segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Como o documentário, livro sobre "Data-Limite" é um desperdício


Um enorme desperdício. Essa é a definição mais realista do documentário Data-Limite Segundo Chico Xavier, de Fábio Medeiros, e do livro baseado neste filme de autoria de Juliano Pozati e Rebeca Casagrande, co-produtores da película.

Afinal, é muito burburinho por causa da interpretação de um sonho de uma pessoa que dorme. E temos que admitir que não é o prestígio de alguém que faz um sonho ficar profético, porque sonho é apenas sonho e raramente ele pode dizer coisas importantes e, quando diz, não vão além do plano pessoal.

Repleto de profundas inverdades, o "sonho de 1969" de Francisco Cândido Xavier inspirou uma série de pregações confusas, supostas "profecias" que não passam de um engodo em que se mistura o moralismo religioso das ideias de Chico Xavier com alegações falsamente científicas. Portanto, é uma verdadeira gororoba mística, pseudocientífica, sem muita serventia.

Falando sobre o livro, a referida obra não corresponde, em conteúdo, ao que suas 350 páginas sugerem à primeira vista. Primeiro, porque seu texto poderia muito bem ser lançado num livro de cerca de cem páginas. Segundo, porque é um amontoado de inverdades e enrolações diversas.

O livro busca descrever, em vários de seus capítulos, aspectos conhecidos do "espiritismo" que acreditam. Começam narrando a biografia de Chico Xavier, mostrando a mentira descarada de que Humberto de Campos teria "legitimado" a "mediunidade" do caipira de Pedro Leopoldo.

Teremos que ler o trecho do artigo "Poetas do Outro Mundo", primeira parte de uma resenha dividida em dois artigos, publicado no Diário Carioca em 1932. Em nenhum momento ele disse que a "psicografia" de Chico Xavier era autêntica, como delirantemente alegam os "espíritas", e Juliano Pozati não fugiu à regra:

"Eu faltaria, entretanto, ao dever que me é imposto pela consciência, se não confessasse que, fazendo versos pela pena de Francisco Cândido Xavier, os poetas de que ele é intérprete apresentam as mesmas caraterísticas de inspiração e de expressão que os identificavam neste planeta. Os temas abordados são os que os preocupavam em vida. O gosto é o mesmo. E o verso, obedece, ordinariamente, a mesma pauta musical. Frouxo e ingênuo em Casimiro, largo e sonoro em Castro Alves, sarcástico e variado em Junqueiro, fúnebre e grave em Antero, filosófico e profundo em Augusto dos Anjos - sente-se ao ler cada um dos autores que veio do outro mundo para cantar neste instante, a inclinação do sr. Francisco Cândido Xavier para escrever "À la manière de..." ou para traduzir o que aqueles outros espíritos sopraram ao seu."

Uma coisa é dizer: "isto é parecido". Outra coisa é dizer: "isto é verdadeiro". Além disso, Humberto de Campos sugere que a semelhança dos poemas "espirituais" e dos de seus supostos autores deixados em vida parte da primeira impressão do leitor. Ele mesmo foi "assaltado" pelo "primeiro pensamento" de que o livro apresenta semelhanças.

Voltando ao livro de Juliano e Rebeca. A obra só "vale" - se é que ela pode valer alguma coisa - porque descreve os bastidores do documentário. No entanto, o livro se perde em supostas alegações "científicas", e até algumas posições bastante hipócritas.

Uma delas é sobre a suposta admiração de Chico Xavier pela Ciência, com base na declaração da longa entrevista feita para o programa Pinga-Fogo, do jornalista Saulo Gomes, em 1971. Escreveu Juliano Pozati, a respeito:

"O próprio Chico Xavier venerava a ciência com respeito e admiração. (...) O Chico não disse que seria um Papa que nos descortinará esse futuro imenso diante do universo. Não disse que seria um grande médium, um grande orador, um presidente da república ou um executivo de peso. Ele disse "a ciência", provavelmente porque sabia que os dogmas que limitam a nossa percepção do ABSOLUTO deveriam ruir, para o bem de nossa própria evolução".

Que mentira, que lorota boa! A linha de pensamento de Chico Xavier sempre foi em prol de um igrejismo mais convicto, com seus dogmas e paradigmas. Ele sempre apelava para as pessoas nunca questionarem as coisas, e via no questionamento, que é o combustível do trabalho científico, uma fonte de dissabores e um ninho de potenciais escândalos.

Além do mais, que "respeito à ciência" é esse, se supostos pioneirismos científicos atribuídos às obras de Chico Xavier não passam de mentiras já que ao "médium" se atribuem façanhas que, na verdade, já eram feitas por outros cientistas bem antes da publicação das obras "psicográficas" e, em certos casos, até antes de Chico nascer, como na hipótese de haver vida em Marte, analisada fartamente pelo astrônomo Percival Lowell.

Outra hipocrisia se refere à postura de Juliano Pozati, que diz ser adepto da ciência e descreve a obra O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, como seu livro favorito. A gente pergunta se Pozati realmente leu esse livro e se ele realmente tem certeza de que gosta muito dele.

Afinal, quem lê O Livro dos Médiuns com muita atenção e cautela - ou seja, abrindo mão das paixões próprias da fé religiosa - , e a edição brasileira deve ser a tradução de José Herculano Pires, mais próxima do texto original, sabe que, entre os diversos aspectos reprovados por Allan Kardec está procedimentos claramente observados não só em Chico Xavier, mas também em Divaldo Franco, que é entrevistado no documentário de Fábio Medeiros.

Há um capítulo considerado o mais maçante, em que Pozati - que parece ter escrito a maior parte do livro, mas há a colaboração de Rebeca Casagrande em várias passagens, além de um capítulo escrito só por ela - tenta "filosofar", de acordo com o "espiritismo" brasileiro, sobre aspectos psicológicos da alma humana, com divagações monótonas e prolixas sobre SER e ESTAR. Dispensável.

Mas a obra se destaca mesmo pela ideia de que a "terceira reunião" de Jesus e outros líderes do universo (!), como se fosse uma ONU dos planos astrais, algo que não tem muita lógica por seguir uma perspectiva materialista (até o "médium" Ariston Teles esnobou essa "reunião política" usando uma suposta psicofonia de Chico Xavier) iria prevenir a Terceira Guerra Mundial.

A ideia é tentar evitar o fim do "velho mundo", descrito através de relatos catastrofistas de Chico Xavier, revelados por Geraldo Lemos Neto, com uma "moratória" de 50 anos antes que Deus viesse castigar o planeta com desastres naturais que ocorreriam depois dos conflitos bélicos no Hemisfério Norte.

Embora o livro de Juliano e Rebeca não citassem esse lado catastrófico, eles enfatizam o contato com extraterrestres que ocorreria independentemente do "fim do velho mundo". Segundo o devaneio de Chico Xavier, os ETs compensariam as lacunas do "velho mundo" entrando em contato com a população terrestre remanescente.

Juliano e Rebeca também não enfatizam a ideia do Brasil ser "coração do mundo" e liderar o planeta como "pátria do Evangelho". Ambos preferem se limitar a dizer que a Terra teria que evitar o conflito bélico, promover "solidariedade" entre os povos e esperar que os ETs tragam mais sabedoria ao planeta.

Tudo isso num livro que poderia se limitar a uma centena de páginas. E tais relatos refletem a mistura do deslumbramento da fé religiosa com pretensões de pseudociência - Pozati fala até em "filosofia da Data-Limite", o que é um absurdo - , que fazem o livro, a exemplo do documentário, um total desperdício, por não trazer coisa alguma de realmente útil no âmbito do Conhecimento.

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