terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Fernando Pessoa era mais mediúnico que Chico Xavier


Ontem, 30 de novembro, foi a lembrança do aniversário de 80 anos de morte do poeta português Fernando Pessoa. Boêmio, ele faleceu prematuramente em 1935, aos 47 anos e no auge de sua popularidade, devido a problemas consequentes do álcool.

Hoje, 01 de dezembro, se celebram 80 anos em que os efeitos dessa tragédia que abalou a cultura da língua portuguesa em geral, com a perda de um dos maiores artistas do Modernismo do século XX, começavam a ser pensados.

Afinal, as pessoas acabavam sabendo da morte de Pessoa um dia após seu falecimento. Começavam dezembro pensando no que seria a poesia sem ele, e muitos de seus admiradores, além de pessoas que conviveram com ele, começavam sua rotina sob sua ausência física. Não tinham mais vivo o poeta e escritor de fina linguagem e expressividade requintada e complexa.

Fernando Pessoa era, na verdade, uma multidão. Ele era muito mais mediúnico que um Francisco Cândido Xavier que os brasileiros, naquela primeira metade dos anos 1930, tinham no seu convívio. Como comparar o tosco Chico Xavier de pastiches literários com os heterônimos bastante complexos que Fernando Pessoa "encarnava" em sua produção poética.

Fernando Pessoa, que também escrevia prosas, era ensaísta e fazia traduções de livros, concebia heterônimos diversos, dos quais se destacavam Ricardo Reis, Alberto Caeiro, Bernardo Soares e Álvaro de Campos, para os quais criava biografias detalhadas e até mapas astrológicos.

Com o requinte criativo de seu sofisticado talento modernista, Fernando Pessoa inventava estilos para seus heterônimos, com uma dramaticidade ímpar. Neste sentido, não há como comparar a complexidade de Fernando Pessoa com a malandragem de Chico Xavier, que só foi "legitimado" por causa de mal-entendidos.

Chico Xavier, com seus pastiches literários, recebeu a rejeição e a abstenção de personalidades literárias renomadas. Não foi, em verdade, autenticado como "médium" e, quando muito, os menos desconfiados (mas, ainda assim, céticos) apenas perguntavam se alguém poderia fazer pastiches dos mais diversos estilos literários.

Para quem não entende das coisas, Chico Xavier poderia ser visto como um "super-médium" ou então como um arremedo brasileiro de Fernando Pessoa, e aceitar alguma validade de suas atividades. A verdade, porém, é que Chico Xavier não fazia os pastiches sozinho, e até uma carta dele para Antônio Wantuil de Freitas, da Federação "Espírita" Brasileira, já deixou vazar isso.

Chico Xavier fazia seus pastiches em parceria com Wantuil e outros editores da FEB. Tinham também a ajuda de consultores literários, que lhe explicavam os estilos de dados autores. Além do mais, numa época em que o Modernismo era movimento literário mais prestigiado que o Parnasianismo, intitular um livro como Parnaso de Além-Túmulo já era, por si, demodê.

Em que pese o fato de Humberto de Campos, que estava no auge de sua popularidade, ter sido um escritor parnasiano - embora parecesse inclinado ao grande público por causa de sua linguagem acessível - e, curiosamente, ter morrido quase que na mesma época e na mesma faixa etária que o poeta português (Humberto morreu em 1934, aos 48 anos), ele não parecia antiquado, mas acabou sendo vítima do oportunismo do retrógrado Chico Xavier.

Chico Xavier não costumava assimilar direito os espíritos dos poetas mortos, diga-se de passagem. Ele mal conseguia disfarçar seu estilo apenas copiando, na forma, os estilos dos falecidos. Ele poderia, por exemplo, copiar a forma de construção de versos de um Castro Alves, de um Augusto dos Anjos, de uma Auta de Souza e um Casimiro de Abreu. Mas só na forma.

Por exemplo, se Castro Alves escrevia estrofes com oito versos, nos quais o esquema de rimas por verso seguia o padrão ABBCDEEC, Chico Xavier seguia esse formato. No entanto, a elaboração dos versos não seguia necessariamente a métrica do autor original e o conteúdo tinha sempre o estilo de mensagens que se conhece do anti-médium mineiro.

O "movimento espírita" sempre arrumou desculpa para empurrar Chico Xavier para o âmbito dos intelectuais, e sempre procurava dar a impressão de que a literatura "espírita" era de alto nível e que a doutrina brasileira sempre foi de um refinamento cultural ímpar. Dai que grandes nomes da MPB que não têm acesso fácil nas rádios foram fazer trilhas sonoras de filmes "espíritas", assim como o músico estrangeiro Philip Glass, que fez a trilha de Nosso Lar.

Há até mesmo correntes que querem que Chico Xavier seja considerado "o maior filósofo brasileiro" (juntamente com Divaldo Franco, é claro), ou então como cientista, analista político, profeta etc. Na falta de sábios, se contenta-se em aceitar os que dizem sê-los.

Não que Portugal fosse uma grande potência mundial, até porque o país europeu é bem receptivo para as degradações sofridas pela música brasileira, e, no caso do "espiritismo" brasileiro, seu acolhimento foi entusiasmado, por razões bem simples.

Portugal forneceu para o Brasil a influência do Catolicismo medieval que ainda valia nas terras lusitanas no decorrer do século XIX. A contribuição dos jesuítas é notória. Padre Manuel da Nóbrega, que regressou como Emmanuel, era um jesuíta português, medievalista de carteirinha.

No sentido inverso, o "espiritismo" brasileiro encontrou em Portugal uma alfândega fácil para o mundo, Com isso, até a França, que, ao que parece, esqueceu Allan Kardec, passou a ver traduções locais de livros de Chico Xavier e Divaldo Francos produzidas e vendidas em livrarias, mesmo quando seus conteúdos são abertamente contrários ao pensamento kardeciano.

Todavia, Portugal pelo menos teve em Fernando Pessoa um dos artistas mais arrojados, e sua obra gerou um grande impacto sendo expressão da moderníssima década de 1920, que parecia levar o mundo para um futuro dos mais progressistas, não fosse a violenta crise econômica causada pelo colapso da Bolsa de Valores de Nova York em 1929, devido aos abusos da especulação financeira.

Fernando percebia muito mais a diferenciação dos espíritos humanos do que um Chico Xavier. Com seus versos reflexivos, com sua multiplicidade de estilos elaborados para o Fernando "ele mesmo" (quando assinava o próprio nome) e para seus heterônimos, o português elaborava uma obra riquíssima e complexa, tanto em linguagem quanto em mensagem.

Chico, em seus pastiches, só inseria o seu estilo pessoal - vergonhoso atribuir como de Auta de Souza certos poemas que claramente têm o estilo do anti-médium e não da jovem poetisa - e era ajudado por terceiros na emulação fútil de estilos literários diversos.

É vergonhoso que se dê o crédito absoluto a Chico Xavier, a ponto de seus seguidores exaltados prefrirem que o Brasil se ferrasse de vez, desde que esteja salva e intata a reputação do anti-médium, só por causa de seus estereótipos de "amor e bondade".

Sem perceber, isso trava a evolução do país, porque a pessoa considerada "mais evoluída" do país é, na verdade, um indivíduo que foi extremamente conservador, religioso retrógrado, mistificador da pior espécie e envolvido em plágios e pastiches literários, entre outras charlatanices.

Se o Brasil quer progredir transformando uma figura dessas como um "vice-deus", que é o que Chico Xavier é visto pelos seus seguidores e simpatizantes, então não haverá progresso algum pelo conjunto da obra cheio de pontos retrógrados e desonestos que cercam Chico Xavier. O Brasil não comandará o mundo dessa forma, pois pensando assim o país ficará resignado com seu atraso.

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