sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

"Espiritismo" brasileiro defende a desigualdade social


Notaram que o "espiritismo" brasileiro defende a desigualdade social? A defesa dessa desigualdade não é o mesmo de querer a disparidade de renda por si só, mas em manter as estruturas de privilégios e infortúnios e apenas amenizá-las com a chamada "caridade" que não vai além de aspectos paliativos.

Não se trata de defender que ricos fiquem mais ricos ou que pobres fiquem mais pobres, mas de estabelecer que algumas pessoas "merecem" ser mais privilegiadas que outras, e é isso que se constata quando se leva em conta a "filosofia" trazida por Francisco Cândido Xavier.

Ele era devoto da Teologia do Sofrimento, ideologia que define o sofrimento humano como "caminho para Deus" e prega que aceitemos as piores coisas na vida visando atingir o prêmio do "paraíso". A ideia de "paraíso" trazida por essa ideologia, originária do Catolicismo medieval, pode variar entre a "vida eterna" do Catolicismo atual e a "vida futura" do "movimento espírita".

A ideologia de Chico Xavier sempre apelou para isso. Ele dizia para sofrêssemos em silêncio, sem reclamar, sem se queixar. Condenava o ativismo e preferia a servidão e a prece, ainda que a pessoa tenha que aguentar as piores situações da vida. Antes ser humilhado e viver a vida como num pesadelo do que lutar por qualquer melhoria de vida.

Ele dizia para não questionarmos, não mostrarmos nosso sofrimento para os outros, e tínhamos que sofrer e fingir para os outros que estava tudo bem. E isso, embora esteja associado a mitos supostamente ligados à justiça social, revela um consentimento com a desigualdade humana.

A julgar pelo que se questiona a respeito de Madre Teresa de Calcutá, definida como "anjo do inferno" por aqueles que denunciam que ela defendeu as mesmas ideias de "resignação ante o sofrimento" de Chico Xavier, nota-se que a Teologia do Sofrimento, um dos pilares do "espiritismo" brasileiro, é complacente com as desigualdades humanas existentes no país.

O que a doutrina brasileira quer é apenas evitar seus efeitos mais danosos, seus prejuízos extremos. Mas seu ideal de "filantropia", "caridade" e "transformação social" sempre é defendido e praticado de forma que não se mexa no "vespeiro" dos privilegiados, apenas minimizando o sofrimento dos miseráveis e angustiados, sem que se interfira nos que já vivem em pleno conforto.

Mesmo projetos educacionais respaldados pelo "movimento espírita" apenas ensinam a ler e escrever e viver com um mínimo de dignidade, mas sem transformar o beneficiado numa pessoa que possa ter uma visão crítica do mundo e possa interferir contra os graves problemas existentes, pelo menos de maneira espontânea e sem se prender às convenções sociais nem sempre justas.

A defesa da desigualdade social se manifesta porque, para o "espiritismo" brasileiro, não interessa romper com estruturas de dominação e exploração humana. Mantém-se privilégios sociais vigentes, apenas "diminuindo" seus efeitos mais drásticos, mas sem ameaçar a essência do quadro vigente em que uma minoria tem demais sem necessidade e uma maioria não tem sequer o que mais precisa.

Há alguns pontos a considerar. O desprezo da vida material como um meio de progresso humano através da intervenção de suas limitações, uma visão materialista que obriga o homem a ter uma vida "qualquer nota" e aceitar qualquer absurdo, mantendo a natureza material / animal da realidade dominante, é um dos pontos que fazem o "espiritismo" não agir de maneira firme contra as desigualdades sociais.

Além disso, os líderes "espíritas" precisam também ser cortejados pelas elites. Como a Madre Teresa de Calcutá, que desfilava diante dos ricos, recebendo elogios e prêmios, e que no Brasil têm equivalência em muitos ídolos religiosos. Mesmo Chico Xavier e Divaldo Franco precisam dos "remediados" para lhes darem elogios e prêmios. As elites são ótimas alimentadoras das vaidades pessoais dos líderes religiosos, as elites são suas devotas mais decisivas.

Já para os pobres e miseráveis, ou mesmo os infortunados de qualquer natureza - ainda que seja um nerd incapaz de conquistar uma mulher de sua afinidade - , não há um benefício extra em idolatrar um religioso. E os líderes religiosos não se acham triunfantes com essa adoração em si, eles acham mais interessante serem adorados pelos ricos e privilegiados, e até criam como pretexto a ideia de que "os ricos se renderam aos humildes benfeitores da fé".

Os ricos podem até mesmo compartilhar seus privilégios com os ídolos religiosos. Vide Madre Teresa viajando de avião com magnatas corruptos. E é isso que a Teologia do Sofrimento esconde: quando ela diz que o "sofrimento é lindo", ela na verdade pede para que quem está sofrendo que se comporte direitinho e aceite sua situação, em vez de se irritar com o privilégio que os confortáveis possuem.

A desculpa, vista no "espiritismo" brasileiro, é que os ricos e privilegiados "já tiveram seu prêmio", e o "perderão" em breve, enquanto os pobres e desafortunados em geral "ganharão em breve" o seu "verdadeiro e eterno prêmio", daí a ideia de querer que as pessoas que sofrem aceitem seu sofrimento caladas e conformadas, sob o pretexto de conquistarem seu "prêmio" no "porvir".

E é assim que se mantém as desigualdades sociais, com este discurso que tem um quê de moralismo e fatalismo, e que prende os infelizes e desafortunados num pretexto de religiosidade que cria uma "indústria de infelizes" que alimentará as fortunas dos ídolos religiosos, que assim podem pedir aos ricos grandes somas de dinheiro e bens das quais só parte delas vai para a caridade, enquanto outra vai para a vida confortável dos religiosos.

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