sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Brasil e o "feminismo de glúteos"


Existe uma grande aberração no Brasil. Há tipos de mulheres, espécie de subcelebridades, que se voltam exclusivamente à exibição de corpos exagerados pelo silicone, de forma bastante obsessiva, como se seus corpos fossem mercadorias em oferta de liquidação.

"Boazudas", "siliconadas", "turbinadas", "popozudas", "proibidas" ou "liberadas", "mulheres-frutas", "peladonas", e tantos outros rótulos correspondem a esse "exército de "musas sensuais" com suposto apelo "popular" que povoam o imaginário machista brasileiro, mas vendem a falsa imagem de um "novo tipo de feminismo popular".

Recentemente, "personalidades" como Geisy Arruda, Solange Gomes e Renata Frisson, a Mulher Melão, se destacam nessa hipersexualização do corpo feminino, de forma bastante constrangedora se percebermos a luta que as mulheres brasileiras tiveram ao longo das décadas.

Parece um processo sem freio. As "musas" exibem seus corpos de forma obsessiva e compulsiva, e ainda agem como "oferecidas", falando em coisas como "querer ficar pelada na rua" ou "bumbum no coração" como apelos de uma pretensa sensualidade forçada, grotesca e repetitiva.

Isso não é a mesma coisa com o que se vê com atrizes, modelos ou até jornalistas de televisão, que fazem poses sensuais conforme o contexto, mas não se vendem como "mercadorias sexuais" nem usam a sensualidade como um fim em si mesmo.

O mais preocupante é que essas "musas" surgem em centenas. Num só dia, cerca de dez "musas" exibem seus corpos de uma forma ou de outra. Uma exibe o decote "generoso", outra usa um vestido "apertado", outra deixa o biquíni cair na praia, outra tem dificuldade de vestir uma calça justa, outra vê o vento levantar o vestido e exibir sua calcinha, outra posa com o bumbum para cima etc etc etc.

O que esperar de um país desses? Esse é um dos quadros retrógrados que persistem no Brasil em crise de valores. E, embora a aparente solteirice dessas "musas" indique um falso feminismo, elas representam a resistência de alguns valores lúdicos do machismo, uma ideologia que decai vertiginosamente, mas tenta "cair de pé".

Afinal, é muito estranho que elas falem em "liberdade do corpo" ou "direito à sensualidade", porque elas poderiam muito bem se exibirem na privacidade. Se elas gostam tanto de seus corpos, por que elas não mostram para si mesmas, no íntimo de sua vida particular? Por que tanta exibição física?

O mais grave é que esse sensualismo obsessivo alimenta e agrava os instintos machistas de seu público, de baixo nível intelectual, embora em parte integrante da classe média. É através da exploração obsessiva da imagem das mulheres-objetos, estimulando os impulsos sexuais, que se criam condições para estupradores em potencial.

A hipersexualização, expressa em corpos exagerados pelo silicone e pela exibição sem controle nem interrupção de peitos e glúteos "turbinados", esse "feminismo de glúteos" que não passa de uma recreação machista, é o que, no lado das periferias, favorece que estupradores e maníacos atuem diante de um ideal fantasioso do "sexo sem limites".

E quem imagina que essas "musas" afirmam seu sucesso sem a sombra de um homem ignora que elas são empresariadas por homens nitidamente machistas, que tentam dissimular seu machismo pelo aparente apelo "popular" que isso significa, atribuído a uma falsa imagem de liberdade popular.

Essa imagem falsamente libertária é reforçada por discursos ligados à causa LGBT, ou a outros movimentos de conscientização. A Mulher Melão chegou a invadir um "toplessaço" que originalmente era feito para alertar a opinião pública sobre problemas como estupro e câncer de mama, mas a funqueira desviou a atenção pela sua figura grotesca e pitoresca para tentar desviar a atenção do movimento.

As "musas" agem com muita arrogância e exibicionismo, muitas delas são temperamentais, e elas tentam se vender como "referências ideais", ainda que exóticas, de sucesso feminino para as moças pobres, que são induzidas, pela manipulação midiática, a usar seus corpos como "mercadorias", favorecendo um mercado de prostituição e tráfico de mulheres.

Em Salvador, esse perverso mercado chegou a ser apoiado por emissoras de rádio FM locais, que inventaram o termo "periguete" para impulsionar moças pobres a erotizarem-se demais e assediarem todo tipo de homem, sem medir afinidades pessoais e sem perceber o risco de serem capturadas por homens que elas mesmas são "estimuladas" a assediar.

O machismo que sutilmente insere seus valores decadentes no imaginário das classes populares, com o apoio do coronelismo midiático e sob o consentimento de uma classe de intelectuais "culturalmente provocativos", tem intenções ainda mais sombrias diante desse mercado de "bumbuns no coração".

Isso mostra uma grande desigualdade social. Enquanto, na classe média, as mulheres se preocupam em combater os abusos do assédio masculino, no âmbito do "popular" midiático uma senhora como Solange Gomes, de 41 anos, se oferece como "objeto de desejo" para seus fãs e como "modelo de sucesso" para moças pobres que veem na exibição de glúteos e bustos um meio mais lucrável do que ser professoras, costureiras, cozinheiras ou servidoras públicas.

Por trás disso, podem haver processos sutis de "limpeza social". Afinal, a relativa "proteção" das mulheres de classe média e alta através de campanhas anti-assédio como "Chega de Fiu-fiu" - que no entanto, não as livram dos mesmos assédios quando estão nas boates e bares - se contrasta com a permissividade erótica que simbolicamente se promove "no lado de baixo" da pirâmide social.

Assim, as moças pobres se espelham na "liberdade do corpo" de Geisy Arruda, Solange Gomes e Mulher Melão, divulgadas sob um "divertido sensacionalismo" pela mídia popularesca, e com isso acham que "é tudo permitido", ignorando os riscos que a hipersexualização pode causar, diante de tarados afoitos e cafetões ávidos por dinheiro, que tratam as mulheres como escravas no "livre e belo mercado da prostituição".

É até estranho que, até pouco tempo atrás, uma parcela de intelectuais, inclusive mulheres que se diziam "ativistas feministas", tenham defendido a prostituição como um processo de "inclusão social", defendendo a prática quando as próprias prostitutas queriam se livrar desse ofício humilhante. Por trás desse discurso "libertário", havia interesses de criar um mercado do sexo para clientes de alto poder aquisitivo, camuflados pelo discurso "ativista-etnográfico" dado pelos intelectuais.

Outro caso que chama a atenção é a forma depreciativa com que se trabalha a imagem da mulher solteira, que duplamente favorece o machismo. A "solteira" trabalhada pela mídia é a da "vagabunda" que só vive de curtição e erotismo, em contrapartida da mulher que busca aprimorar conhecimentos e emancipação profissional e intelectual, mas que é "aconselhada" pelo mercado e pela mídia a se casar com algum homem dotado de poder e liderança.

Esse aspecto também revela o poder do machismo, que parece não querer sair de cena completamente, deixando como legado a sua influência mesmo na emancipação da mulher brasileira, condicionada pela figura de um marido poderoso, seja ele empresário, profissional liberal, executivo, político ou dirigente esportivo.

É uma forma também de neutralizar o feminismo, como em todo movimento de vanguarda que no Brasil é quase sempre neutralizado por forças retrógradas. A mulher que não segue o machismo tem que viver sob a sombra de um marido poderoso. Já a mulher que segue ideais machistas de mulher-objeto, em que pese ser empresariada por um machista, é dispensada de viver com um marido ou namorado.

Daí que, por trás desse processo maravilhoso de corpos femininos siliconados e alegações como "bumbum no coração", há um plano perverso que envolve perpetuação do machismo em formas mais sutis, higienização social que torne as mulheres pobres mais vulneráveis e um retrocesso social no qual os paradigmas de feminismo nunca devem ultrapassar os limites do machismo.

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