terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O mercado literário brasileiro e suas frescuras supérfluas


O mercado literário cresce no Brasil, depois de muito tempo em que o hábito de leitura estava em níveis muitíssimo baixos e havia gente que se sentia orgulhosa em não gostar de ler livros. A coisa mudou, as pessoas passaram a ler mais, só que quantitativamente a coisa não está tão boa.

Na natureza, não se dá grandes saltos de repente, e o "sistema", evidentemente, não quer ver pessoas esclarecidas, o que representaria um risco para o contexto de privilégios políticos, empresariais e intelectuais consolidados e estabilizados. O mercado de livros tinha que seguir esse contexto em que até a grande imprensa brasileira se torna cada vez mais estúpida e ridícula.

Só no decorrer deste ano de 2015, o mercado literário se serviu de muitos engodos literários, que ocuparam as listas dos mais vendidos sem que isso ajudasse no aprimoramento do conhecimento nem de ampliação de informação para o público leitor.

O ponto "máximo" - ou melhor, o mais baixo - corresponde ao efêmero modismo de "livros para colorir", que aparentemente não seriam problema, se não fosse a presença deles num mercado que se reserva para livros com textos, para serem lidos, e não publicações com gravuras que ofendem um mercado que trabalha com um material caro, que é o papel.

Nem mesmo a desculpa da "procura de tesouros antiestresse" conseguiu convencer. A validade desses livros, no contexto de um mercado de livros para serem lidos e não para pintar, é nula, diante de aspectos tão estranhos como a falta de hábito para a pintura, pior do que para a leitura, e o caráter superficial que expressam as "florestas", "jardins" e "tesouros" publicados nesses livros.

Mas, fora esse aspecto aberrante dos livros para colorir que chegam a ocupar altas posições que deveriam ser para livros de textos e informações necessárias, outros "fenômenos" aberrantes também contaminam o mercado literário e desviam os leitores da busca real por conhecimento.

Há os livros de auto-ajudas habituais, sobretudo vindas de padres aeróbicos, mas também de místicos de qualquer natureza que prometem "resolver tudo para a vida do leitor", cuja única coisa que fazem é ajudar no enriquecimento dos próprios autores. O "movimento espírita" também vê nesse filão uma verdadeira "corrida ao ouro" e lança suas obras e autores do gênero.

Houve a onda das biografias de cachorros com nomes de músicos estrangeiros. Depois do Beethoven do cinema, veio o Marley dos livros e aí veio a onda de "John & George" e tantos outros, desnecessárias obras de cãozinhos e seus donos (geralmente anônimos) que chegam a ter mais de 350 páginas de banalidades.

Houve a onda de livros sobre vampiros, uma sucessão de obras de estudantes que se transformam em morcegos, mordem namorados (as) ou rivais no pescoço, sentem conflitos internos de personalidade, sem saber se são humanos ou vampiros, e enfrentam outros monstros que se transmutaram em gentes, sobretudo colegas de escola etc.

Mas aí surge agora a onda das obras de jogadores de Minecraft, com jovens enfrentando monstros da era digital, como se romances juvenis se resumissem a ser meras traduções em palavras de jogos eletrônicos. Ou seja, o leitor, em vez de estar lendo uma história, está "jogando Minecraft" através de uma obra tida como literária.

Tem também a onda de youtubers em que pessoas aparentemente comuns fazem sucesso na Internet e se aventuram em livros, usando a popularidade obtida em vlogues (blogues em formato de vídeo). Fora nomes de sucesso na Internet como Gregório Duvivier (humorista da Porta dos Fundos) e Kéfere Buchmann, que chegou a trabalhar na Mix TV, Jovem Pan FM e na atual rede MTV, o conteúdo chega a ser indigente.

Isso se deve porque, como toda uma onda, apenas dois ou três pioneiros mostram valor e consistência. Eles se destacam pela combinação de inteligência, senso de humor e um discurso envolvente. Gregório e Kéfera mostram-se consistentes, mas na carona deles surgem vlogueiros que falam bobagens e "filosofam demais" com coisas à toa como espinha na cara e cílios postiços.

Poucos livros que se comprometem a promover o conhecimento, ainda que tenham como propósito entreter e até fazer rir, conseguem estar nas listas dos mais vendidos. Dois deles, curiosamente, são obras dos anos 1940: O Diário de Anne Frank (publicação póstuma de anotações da autora, lançada em 1947) e O Pequeno Príncipe (1943), do aviador Antoine de Saint Exùpery, morto um ano depois durante a Segunda Guerra Mundial.

Nesse mercado de poucos livros substanciais, poucos autores conseguem se sobressair, como Fernando Morais, Ruy Castro e Laurentino Gomes, e criam problemas sérios para autores emergentes que não conseguem publicar obras com o mesmo compromisso de trazer conhecimento.

O próprio público, manipulado pelo tendenciosismo da grande mídia, expressa resistência em ler livros cujo conteúdo lhes transmita conhecimentos. Contraditoriamente, se inclinam a ler obras de conteúdo rebuscado e ideias truncadas, como as de Chico Xavier, do que livros que descrevam, por exemplo, os problemas da cultura brasileira.

Claro, é o Brasil que prefere acreditar que não tem problemas, ou que os problemas "fazem parte" de nossa "modernidade", ou, quando muito, a "culpa é do PT e do comunismo". Daí que a literatura de psicóticos literários, como Olavo de Carvalho, Marco Antônio Villa, Leandro Narloch e Rodrigo Constantino, encontram respaldo e "passeiam" de vez em quando nas listas dos mais vendidos.

Só que eles, sob o pretexto de combaterem os "idiotas" ideológicos os quais associam às esquerdas, esses autores escrevem verdadeiros atestados de idiotice literária, deturpando abordagens históricas se aproveitando da histeria coletiva contra Lula e Dilma, com seus livros que só servem para tentar derrubar esses governos, mas estão cheios de mentiras e bobagens "historiográficas".

Dessa forma, o mercado literário continua doentio. As pessoas leem mais, mas estão inclinadas mais a ler livros "água com açúcar", preferindo ler obras inexpressivas que falem sobre religiosidade e "boas lições de vida" a ter que enfrentar obras de autores emergentes que vão contra totens e dogmas estabelecidos.

Agindo de forma a manter os leitores na preferência de obras "analgésicas", o mercado literário brasileiro, apegado nas suas frescuras supérfluas, envolto em valores moralistas, religiosos e sensacionalistas, se esquece de sua maior prioridade: a busca do CONHECIMENTO.

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