quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O aparato de "bondade" e seus artifícios


A bondade que intimida, o amor que assusta. Essas ideias, que enchem de tantos júbilos os deslumbrados da fé religiosa, para o qual não cabem provas lógicas nem questionamentos, porque tudo é só questão de amor e fé, revelam algo bem mais traiçoeiro e perigoso do que se pensa.

A desculpa de que o amor "tudo permite" e que este sentimento e o da fé desafiam qualquer tipo de lógica é o maior perigo que ameaça o Brasil. Trata-se de uma armadilha perigosa, e esse perigo cria uma cegueira emocional nas pessoas que mantém tais sentimentos.

O deslumbramento religioso que permite essa "boa tirania" do amor e da fé - na verdade, um "amor" que intimida, um "amor-daçar", e uma "fé" que amedronta e censura, um "mel de fé-l", o "fel" das fantasias que querem se sobrepôr à realidade - faz com que o "espiritismo" seja um dos piores exemplos desse gravíssimo vício.

As pessoas insistem nessa doença infantil da bondade estereotipada. Acreditam que a bondade não tem a ver com a lógica e que as qualidades relativas à caridade e ao amor ao próximo se resumem a clichês do imaginário religioso, sempre com assistencialismo paliativo e nem sempre muito eficiente.

E é isso que se torna o escudo para Francisco Cândido Xavier, o homem que começou fazendo pastiches literários, se apropriou indevidamente dos nomes dos mortos, realizou plágios, apoiou fraudes de materialização, abriu caminho para aberrantes traições à doutrina de Allan Kardec e saiu imune de tudo isso.

Por que ele saiu imune? Porque Chico Xavier era realmente uma das pessoas mais avançadas e evoluídas do país? Nem de longe!! Se ele realizou plágios e pastiches literários, delito comprovado por provas comparativas, então ele não pode ser evoluído. Dizer isso é realista e verídico, mas é visto como ofensa por muitos dos fanáticos seguidores do anti-médium.

Chico Xavier
saiu imune porque foi protegido pelo seu próprio estereótipo. Um mito forjado pelos chefões da Federação "Espírita" Brasileira, realimentado depois pelas Organizações Globo, e que atendia os interesses comerciais da federação, através da evocação de elementos ideológicos que estimulassem o sentimentalismo religioso das pessoas, uma espécie de "santo" informalmente constituído, sem o formalismo católico.

Vale lembrar que o "movimento espírita" não constitui uma oposição real ao Catolicismo, tanto que identificamos a influência decisiva do Catolicismo português, de inclinação medieval nos tempos em que a FEB foi fundada. O que o "movimento espírita" diverge do Catolicismo é o excesso de pompa e de formalismos a este inerentes, mas fora isso e alguns outros aspectos o "espiritismo" brasileiro é essencialmente católico até a medula.

Os estereótipos ideológicos de "bondade" e "humildade", que na verdade são uma atualização flexível de antigos mitos católicos, cercam Chico Xavier e revelam uma visão utópica do "caipira simpático", do "interiorano pueril" e, mais tarde, do "velhinho bondoso". Junto a isso, outros aspectos ideológicos, alguns bastante retrógrados, favorecem seu mito.

Um deles é o coitadismo, a pose de vítima, uma espécie de "agressão" às avessas em que a pessoa "aceita" ser duramente atacada, porque é uma "pessoa de bem", e com isso tenta neutralizar o agressor com uma pose de "derrotado resignado", dando a falsa impressão de que, sendo derrotado, sairá vencedor.

Chico Xavier trabalhava esses aspectos contraditórios, que se sabe terem sido usados para manipular o imaginário coletivo das pessoas, intimidar juristas e jornalistas e deixar impunes ou mal-resolvidos muitos impasses e confusões trazidos pelo anti-médium brasileiro.

O fato de que Chico Xavier é visto como "bonzinho" e que, por isso, não pode ser responsabilizado de forma alguma pelos erros que ele cometeu, é extremamente grave. É preocupante que uma pessoa como essa, causadora de tantos escândalos, saia imune e impune a tudo, até pelos erros que cometeu de propósito.

No caso da farsante ilusionista Otília Diogo, que se passou por supostos espíritos materializados, dentre eles a Irmã Josefa, Chico Xavier acompanhou toda a farsa, esteve nos bastidores falando animadamente com toda a equipe, e ninguém diz que ele apoiava todo o processo, quando em verdade ele apoiou, sim.

A coisa torna-se tão grave que, se supormos que Chico Xavier tivesse, por exemplo, criado uma empresa "fantasma", dessas que só servem para arrancar dinheiro do Estado, o pessoal mesmo assim aceitaria isso de bom grado? Muitos vão dizer que Chico seria incapaz disso. Ou, se o admitirem, deixassem isso para lá.

Mas essas fraudes Chico não fez. Mas ele fez outras. A aberrante apropriação indébita de Humberto de Campos é um claro exemplo disso. O prestígio do falecido membro da Academia Brasileira de Letras foi usurpado de tal forma que hoje Chico Xavier virou "dono" de Humberto, sob os aplausos de muitos, pasmem!

E como é que vamos comprovar que a imagem da bondade estereotipada pode ser nociva? Como o mito de "fazer o bem" pode se revelar enganador? Como a redução da ideia de bondade e solidariedade a "produtos" do "movimento espírita", incapaz de trabalhar a própria natureza da Doutrina Espírita e, por isso, recorre ao "bom mocismo", pode seduzir as pessoas?

Citamos alguns casos que mostram esse lado perigoso de trabalhar a ideia de "bondade", fruto de um complexo processo de manipulação ideológica que é capaz de seduzir e convencer as pessoas com uma certa eficácia, que se torna maior e mais bem sucedida num contexto de desinformação e alienação social.

OS CASOS

Alguns casos tendenciosos ou traiçoeiros de exploração ideológica da "bondade" podem ser identificados e analisados como processos que não trazem benefícios reais para o indivíduo, embora apresente falsos benefícios para almas resignadas.

1) O "AMOR-DAÇAR" - A ideia do "amor que tudo pode" é bastante perigosa. A ideia de um "amor" que desafia a lógica, a coerência, a busca de provas, uma ideia que conforta as mentes das pessoas, estimula a preguiça mental, desmoraliza o dom do ser humano de usar o raciocínio, se revela deplorável diante de uma observação mais apurada. O "amor" que intimida não pode ser um sentimento admirável e imune às críticas mais severas.

2) A INTIMIDAÇÃO PELA "SOLIDARIEDADE" - Nota-se que a ideologia "espírita" mostra uma forma de assistência que esconde um processo de dominação. "Espíritas" que parecem bondosos mas exercem, com seu "carinho" e "benevolência" paternalistas, um domínio sobre a alma sofredora que aparentemente assistem. Nas supostas colônias espirituais, nota-se a imagem sisuda de assistentes que "socorrem" sofredores com uma "solidariedade" que dissimula um certo complexo de superioridade do "socorrista" em relação ao sofredor.

3) JUÍZO DE VALOR - Muitos "espíritas", que se presumem saber das encarnações passadas - tarefa, em verdade, não apenas difícil mas impossível diante das irregularidades do "movimento espírita" no Brasil - , fazem o "morde-e-assopra" de seu juízo de valor. Como eles se acham "os bondosos", primeiro acusam os sofredores de terem sido algozes em outra vida, e depois rogam "misericórdia infinita" a eles. Esse discurso é traiçoeiro, porque primeiro culpa as vítimas e depois afirma o "bom mocismo" dos "espíritas". A vítima é sempre o "mal", os "espíritas" são o "bem", eles é que ajudam, ela é que "pagou pelo que fez".

4) VITIMISMO - Sabemos que o coitadismo é uma pose de vítima em qualquer situação, independente de focar o motivo alegado para isso. O vitimismo é mais específico, quando o motivo é focalizado. No "espiritismo", e, sobretudo nas figuras de Chico Xavier e Divaldo Franco, tornou-se típica a postura um tanto hipócrita de aceitar os ataques e fingir resignação, enquanto alega aparente tristeza e misericórdia ou, quando muito, diz que os ataques são "benéficos" para testar a "força do bem".

Essas caraterísticas são muito graves, porque escondem vaidades, interesses de poder, omissões e falta de auto-crítica. E esse verniz de "bondade" pode ser perigoso porque pode permitir qualquer corrupção que houver no "movimento espírita", porque seus líderes usarão de todo malabarismo discursivo para passar por cima de qualquer denúncia. Afinal, eles são os "bonzinhos".

É preocupante o quanto as pessoas se apegam a esses estereótipos de "bondade" e "humildade". Se perdem em ideias infantis relacionadas a estas qualidades, e preferem ficar no reino da fantasia chiquista do que encarar a dura realidade e aceitar os questionamentos que são lançados não como frutos de raivas pessoais, mas de análises e observações que, apresentando provas, identificaram irregularidades.

Perdidas nessas fantasias e apegadas nos seus estereótipos, as pessoas acabam demonstrando sua insegurança, sua baixa auto-estima, sua falta de auto-crítica e outros defeitos sérios. Isso faz dos brasileiros complacentes com Chico Xavier as pessoas mais atrasadas e despreparadas para encarar as mudanças dos tempos.

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