sábado, 20 de fevereiro de 2016

Supor encarnações anteriores pode alimentar vaidades pessoais

FARRA "REENCARNACIONISTA" DOS "ESPÍRITAS" ACABA DIVERTINDO A IMPRENSA SENSACIONALISTA, SEMPRE EM BUSCA DE FACTOIDES PITORESCOS.

O "movimento espírita" brasileiro se revelou uma grande farsa. De que adianta a tardia "lealdade" a Allan Kardec, se os "espíritas" sempre se identificaram com o igrejismo embolorado de Jean-Baptiste Roustaing, o sinistro responsável por Os Quatro Evangelhos?

A falta de um estudo sério sobre a espiritualidade, acrescido de uma série de mentiras, fingimentos, desculpas, alegações e tantas irregularidades que mancham a doutrina brasileira e a fazem cada vez mais afastada do pedagogo francês do qual diz se inspirar, permite todo um festival de brincadeiras que são levadas a "sério" e corrompem a análise sobre a vida após a morte.

Como uma versão doutrinária da Tábua Ouija, que animava os recreios aristocráticos das "mesas girantes", o "espiritismo" brasileiro percorreu o caminho inverso de Allan Kardec. O cético professor Rivail estudava as "mesas girantes" com muito ceticismo e questionamento e resolveu, a partir dele, elaborar um sistema de análises e perguntas sobre o que seria mesmo o mundo espiritual.

Kardec criou um estudo científico depois de ver uma brincadeira. Já os "espíritas" brasileiros criaram uma brincadeira a partir da evocação de Kardec. E isso faz com que os "espíritas" sentissem preguiça em realizar trabalhos sérios sobre espiritualidade.

A mediunidade nunca passou de fingimento. Os "médiuns" faziam mensagens de sua própria mente, ou pintavam pastiches estilísticos em quadros ou faziam falsetes imitando o que imaginavam ser as vozes de antigos falecidos (que viveram antes da popularização do fonógrafo), e botavam um apelo religioso e "positivo" para minimizar os indícios de fraude, com base no mito de que "boas mensagens" nunca despertariam desconfiança.

O mundo espiritual não passa de especulação, de fantasia. O mito da colônia espiritual de Nosso Lar, com muitos aspectos materialistas, é fictício e sem qualquer relação com a veracidade, e o próprio Allan Kardec havia advertido da dificuldade das pessoas em analisar o mundo espiritual, do qual não se tem, até agora, um indício confiável de como deveria ser.

Junta-se a "mentiunidade" (metáfora para o fingimento de mediunidade, fazendo trocadilho com a palavra "mentira") e a especulação sobre a vida espiritual e vemos pessoas completamente ignorantes dos temas espíritas, e isso não exclui pessoas que muitos acreditam serem "tarimbadas", como Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco.

Eles são os primeiros a expor preconceitos igrejistas, fantasias místicas, moralismo retrógrado e especulações anti-doutrinárias. Suas obras apresentam pontos que contradizem frontalmente com o pensamento kardeciano e nem de longe o atualizam, até porque muitas visões retrógradas se observam nas obras desses dois supostos médiuns, como o machismo na obra de Chico Xavier.

Essas visões, que combinam conservadorismo social com moralismo religioso, derrubam a tese de que o "espiritismo" brasileiro é uma "modernização" ou "atualização" do pensamento kardeciano, e demonstram a herança que os "espíritas" receberam do legado católico do século XIX, de influência portuguesa, da qual se mantiveram visões e práticas medievais.

"BOVESPÍRITA"

O grande problema é que o "espiritismo" brasileiro quer ser especializado no que não sabe. Isso é uma mania muito comum no Brasil. Vemos de jornalistas reacionários metidos a juízes, como Merval Pereira e Reinaldo Azevedo, a rádios pop que se passam por roqueiras, como a FM carioca Rádio Cidade, num país de muito pretensiosismo sem vocação natural para a causa respectiva.

Aí eles imaginam o mundo espiritual como um misto de parquinho, condomínios de luxo e complexo hospitalar. Forjam mensagens "espirituais" em que se dá a impressão de que todo espírito do além virou "seminarista" ou "noviça", "padre" ou "freira", com tantos apelos igrejistas que supostas psicografias trazem.

E isso chega ao ponto de "espíritas" iniciarem as apostas de quem teria sido quem em encarnações antigas. Fora um esforço de negociação em que atribuir reencarnações passadas não pode causar conflitos de informações, pois se um figurão "espírita" alega, por exemplo, ter sido Napoleão, outro não pode fazer a mesma atribuição.

Mas numa doutrina bagunçada como o "espiritismo" brasileiro, isso não impede que haja choques e controvérsias aqui e ali. Osvaldo Polidoro foi um lunático místico e mistificador que se autodefinia como "reencarnação de Allan Kardec". Por outro lado, há uma torcida forte atribuindo o próprio Chico Xavier como a reencarnação do pedagogo francês.

Da mesma forma, o personagem André Luiz se divide em encarnações anteriores atribuídas a Carlos Chagas, Osvaldo Cruz e o dirigente esportivo Faustino Esporel, entre outros. Nestes casos, o desconhecimento da vida espiritual e as vaidades pessoais dos "espíritas" arriscam palpites que se chocam uns com os outros e sempre apresentam contradições.

Uma verdadeira farra é feita por "espíritas", que atribuem vidas espirituais aqui e ali. O falecido líder "espírita", Rino Curti, atribuiu a um "centro espírita" a "proteção espiritual" de Machado de Assis e Humberto de Campos. Mas isso é fichinha em relação às brincadeiras que envolveram Chico Xavier.

A ele se atribuíram personalidades femininas diversas, com base no jeito efeminado do "médium" mineiro. Entre elas, uma fictícia Flávia Lentúlia, que pelo nome não condiz à norma de castas familiares das elites romanas do tempo de Jesus, já que seu nome deveria ser um derivado dos nomes dos pais, Publius Cornelius e Lívia. Já o sobrenome Lentúlia é muito vulgar para uma aristocrata, devendo ser Lentulina ou Lentulila, conforme a etiqueta romana da época.

Uma verdadeira farra se fez atribuindo encarnações a Arnaldo Rocha, sua prematuramente falecida esposa Irma de Castro Rocha, a Meimei, a Clóvis Tavares, membro da Federação "Espírita" Brasileira, e até a Rômulo Joviano, que foi patrão de Chico Xavier num trabalho de fazenda.

Fora isso, e fora atribuições sobre quem teria sido André Luiz ou quem será a reencarnação de Emmanuel - foi indicado um jovem, mas ele é suave demais para ser o "novo Emmanuel" - , atribuiu-se também ao médico Adolfo Bezerra de Menezes a a antiga encarnação do cobrador de impostos Zaqueu.

Atribuiu-se a Dom Pedro II a encarnação antiga de Cassius Longinus, oscilando entre dois personagens políticos com este nome e um filósofo homônimo, em informações que se contradizem. E Chico Xavier e Divaldo Franco entraram em choque, quando o primeiro afirmou que Marechal Deodoro reencarnou no corrupto Fernando Collor e Divaldo Franco fez um falsete supondo que o primeiro presidente da República brasileira continuava no mundo espiritual.

Em muitos casos, atribui-se reencarnações antigas a monarcas, cientistas, padres, intelectuais e famosos. Isso é muito perigoso, sobretudo em se tratando de uma religião irregular como o "espiritismo". Pode trazer vaidades pessoais que, uma vez derrubadas por revelações contrárias ou advertências, criam muito mal-estar e reações negativas.

Pensar em vidas passadas, além de ser desnecessário na maioria esmagadora das vezes, só pode ser feito quando extremamente necessário, e mediante um motivo de grande urgência. Não é em qualquer situação e mesmo a alta reputação atribuída a um figurão "espírita" não é justificativa para supor nele vidas anteriores, como se fez a Chico Xavier mais de uma vez.

Quase sempre essa atribuição é supérflua, porque as pessoas andam para a frente, caminham para o progresso espiritual, não havendo necessidade de saber quem foi quem no passado, até para evitar renascer vaidades, frustrações ou traumas pessoais. Saber sobre vidas passadas é perigoso por causa desses sentimentos extremos que sempre causam mal-estar sob a menor adversidade.

E vendo que os "espíritas" adoram brincar, com sua "Bovespírita", ou seja, com seu mercado de apostas e especulações, atribuindo encarnações passadas aqui e ali, para qualquer um que faça o pedido, isso se torna muito perigoso, porque, buscando o superávit da evocação de personagens ilustres, se encontra o déficit da presunção, da desilusão e do trauma que envenenam as consciências.

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