terça-feira, 2 de fevereiro de 2016
A preocupante coisificação do homem no Brasil de hoje
Mulheres que fazem sua fama mostrando tão somente seus corpos "sensuais", como se fossem meros objetos de desejo a se exporem de maneira obsessiva na Internet.
Roqueiros que pouco estão preocupados se uma emissora FM como a carioca Rádio Cidade é controlada por pessoas que entendem de rock ou não.
Passageiros do transporte coletivo que aceitam a pintura padronizada sem se alertarem da confusão que terão na hora de pegar um ônibus, porque as diferentes empresas estão com o mesmo visual.
Consumidores que pouco se importam em comprar caro um produto, como carne no açougue, desde que o adquiram para, por exemplo, "aquele churrasco" na laje...
Pessoas que só sentem alguma simpatia pelo outro se ele torcer por futebol e, de preferência, ser torcedor de um dos quatro times cariocas (Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo).
Pessoas que assimilam como se fossem suas as gírias, hábitos, vestuários e ídolos musicais que a grande mídia empurra para o "povão" consumir.
Fãs de música que pouco se cuidam da mediocridade e canastrice dos ídolos musicais que tocam no rádio, aceitando-os confortavelmente porque eles "fazem muito sucesso" e têm "apelo popular".
Vivemos a época da coisificação do homem no Brasil. É assustador que os itens acima sejam problemas que ninguém, ao menos entre as pessoas mais influentes, define como tais, acreditando que são apenas coisinhas pequenas e transtornos tão aceitáveis que chegam ao ponto de serem defendidos com unhas e dentes.
Daí a trolagem que surge como uma ameaça, quando se questiona o estabelecido, quando se contestam totens consagrados pela mídia, pelo mercado, pelo poder político e pelo entretenimento da moda. Como zumbis, os teleguiados se transformam em bestas-feras quando tudo que acreditam é questionado por outro alguém.
A confusa ilusão que atribui perfeição a um mundo imperfeito, em que pessoas se sentem felizes num consumismo viciado e na apreciação apenas de coisas "agradáveis" - é assustador que, na literatura, por exemplo, prevaleçam livros que variem apenas entre o humorismo e a fé religiosa, sempre em detrimento da função de obter conhecimento - é um fenômeno que hoje assola o Brasil em dimensões bastante preocupantes.
Pessoas que chegam a se afastar de amigos só porque estes questionam a "onda do momento", não torcem por um dos "quatro grandes" do futebol carioca, reclama porque a Rádio Cidade não tem tradição nem competência para o segmento rock, não quer ir com os amigos ao McDonald's porque ela explora com crueldade seus funcionários, mostram o quanto a sociedade brasileira está atolada num contexto de futilidade e insensibilidade.
As pessoas se tornaram desumanas, apegadas à "felicidade" fácil do consumismo, à indiferença a todos os problemas, a busca pelo entretenimento que não lhe acrescente algo relevante para a vida, apenas se limitando a garantir a catarse do humor mais hilário ou à religiosidade mais piegas. Ou então o sensacionalismo mais canhestro, no caso dos policialescos da TV.
Ver que muita gente acha "natural" que mulheres só fiquem "sensualizando" o tempo todo, como se vê com Solange Gomes, Geisy Arruda, Fernanda Lacerda, Mulher Melancia, Mulher Melão, Priscila Pires e similares, é assustador. Ver que há gente apoiando esse processo de coisificação do corpo feminino e ainda atribuir um suposto feminismo é ainda mais estarrecedor.
Afinal, isso reflete a coisificação do homem no Brasil de hoje. A mulher, então, é bem mais coisificada. No feminicídio, ela é apenas um "objeto que quebrou". No recreio do erotismo obsessivo da hipersexualização, ela é um "objeto de adoração", de consumo simbólico que tem que sempre apelar para um sensualismo forçado, repetitivo, desesperado.
CALAMIDADE PÚBLICA
A falta de consciência de identidades, valores, problemas etc, e o desprezo que boa parcela da sociedade tem para quem se arrisca a apresentar problemas expressa um quadro chocante que agrava o contexto de crise vivido pelo Brasil, uma crise não só econômica, mas existencial. Uma crise cultural e social, e, sobretudo, crise moral.
Até num simples ato de pegar ônibus, as pessoas não se preocupam com os problemas graves da pintura padronizada, em que uma empresa de ônibus ruim, com frota sucateada e perigosa - que pode causar acidentes diversos, com mortes - , tem as mesmas cores da empresa que presta melhor serviço. Nem mesmo argumentar sobre as vantagens técnicas, operacionais e funcionais da identificação de cada empresa pela respectiva pintura consegue sensibilizar a sociedade.
E o que é uma rádio de rock que nunca teve tradição no gênero, a Rádio Cidade, que é feita por gente que nunca entendeu de rock e é uma emissora sem vocação natural para o segmento, num contexto em que as pessoas não sabem realmente o que gostam nem o que querem e não têm ideia do que é ter vocação, competência ou tradição para alguma coisa?
Afinal, o que é identidade para quem não sabe quem é si mesmo? Um país que adota como "cultura musical" um engodo de pastiches de ritmos populares formatados ao gosto do hit-parade norte-americano, como o "pagode romântico", o "sertanejo", o "funk" e a axé-music, todos sem verdadeira identidade cultural brasileira, segue com muitas aberrações.
As pessoas deixam de ser si mesmas, e passam a ser apenas bonecos de consumo de produtos. Pessoas se resumem, em muitos momentos, a meras garrafas humanas onde se derramam litros de cerveja e vinho. Relações de amizade passam a ser relações de consumo, e se a pessoa não estiver no WhatsApp nem gastar dinheiro para ir à boate de sua turma, ela está fora da vida social.
A coisificação do homem se amplia de maneira estarrecedora. A desinformação, a alienação, o conformismo, tudo isso se tornam processos que atingem, no Brasil de hoje, níveis extremos, e mostra o quanto devemos preocupar com isso, porque o Brasil vive uma crise em função desse quadro social, que é pior do que nos tempos da ditadura militar, só para sentir a gravidade da coisa.
Se, com censura e ameaça de repressão, as pessoas, mesmo assim, se manifestavam mais e tinham uma visão mais crítica do meio em que viviam, não aceitando qualquer coisa de bandeja, e, agora em tempos democráticos, as pessoas se acomodam mais do que quando viviam sob o signo do AI-5, o país vive um estado de calamidade pública.
A coisificação é uma calamidade, uma catástrofe. E é simplório que o "movimento espírita", que tenta questionar o problema pelo maniqueísmo fácil do "materialismo" X "espiritualidade", ele que é uma religião bastante materialista, tente sugerir soluções tão tolas pelo apelo de "fraternidade e paz" e "prestar mais atenção à força de Deus".
RELIGIÃO NÃO COMBATE A COISIFICAÇÃO, ANTES A REFORÇA
Isso em si é inútil. Afinal, "paz" até existe no seio das pessoas acomodadas. E mais, elas se apegam à religiosidade com mais apetite do que antes, daí que boa parte dos livros mais vendidos e dos discos e DVDs mais apreciados têm algum tema relacionado à religião, seja o livro do Padre Marcelo Rossi, seja um CD gospel, seja um DVD de um filme "espírita".
A coisificação não se manifesta apenas pela futilidade explícita, pois a religiosidade também faz parte desse quadro catastrófico. Pessoas se sentem inseguras e fogem para um meio duplamente catártico, em que de um lado está na "liberação de instintos", e, no outro, na "entrega à fé", como num processo de combustão e reabastecimento de energias.
Assim, as pessoas primeiro sucumbem aos prazeres da futilidade, do humor besteirol, do erotismo forçado e obsessivo, da vulgaridade mais abjeta, do sensacionalismo policialesco que transforma cadáveres em atrações de circo, e tudo o mais.
Depois, com a catarse estando esgotada no entretenimento mais fútil, as pessoas correm então para ver "bons exemplos", reaprender o moralismo religioso, apelar para a pieguice mística, para o teatro da bondade estereotipada e da caridade paliativa que nada acrescentam de positivo.
Afinal, as pessoas mais religiosas são também as mais coisificadas. As pessoas se tornam bonecos de um ente invisível que elas acreditam ser Deus. "Nada sou senão pela vontade do Pai", diz o católico, o evangélico, o "espírita". Isso também é coisificação, a pessoa deixa de ver seu valor humano, se acha um fantoche de "Deus", um brinquedo a ser manipulado pelo "Criador".
Na Teologia do Sofrimento, difundida tanto por setores conservadores da Igreja Católica quanto pelo "movimento espírita" - sobretudo da parte de Francisco Cândido Xavier, o "popular" Chico Xavier - , a coisificação se torna ainda mais grave, porque legitima a segregação social dos privilegiados que são mantidos como "estátuas" a não serem mexidas por "Deus" e os sofredores que terão que viver desgraças porque não passam de um "lixo" a ser "purificado" pelo "martírio regenerador".
O raciocínio humano acaba sendo amaldiçoado tanto pela religião quanto pela coisificação "laica" das futilidades explícitas. Não se pode pensar, não se pode questionar, não se deve contestar. Emmanuel ou APAFUNK? Madre Teresa de Calcutá ou Mulher Melão? Novela / Filme Os Dez Mandamentos ou Cidade Alerta / Balanço Geral? Orações em silêncio ou trolagens na Internet? Tanto faz, são diferentes formas de coisificar o homem e condicionar isso à sua "evolução".
Grande ingratidão com a Natureza. O ser humano se difere dos animais propriamente ditos pelo dom do raciocínio, que é combatido severamente por movimentos diversos, da religião à política, passando por diversos ramos do entretenimento, da Economia e até da mobilidade urbana.
Com isso, as pessoas no Brasil de hoje são impelidas apenas a consumir e aceitar as coisas. Coisas que são "mais humanas" do que ela, mesmo uma gíria estúpida como "balada", que até assessoria de comunicação possui para manter o jargão na moda entre o público juvenil.
Ver que uma gíria tenta ser "mais humana" que os humanos e resistir à natural efemeridade das gírias é apenas um exemplo dos mais aberrantes desse país que só resolverá suas crises quando as pessoas abrirem mão desse festival de consumismo e passar a aceitar os problemas que luta para esconder de suas mentes anestesiadas.
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