sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

O "teatro da bondade"

COMO NO CONTO DA BELA ADORMECIDA, O "TEATRO DA BONDADE" TEM VILÕES, VÍTIMAS E HERÓIS.

Religião é um conto-de-fadas para adultos. E as religiões que professam a Teologia do Sofrimento, como o Catolicismo, o "espiritismo" e, de forma ainda mais engenhosa, a Cientologia, temperam com dramaticidade seus ideais de "recuperação moral".

Segundo essas religiões, as pessoas necessitam de sofrer o pior possível para obter o prêmio da "redenção futura", geralmente póstuma. Você tem que passar a vida tentando superar barreiras intransponíveis, sem reclamar, sem dar um pio e, de preferência, orando em silêncio, de preferência a oração que a religião de "sua preferência" indicou.

É o "teatrinho da bondade", em que as vítimas de infortúnios têm que provar que são "boazinhas", dentro daquela ideologia arcaica de pessoas obedientes e submissas que, se comportando quietinhas, poderão ganhar o prêmio futuro.

É como se crianças obedientes que nada têm na vida, que são privadas do melhor da vida, têm que se comportar caladas e quietas no seu castigo, sem gritar, sem reclamar e sem falar mal dos algozes, vão ter seu prêmio amanhã, depois de proibidas de curtir um dia que poderia ser brilhante.

Pouco importa se a criança ficou de castigo num dia de sol, com seus amiguinhos brincando na rua, seja liberada no dia seguinte, em que parte dos amigos estará ausente por um compromisso familiar ou se haverá chuva no dia seguinte. O algoz nem tem noção disso, tudo é "qualquer nota", tanto faz brincar na rua num dia de chuvas e trovoadas ou se a privação acaba se prolongando com a tempestade.

É assim nessas religiões. A pessoa perde uma encarnação em que o melhor de seus potenciais é privado e mesmo as oportunidades mais simples lhes escapam das mãos por uma série de incidentes, aos quais nem o mais árduo esforço consegue conquistar.

As energias trazidas pela moral religiosa, seus preceitos, crenças e preconceitos, acabam privando a pessoa de trabalhar suas qualidades diferenciadas da melhor forma. Tudo acaba sendo restringido até a pessoa só poder trabalhar seu potencial quando servindo-se a algum patrão mais estúpido ou agressivo, e a única coisa que se faz é a inteligência do servidor ser usada como marketing pessoal de seu patrão estúpido.

E o que será outra vida? Não se sabe. A "vida eterna" dos católicos ou a "vida futura" de "espíritas" e cientologistas? Isso é uma coisa qualquer nota, uma promessa baseada em fantasias, pouco importando se é o Espírito Santo, o "anjo" Ismael ou Xenu que garantirão isso.

Não é difícil entender que, quando se perde uma encarnação, a perde para sempre, sem poder ter oportunidades iguais em outra vida. Existem várias encarnações, mas nenhuma delas é igual e se a pessoa deixa de fazer uma coisa numa encarnação, dificilmente a fará na próxima, pelo menos da forma que esperaria na presente.

É como se você sair de casa para uma viagem de cinco anos. Voltando para o lar, certamente não será a mesma coisa que antes. A vizinhança mudou, alguns prédios foram construídos no lugar de antigas casas, o comércio mudou, só a sua casa parece ter sido a mesma, se bem que podem haver aranhas no lugar e baratas andaram pela área.

Você não vai guardar um alimento com um certo prazo de validade e, feliz da vida, esperar que o alimento permaneça o mesmo depois do fim desse prazo. E se o local onde mora houver um furacão o um terremoto? Há garantias de que a casa que deixou permanecerá no lugar?

Se a próxima encarnação for aquém do esperado, se em vez de castradores há usurpadores, Geralmente uma pessoa defende uma causa diferenciada e encontra barreiras na encarnação presente, que o impedem de levar a causa adiante.

Na outra encarnação, ele terá, em tese, maiores chances de defender a causa, já banalizada, e sob o risco de contrair usurpadores e oportunistas. Se na presente você tem que lutar para sua causa sair vitoriosa, na outra você tende a lutar para que ela não caia em mãos erradas.

Nada disso é considerado pelas ideologias religiosas. A ideia é você sofrer limitações mesmo e deixar o acaso decidir se você pode aproveitar ou não suas qualidades, e se a outra vida revelará benefícios ou novos malefícios. E você não pode reclamar, porque o que essas religiões querem é o "teatro da bondade", com todo o conformismo e misericórdia que se espera dos sofredores.

No "teatro da bondade", há três entes morais: a vítima, o vilão e o herói. A vítima é o sofredor que precisa provar que é o "mocinho da história", por isso precisa evitar irritação, revolta e contestação, cumprindo seu papel de subserviência e conformação, porque a aceitação é a máxima do bom-mocismo.

O vilão é aquele que triunfa abusando dos outros, se beneficiando com a dor alheia, causando prejuízos e puxando o tapete de quem tenta subir na vida. É o algoz, o estúpido, o estressado, o aborrecido, a "pedra no sapato" que gruda nos pés de suas vítimas.

Já o herói é aquele religioso que surge "humildemente" para salvar a vítima. "Aguente seu sofrimento, porque o socorro virá", promete o herói. Ele, como também é "bonzinho", também usa da aceitação, do conformismo e da misericórdia para agir, e aí a diferença acontece em relação aos contos-de-fadas.

Afinal, ele não é o caçador do conto de Chapeuzinho Vermelho que vai matar o Lobo Mau. O herói precisa também ser bonzinho como o mocinho da estória, a vítima é a protagonista e o herói o coadjuvante tão "bondoso" quanto o infeliz que é assistido, e por isso precisam adotar "costumes bons" como reza a cartilha do maniqueísmo, dentro de uma moral linear e binária.

Com isso, não podemos questionar, reagir, contestar, que são atos "maus". Temos que ter a aceitação, a alegria, a conformação, que são "atos bons". O "teatrinho da bondade" revela que a vítima é socorrida pelo herói, embora o vilão nem de longe seja punido, a punição só virá em "outra vida", em outra "peça". A cortina cai com o vilão ainda triunfante, apesar da vítima ter sido "salva" pelo herói.

É esse o teatro das religiões, e que a chamada "boa sociedade" pensar ser um grande exemplo de altruísmo, caridade e ação progressista. Nada disso. Tudo é um teatro em que os bonzinhos têm que ser bonzinhos e aceitar arbitrariedades e abusos e apenas reagir com a maior brandura possível. Deixe que raivas, revoltas e contestações sejam atributos exclusivos dos maus, dos vilões.

Nesta encenação toda, a complexidade da vida, em que maldades e bondades se relativizam diante de tantos e tão entranhados jogos de interesses e oportunismos e falsidades diversas, é ignorada. Estas fazem parte do âmbito da razão, que explica a sociedade fora das aparências e da ficção linear do "teatro da bondade", mas infelizmente a fé dominante no Brasil prefere a fantasia, não a realidade.

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