencial possam intervir na transformação da sociedade injusta que prevalece hoje.

A única missão que o "espiritismo" aceita é a paliativa filantropia religiosa, a resignação do sacrifício que criminaliza o prazer e a vontade sem tirar delas um proveito positivo, e as únicas "transformações" que aceitam são as que se situam dentro de seus limites do pragmatismo religioso.

Talvez os "espíritas" possam trazer, à maneira deles, as "explicações" sobre os sofrimentos de Josef K. e Gregor Samsa, dentro de um padrão de julgamentos de valor que supõem encarnações passadas com base nas impressões terrenas de seus líderes e pretensos médiuns.

Talvez Josef K tenha sido uma autoridade do Império dos Habsburgos, que dominaram o território da atual Alemanha no Império Romano-Germânico da Idade Média, que condenasse hereges sem explicar o motivo de tais sentenças. E Gregor Samsa? Algum aristocrata da mesma região que escarneava e violentava pessoas de aparência considerada de padrões estéticos inferiores?

A "maravilhosa" religião que faz a apologia do sofrimento humano, que exalta a subserviência humana em nome de enigmáticos prêmios na vida futura e ainda faz juízo de valor que culpabiliza vítimas de infortúnios, produz e estimula a ocorrência de situações bastante surreais.

E só mesmo autores como Franz Kafka para, através de obras de ficção, denunciar aspectos que servem de condições para compreendermos o sistema de valores que observamos no Brasil de hoje, e que dizem muito mais sobre nosso país do que pretensas profecias falsamente científicas que depois se revelam apenas propagandas de moralismo religioso.

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