quarta-feira, 23 de dezembro de 2015
Gosta de Chico Xavier? Agradeça a Rede Globo!
A pretensa unanimidade em torno de Francisco Cândido Xavier aparentemente atinge fronteiras externas ao âmbito religioso católico e "espírita", envolvendo setores das esquerdas ou mesmo ateus. O mito da suposta filantropia de Chico Xavier torna-se o canto da sereia que seduz boa parte dos brasileiros.
A memória curta que atinge muitos brasileiros se esquece de que esse mito de "amor e bondade" foi construído em uma engenhosa campanha ideológica feita pela Federação "Espírita" Brasileira em parceria com as Organizações Globo.
O mito de Chico Xavier, que fez muita gente se esquecer que ele fez terríveis plágios e pastiches literários e usurpava os nomes dos mortos, sobretudo dos mortos falecidos que o "médium" transformava em fetiches, tornou-se a maior obsessão que escraviza almas em todo o Brasil.
Prisioneiras de retrógradas crenças religiosas, muitas delas de um deslumbramento em níveis medievais, os seguidores de Chico Xavier ignoram que tenham sido manipulados pelo poder da Rede Globo, que retrabalhou o mito do anti-médium no auge da ditadura militar.
É só observar o contexto da época. Governo do general Ernesto Geisel, crise político-institucional do regime militar - que recebia o apoio de Chico Xavier e da FEB desde a campanha pelo golpe consumado em 1964 - , e intensa turbulência política e social que ameaçava criar uma desordem nacional.
A sociedade conservadora reagia à sua maneira. O machismo com seus feminicídios conjugais, o coronelismo com sua pistolagem, os Esquadrões da Morte com sua "limpeza social", os jagunços urbanos eliminando sindicalistas, o crime organizado crescendo sob o patrocínio do Imperialismo e do livre comércio de armas.
Diante desse quadro de muita tensão social, seria ingênuo dizer que o mito de Chico Xavier veio para "trazer paz" para a nação. Grande engano. Um plagiador de livros e usurpador dos nomes dos mortos - o que ele fez de Humberto de Campos, só para citar um entre milhares de exemplos, é de uma leviandade sem tamanho - não poderia virar ídolo porque "só queria a paz".
Além disso, o processo foi tendencioso porque a fonte de toda essa mitificação de Chico Xavier nem foi original. Ela tomou como base o que o jornalista inglês Malcolm Muggeridge fez com Madre Teresa de Calcutá no documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), de 1969. A Rede Globo encampou a causa também por motivos tendenciosos.
Afinal, as seitas neopentecostais se multiplicavam através de dissidências da Igreja Nova Vida, fundada em 1960 pelo canadense radicado no Brasil, Robert McAllister, e a Globo, católica, não podia perder a briga com os evangélicos dessa vertente.
É claro que a Rede Globo não iria se limitar a cultuar padres e sacerdotes exclusivamente. Ela precisava de um ídolo religioso que fosse "ecumênico" e atingisse os mais diversos segmentos sociais, mesmo aqueles que não sentem simpatia pela rede televisiva.
REDE GLOBO ALCANÇA ATÉ QUEM DIZ ODIÁ-LA
O mito de Chico Xavier foi certeiro. Ele representava estereótipos que agradavam ao imaginário religioso conservador. Um velhinho humilde, frágil, devoto religioso, simpático e aparentemente indefeso, simbolizando valores e paradigmas que correspondem ao moralismo e a fé religiosa.
A Globo trabalhou o mito de Chico Xavier com os mesmos ingredientes de Muggeridge, através de veículos jornalísticos como Jornal Nacional, Fantástico e, principalmente, o Globo Repórter, programa que segue o estilo documentário, mesmo gênero do filme sobre a Madre Teresa.
É só observar as aparições de Chico Xavier: ele recebido pela multidão, abraçando bebês no colo, cumprimentando miseráveis, vendo crianças carentes tomando sopa. Tudo isso é igual ao que Muggeridge fez com Madre Teresa de Calcutá. O jornalista inglês deveria ter seu crédito reconhecido pelo mito de Chico Xavier.
Aliás, se os seguidores de Chico Xavier o endeusam tanto, deveriam endeusar também Roberto Marinho e Malcolm Muggeridge. Deveriam imprimir os retratos do empresário da Globo e do jornalista da BBC e colocá-los como santinhos para orações diárias. O "milagre" da Rede Globo em influenciar até aparentes detratores é grande e não envolve só Chico Xavier.
O "funk carioca", por exemplo, nada seria se não fosse a influência da Rede Globo. Muita gente insiste até hoje que o ritmo "surgiu nas periferias" - só falta dizer que o "funk" nasceu no Quilombo dos Palmares, no século XVIII, o que é absolutamente ridículo - , mas a verdade é que ele nasceu dos escritórios da Globo em reuniões com os empresários e também DJs do ritmo, que desde os primórdios tiveram parcerias com veículos da emissora.
A gíria "balada", que contaminou o imaginário juvenil, ultrapassando os limites da juventude frequentadora de boates e ouvinte de dance music, muitos imaginavam ser um jargão "genial" e "corajosamente juvenil" que ultrapassava os limites do tempo e do espaço, contrariando a natureza originalmente provisória e grupal de uma giria, mal conseguiam imaginar que era um produto de mídia.
A popularização da gíria "balada" - uma gíria sem pé nem cabeça que pode denominar tanto uma festa com DJs como um jantar entre amigos - se deu porque um conhecido empresário e divulgador dos agitos noturnos de São Paulo, Luciano Huck, era apresentador de um programa da Jovem Pan FM e depois virou um destacado astro da Rede Globo.
Ele havia feito uma parceria com o empresário da JP, Tutinha, para divulgar a gíria "balada" como um teste para ver como eles podiam influenciar a juventude. Assim, a popularização da gíria "balada" (palavra cujo sentido original nada tinha a ver com agitos noturnos) se deu através de uma combinada parceria entre a Jovem Pan FM e a Rede Globo. Ultimamente a JP também é conhecida por contratar jornalistas reacionários para comentar em programas informativos.
Esses episódios, assim como tantos outros, mostram o caráter perigoso que é o poder das Organizações Globo, que influenciam até quem não parece ter simpatia com a empresa e diz repudiar esse poder. Se alguém fala mal do Domingão do Faustão e fica dizendo a gíria "galera" o tempo todo, pode ter certeza que ele está influenciado pelo programa que diz desejar.
Isso é sério, porque, se um veículo dominante de comunicação é capaz de manipular não só as mentes que lhe são submissas, mas também aquelas que dizem repudiar seu poder, então a coisa se torna bem mais preocupante, porque indica um poder ainda maior de um veículo de comunicação e um alcance de manipulação que pega desprevenidos aqueles que dizem rejeitar o seu domínio.
E é assim que manobras da Rede Globo se infiltram no inconsciente coletivo como se viessem da própria sociedade. O que é planejado e elaborado por publicitários, produtores e psicólogos a serviço das Organizações Globo, nas quatro paredes de seus escritórios e salas, acaba sendo vista como algo surgido "espontaneamente" do imaginário popular.
Repetimos. Isso é muito grave. Seja uma gíria, seja um ritmo comercial, seja uma figura como Chico Xavier. Isso porque o que acaba se observando é que a Rede Globo acabou substituindo as consciências de muitos brasileiros, que só "decidem" as coisas com o toque do plim-plim.
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