quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O outro lado de quem é queixoso

EUSTÁCIO, O RESMUNGÃO, OU CHICO XAVIER?

"Conheces todos os segredos de sua alma?" advertiu o espírito Erasto diante da hipótese de supostos médiuns tidos como bondosos veicularem respostas falsas e grosseiras. As advertências de Erasto não só foram ignoradas no Brasil como há pessoas que deturpam e distorcem tais conselhos, como se não bastassem as deturpações violentas feitas em relação à Doutrina Espírita.

As deturpações se ampliaram como uma bola de neve e vemos hoje Francisco Cândido Xavier e seguidores (de Divaldo Franco a, pelo menos, João de Deus, já que Robson Pinheiro parece seguir uma linha "independente" dos ditos "kardecistas autênticos", eufemismo para a fase dúbia do "movimento espírita", que é o igrejismo disfarçado de legado kardeciano) viraram os "senhores" da Doutrina Espírita, os "donos" dos mortos e reivindicam a posse absoluta da verdade.

Ninguém ouviu Erasto e, quando tenta, pega de fontes pouco confiáveis, como as traduções da FEB e da IDE que rebaixam o professor Allan Kardec a um pároco de província. É como numa equação que começa errada e cujos cálculos posteriores parecem corretos mas se destinam justamente ao resultado errado, com um falso Erasto defendendo as mentiras do "espiritismo" igrejista brasileiro.

E aí vemos um moralismo conservador, um igrejismo medieval e uma falsa mediunidade limitada ao faz-de-conta e ao mershandising do proselitismo religioso - quase todos os supostos mortos fazem mensagens apelando pelos "ensinamentos cristãos" - , que se servem como se fosse o "verdadeiro espiritismo" e cuja credibilidade é forçadamente conquistada através de muita bondade de fachada - a caridade paliativa, que mais fascina que ajuda - e com muito vitimismo de seus anti-médiuns.

E aí nos lembramos do arrivismo de Chico Xavier, alvo da maior impunidade que alguém pode receber por atos irresponsáveis e prejudiciais. Ele fez pastiches e plágios literários, era católico de conceitos medievais, moralista severo, usurpador de mortos, se promovia às custas das tragédias familiares e ainda por cima usou Allan Kardec para lançar ideias contrárias ao pensamento do pedagogo francês.

É tanta coisa deplorável que é assustador que Chico Xavier, que ainda conta com o apoio da chamada "mídia venal" - como estudiosos de Comunicação chamam a mídia dominante, comercial e reacionária - , tenha feito tanta barbaridade e seja visto como um semi-deus ou mesmo um vice-deus, e qualquer crítica havia sido rebatida com vitimismo dele (o esperto Chico era artífice dessa manobra) e, mais recentemente, por seus seguidores fanáticos, não obstante temperamentais.

Uma faceta entre tantas sombrias do "bondoso médium" é não suportar gente queixosa. Como no caso de Divaldo Franco e sua "Joana de Angelis" (provavelmente uma identidade "trans" do obsessor Máscara de Ferro), que pregava para "ninguém ficar triste por mais de 15 minutos, Chico Xavier sempre deixou claro que não suportava gente resmungona.

É até irônico que um personagem do seriado de animação Coragem, o Cão Covarde (Courage the Cowardly Dog), o idoso Eustácio (Eustace no original), lembre, nos seus traços faciais, o "médium" Chico Xavier. Afinal, o Eustácio é um personagem resmungão.

Mas se observarmos bem, Chico Xavier havia sido um resmungão. Os piores resmungões são aqueles que não suportam ver gente reclamando, sempre cobrando uma felicidade forçada, uma serenidade falsa que acoberta o pior sofrimento. O desfile de belas palavras apenas dá a impressão de que Chico Xavier era pura mansuetude, mas quando podia ele tinha veneno na língua.

É só ver o caso de Jair Presente. Diante de supostas psicografias que não condiziam com a personalidade do estudante de Engenharia, os amigos do falecido universitário, que mais conviveram com ele, reclamavam das "mensagens mediúnicas". Diziam que não havia jeito para aceitar tais mensagens como "legítimas". Irritado (sim, irritado), Chico Xavier disse que isso era "bobagem da grossa".

Em 1943, no livro Reportagens de Além-Túmulo, Chico Xavier, usando o nome de Humberto de Campos, escreveu, junto a Antônio Wantuil de Freitas, presidente da FEB, um conto sobre uma mulher queixosa que era abandonada por todos por causa de sua "mania de reclamar da vida". Um conto claramente moralista, que Humberto nem em sonhos teria o menor interesse em escrever.

Isso mostra o quanto Chico Xavier foi um dos maiores devotos da Teologia do Sofrimento, corrente medieval da Igreja Católica que agora parece crescer no "movimento espírita", estimulado pela epidemia ultraconservadora que toma conta do país desde a posse de Michel Temer, ainda como presidente interino da República.

Chico Xavier dizia para os sofredores não mostrarem sofrimento para outrem. Isso é comparável a um doente que não pode informar sua doença para familiares, amigos e nem para o médico. Isso é uma visão claramente sádica, e é inútil os chiquistas iniciarem seus corais de lágrimas e nos acusar de fazer campanha contra o "pobre médium" porque a visão sádica veio das próprias palavras dele.

Mas há o outro lado dos queixosos que as "belas palavras" moralistas de Chico Xavier - várias levianamente atribuídas a personalidades mortas - escondem. A de que, se há pessoas que reclamam demais, não é por recreio nem passatempo, assim como é de praxe os "espíritas" ignorarem que ninguém se suicida por hobby ou para ver se uma arma ou veneno realmente funcionam.

O queixoso é aquele que encontrou tantos obstáculos na vida, dificílimos de serem superados, que passou a se revoltar com isso. É do instinto humano, se até um cãozinho dócil e meigo vira uma fera perigosa, capaz de matar alguém com uma mordida, se ele for acuado, o ser humano também se brutaliza quando o "remédio" das desilusões e das dificuldades está muito acima da dose.

As pessoas que se encontram nestas condições extremas fizeram o que puderam para superar dificuldades. Mudaram seus pensamentos, entraram com fé, desenvolveram alegria e tudo. Se esforçaram cumprindo as exigências correspondentes. Mas tudo isso, sendo em vão, lhes revolta, naturalmente. É muito fácil cobrar de quem está por baixo, mas em muitos casos há que se cobrar também pela falta das oportunidades corretas, mesmo se considerar o risco de algum esforço.

Daí a perversidade do moralismo de Chico Xavier (chorem, chiquistas!), porque é um moralismo severo, retrógrado, reacionário. Isso faz sentido a alguém que defendeu a ditadura, esculhambou operários e camponeses e acusou humildes frequentadores de um circo em Niterói destruído por um incêndio criminoso de terem sido "romanos sanguinários" numa outra vida, em clara demonstração de puro juízo de valor, sem provas lógicas e protegido pela carteirada religiosa do "médium".

Isso é absoluta falta de caridade. Os "espíritas", insensíveis ao sofrimento de outrem, só recorrem quando advertidos de sua severidade moralista. No primeiro momento dizem que as pessoas devem aguentar o sofrimento. No segundo, tentam dizer que o sofrimento é só um "aprendizado" ou um "desafio". No terceiro, tentam apelar para o sofredor "ter fé e esperança". E, quando tentam ajudar, dificilmente é de maneira adequada ou eficiente.

Com toda a certeza, a bondade se enfraquece quando se torna apenas um subproduto da fé religiosa e se submete a uma marca de uma seita religiosa. Escravizada por preceitos moralistas, místicos e ritualistas, a bondade se torna mais frouxa, menos eficaz e, sobretudo, muito menos benéfica para as pessoas, e se torna indiferente às dificuldades alheias.

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