domingo, 27 de dezembro de 2015

A aberrante ascensão dos fascistas mirins


O reacionarismo em doses cavalares que parte de jovens abastados ou emergentes, em maioria moradores das capitais e cidades do interior no Sul e Sudeste - destacam-se o eixo Rio-São Paulo, sobretudo os bairros ricos das duas capitais e a classe média emergente dos subúrbios - é um fato preocupante que pode pôr em risco a democracia no país.

Recentemente, Chico Buarque, famoso compositor brasileiro, discutiu com dois jovens reacionários que o provocaram dizendo: "Petista, vai morar em Paris. O PT é bandido!". Só que os dois não são meros internautas a fazer trolagem, mas dois ilustres membros da alta sociedade.

Um é o inexpressivo rapper Túlio Dek, que fez seus quinze minutos de fama como namorado da atriz Cléo Pires. Túlio é neto de Jairo Andrade Bezerra, um dos idealizadores da Marcha da Família Unida com Deus pela Liberdade, passeata patrocinada pela CIA (órgão de informações do governo dos EUA) e que impulsionou o golpe militar de 1964.

Conhecido fazendeiro e empresário brasileiro, fiel defensor da ditadura militar, Jairo, falecido em 2003, é acusado de explorar trabalho escravo, mandar matar opositores e fazer "grilagem", ou seja, obtenção de terrenos para fazendas feita através de modos fraudulentos.

Outro é o empresário Álvaro Garnero Filho, cujo pai é conhecido empresário e conquistador amoroso muito em evidência nas colunas sociais, Álvaro Garnero, que, por sua vez, é filho de Mário Garnero, empresário que também defendeu a ditadura militar e, durante o governo José Sarney, se envolveu no escândalo da NEC, esquema de favorecimentos político-empresariais que incluiu o então ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, e Roberto Marinho, das Organizações Globo.

Os dois não hesitaram em xingar Chico Buarque, e pareciam bem mais irritados que o cantor, que, com toda a sua indignação diante de tanta estupidez, procurou manter sua dignidade. A estupidez dos jovens reacionários tornou-se um fenômeno conhecido no Brasil, depois de tantos incidentes.

Os ataques feitos por integrantes nas mídias sociais à jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju, e às atrizes Taís Araújo, Cris Vianna e Sheron Menezzes, além de um blogue ofensivo feito para parodiar a blogueira Lola Aronovich, expuseram o problema da atuação reacionária que pôs por terra a ilusão de que todo jovem é "progressista" e "moderno" até quando é retrógrado e reacionário.

O reacionarismo juvenil na Internet e até nas ruas - os troleiros (de trolls - encrenqueiros digitais) tinham seus grupos de agressores preparados para violentar as mesmas vítimas dos ataques virtuais - se expressa em comentários irônicos compartilhados por esses grupos, que depois viram ameaças às vítimas que questionam valores e decisões elitistas vigentes.

Do anti-petismo cego à defesa de fenômenos estabelecidos pela mídia ou pelo mercado, como a gíria "balada" (associada a Luciano Huck, Rede Globo e a reacionária Jovem Pan, já apelidada por Klu Klux Pan), a programação "roqueira" (de péssima qualidade) da Rádio Cidade carioca e a pintura padronizada nas empresas de ônibus municipais do Rio de Janeiro estão entre as causas defendidas pelos troleiros da Internet.

Eles também estão associados ao "patrulhamento" de modismos diversos e de ídolos musicais que simbolizam a mediocrização cultural no país. Nomes como Zezé di Camargo & Luciano, Alexandre Pires, Ivete Sangalo, Banda Calypso, Mr. Catra, Belo e até Michael Sullivan eram apoiados por agressivos troleiros que não aguentavam uma crítica sequer a eles.

Um grupo de troleiros chegou a esculhambar o jornalista Artur Xexéo por ele ter feito críticas ao cantor Leonardo (membro vivo da antiga dupla de irmãos Leandro & Leonardo). No caso das mulheres-frutas, os troleiros humilhavam quem falasse mal das grotescas musas que só se ocupam fazendo poses "sensuais" e exibindo corpos exagerados. Os troleiros são também racistas e machistas.

A extrema-direita juvenil, os fascistas mirins que tomam conta da Internet, há muito tempo agiam nas mídias sociais e nos fóruns de Internet, ou mesmo em mensagens divulgadas em e-mail. Havia até mesmo um núcleo de reacionários dentro da populosa comunidade "Eu Odeio Acordar Cedo" no antigo Orkut.

Veículos midiáticos como a Rede Globo, a revista Veja, as rádios Transamérica, Jovem Pan e a "rádio rock" carioca Rádio Cidade são redutos dessa juventude extremamente reacionária, cujos ídolos variam entre Luciano Huck e Olavo de Carvalho, passando por Jair Bolsonaro e Rodrigo Constantino e, machistas (mesmo as mulheres são assim) elegem como "musas" a Mulher Melão e Solange Gomes.

Os fascistas mirins que odeiam quem pensa diferente e defendem o que é estabelecido pelo poder midiático, pelo mercado e pela política - sempre as grandes corporações, sempre as grandes autoridades polítias - , eles se enfurecem quando alguém tenta pensar ou agir diferente do restrito e fétido horizonte mental dos trogloditas digitais.

Daí que eles, nas mídias sociais, se reúnem em grupo para, num horário combinado, invadir páginas de recados, fóruns e até petições na Internet para fazer comentários ofensivos e jocosos contra aquele que discorda com o que pensa esse grupo. Os comentários geralmente vão das ironias às ameaças, com o tom ofensivo subindo aos poucos.

A situação ficou tão séria que mesmo a mídia de direita já começa a se preocupar com os "monstros" que havia criado, a exemplo da ditadura militar diante do crescimento descontrolado do poder dos coronéis e subordinados do DOI-CODI, órgão que inicialmente surgiu para zelar pelos "ideais democráticos" da "revolução" (nome pelo qual a ditadura se autodefiniu durante muito tempo).

Os troleiros inicialmente serviam como "patrulha" para defender o "estabelecido" pela mídia, política e mercado dominantes. Seus ataques inicialmente eram aceitos porque os contestadores eram vistos como "ridículos" diante de tantas "novidades" lançadas pelos detentores do poder.

Mas quando a coisa começou a se tornar mais evidente, ante os atos de desrespeito humano mais aberrantes, os troleiros passaram a serem vistos como uma ameaça, além do fato de que as causas e ídolos que eles defendiam eram retrógrados e medíocres, por mais bem sucedidos que fossem.

O fato preocupante é que essas pessoas tentam se ascender no poder. Afinal, por trás de muitos troleiros há filhos de advogados e empresários, dirigentes de fãs-clubes, produtores culturais, professores e pessoas com alguma ascensão social na vida, que acham que podem crescer rápido "atropelando" os outros com sua fúria depreciativa sem freio.

Daí o alerta que os casos de Eduardo Cunha, político reacionário envolvido em corrupção, e Jair Bolsonaro, militar e político famoso por suas truculências, significam. Os troleiros de hoje poderão ser os políticos corruptos, autoritários e desordeiros de amanhã.

Felizmente a opinião pública começa a se despertar diante de tantos reacionários antes vistos como "divertidos". Mas o alerta ainda é insuficiente, cabendo a todos os internautas não se iludirem com a falsa imagem de "legal" de certas pessoas e pegar carona numa trolagem que, no futuro, pode soar maléfica como os feitiços que se voltam contra seus feiticeiros.

Cabe ver o ovo da serpente e identificar os tiranos de amanhã, que nem sempre parecerão "divertidos" e "legais". Cabe, acima de tudo, repudiá-los em vez de pegar carona na sua aparente alegria e embarcar numa farra que pode trazer traumas no futuro.

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