quarta-feira, 29 de abril de 2015

Adeptos de Chico Xavier "apostam" em jovem paulista como "novo Emmanuel"


Polêmica no "movimento espírita". Um jovem escritor e "médium" é visto pelos seguidores de Chico Xavier como suposta reencarnação do jesuíta Emmanuel, mentor do anti-médium de Pedro Leopoldo. Mesmo com dados que não conferem às previsões de Xavier, a tendenciosa associação já repercute na grande imprensa.

O jornal O Globo publicou uma reportagem intitulada "Muito prazer, eu não sou Emmanuel", mostrando o jovem Guilherme Romano, adepto de crenças hindus e espiritualista, seguidor do guru espiritual Sri Swami Shivaharyànanda, que conheceu numa viagem à Índia, e que completará 22 anos este ano.

O caso começou quando Guilherme foi entrevistado, em 2007, por Ana Maria Braga no programa Mais Você, sobre a "mediunidade precoce". O jovem impressionava pela desenvoltura com que respondia as perguntas. No entanto, não houve qualquer menção de que ele teria sido a reencarnação do antigo jesuíta que se tornou "mentor" de Chico Xavier.

A associação se deu anos depois, quando o vídeo foi lançado no YouTube. Apenas pelo fato de apresentar qualidades genéricas, porém consideradas excepcionais no contexto brasileiro, como falar e escrever bastante, já ter lançado livros (no caso, dois, até agora) e mostrar amplo interesse em trabalhar com Educação.


Além disso, a simples comparação de semelhança física entre Guilherme Romano e Emmanuel (cuja aparência, por sua vez, remete ao padre Manuel da Nóbrega) foi usada para alimentar a associação, mas isso é tão tolo quanto crer que Rafinha Bastos é reencarnação de Sérgio Porto (famoso pelo codinome Stanislaw Ponte Preta) só pela "irreverência" (sabe-se lá o que isso quer dizer).

Que podem não haver acasos nem coincidências, sim, mas a realidade é tão complexa que, num momento, a associação de elementos em comum é acertada, em outros é bastante equivocada, e só mesmo o contexto pormenorizado de dada ocorrência pode apontar elementos que possam confirmar uma aparente coincidência.

No caso de Guilherme, ex-colaborador da Casa Perseverança, tido como "um dos maiores centros espíritas do mundo" e um dos fundadores da Núcleo de Estudos Espiritualistas Luz da Nova Alvorada (NEELNA), as coincidências simplesmente não procedem.

Afinal, Guilherme já tem 21 anos e vai fazer 22 ainda este ano. Segundo relatos de Chico Xavier, que em princípio disse que Emmanuel iria abandoná-lo após sua morte, mas depois afirmou que ele o deixaria antes, em 1996, ele teria reencarnado no final de 1999 (teria hoje entre 15 e 16 anos) e teria nascido e estaria vivendo numa cidade do interior paulista.

Guilherme nasceu e trabalha na capital. Estuda Filosofia na Universidade de São Paulo. Seu visual de cabelo comprido, que lembra um hippie mais arrumado, não condiz ao perfil austero de Emmanuel, assim como sua personalidade mais suave e sua inclinação às crenças hindus, diferentes do perfil sisudo,por vezes agressivo, e voltado à rigorosa opção católica, do "mentor" de Chico Xavier.

Pelo menos o presidente da Casa de Chico Xavier, de Pedro Leopoldo, o mesmo Geraldo Lemos Neto que difundiu a suposta "profecia" do anti-médium mineiro, admite que Guilherme nunca seria uma reencarnação de Emmanuel, com base em depoimentos de Xavier em 1973 e 1978, que afirmavam que o jesuíta iria nascer em 1999. Guilherme nasceu em 1993.

O próprio Guilherme não acredita ser Emmanuel reencarnado. Ele até declarou aos repórteres de O Globo com uma simpática ironia que virou título de reportagem: "Muito prazer, eu não sou Emmanuel". Ele afirma que prefere se esforçar para conhecer sua pessoa e sua missão moral na encarnação presente, em vez de se preocupar se foi alguém que ele nem mesmo conhece direito.

A polêmica, porém, serve para alimentar a visibilidade do "movimento espírita", que sofre sua grave crise, diante das denúncias crescentes de suas irregularidades e pelo fato do "espiritismo" brasileiro estar mais voltado para a herança do Catolicismo português do que por qualquer identificação com o pensamento de Allan Kardec.

Aliás, O Globo cometeu um erro grosseiro ao afirmar que Chico Xavier foi "continuador" da obra de Allan Kardec. Xavier nunca se identificou com o pensamento kardeciano, e é pouco provável que ele tenha lido para valer alguma de suas obras. Faz mais sentido dizer que Divaldo Franco leu a obra de Jean-Baptiste Roustaing que o anti-médium baiano jurava "não ter tempo" para conhecer.

O termo "kardecista", aliás, é um eufemismo armado para mascarar o igrejismo do "movimento espírita", principalmente a partir de 1975, quando o fim da "era Wantuil", após a morte do ex-presidente da Federação "Espírita" Brasileira, Antônio Wantuil de Freitas, e a decadência de seus discípulos, como Luciano dos Anjos, expuseram a crise do roustanguismo no meio.

Dificilmente Guilherme Romano seria o "novo Emmanuel". Sua personalidade não apresenta traços que correspondessem ao austero jesuíta. Seus dados biográficos não correspondem às supostas previsões. E. além disso, o "novo Emmanuel" continua até agora sem qualquer anúncio oficial pelos dirigentes da FEB.

Enquanto isso, o episódio de Guilherme Romano, ao alimentar as polêmicas e o sensacionalismo referentes ao "movimento espírita", embora contrariasse diretrizes e procedimentos da cúpula de sua doutrina, fazem o "espiritismo" em crise ao menos alimentar sua publicidade através de tamanho factoide. Ás vezes a religião aproveita as lições do show business.

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