segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Autenticações de obras de José Medrado não procedem


Diante dos festejos de aniversário do "médium" José Medrado, há poucos dias, pela alta sociedade baiana - é de surpreender que José Medrado e Divaldo Franco sejam muito adorados pelos ricaços de Salvador, Christopher Hitchens que o diga - , foi lançado um romance "mediúnico", Interesses, que só falta virar rádio novela naquela corrupta emissora baiana, a Rádio Metrópole, do demagogo eletrônico Mário Kertèsz, barão midiático local.

Com tanta badalação, os "espíritas" acabam lembrando das atividades de José Medrado nas artes plásticas "mediúnicas", e aí chegam os exemplos da crítica de arte Matilde Mattos, membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte, e a mestranda da UFBA, Virgínia Muri (na foto, ao lado do próprio "médium"), dizendo que as pinturas e esculturas são "autenticamente espirituais", vendo nelas uma suposta identificação com os estilos originais dos autores alegados.

Nós observamos com muita atenção e cautela as pinturas que José Medrado atribui a vários autores espirituais - como Pierre-Auguste Renoir, Claude Manet e Edouard Monet, na pintura, e Aleijadinho, Frei Agostinho de Jesus e Camile Claudel, na escultura - vemos que não procede atribuir as autorias espirituais como autênticas, como Matilde e Virgínia classificaram.

Nós analisamos as pinturas, com o maior cuidado de pesquisa, comparando obras tidas como espirituais com as obras originais deixadas em vida, e nota-se uma disparidade aberrante de estilo. Monet, Renoir e Portinari, por exemplo, não correspondem seus respectivos estilos nas obras supostamente espirituais, que, no entanto, soam parecidas quanto ao estilo pessoal de José Medrado, que não mediu escrúpulos de usar uma mesma assinatura em todas elas.

As análises foram feitas em quatro diferentes artigos: 1, 2, 3 e 4. Neles verificamos detalhes de pintura e a forma como os objetos, rostos ou paisagens eram pintados, e, temos que garantir, José Medrado não recebeu espírito algum. Ele fez pessoalmente as pinturas, o que consiste numa fraude que, infelizmente, é vendida a preços caros como se fossem "relíquias".

NA ESQUERDA, PINTURA ORIGINAL DE PORTINARI. NA DIREITA, A DO SUPOSTO PORTINARI LANÇADA POR JOSÉ MEDRADO, O ESTILO DA PINTURA "MEDIÚNICA" NÃO PROCEDE EM RELAÇÃO AO ORIGINAL.

É lamentável que as pessoas, mesmo alguns críticos de arte, não observem as disparidades de estilo. Está muito claro que não são os espíritos que aparecem para pintar. As pinturas são parecidas entre si, mesmo quando o autor, o suposto médium, tenta reproduzir os estilos originais dos autores alegados, mas isso se torna impossível.

Os estilos nada têm a ver com os dos respectivos espíritos dos autores alegados, mas se parecem muito entre si, o que refletem tão somente o estilo pessoal do "médium". Acima vemos o caso de um São Francisco de Assis, por Cândido Portinari, e uma pintura atribuída ao mesmo autor, "psicografada" por José Medrado, e os estilos são muito diferentes, e a assinatura, então, não tem a ver com a do autor original.

CRISTO CARREGANDO A CRUZ, ORIGINAL DE ALEIJADINHO, E CRISTO DOLOROSO, QUE JOSÉ MEDRADO ATRIBUI AO ESPÍRITO DO ARTISTA BARROCO MINEIRO. ESTILO DA OBRA "MEDIÚNICA" NÃO PROCEDE COM O ORIGINAL.

Na escultura, ainda não fizemos um levantamento analítico, mas pegamos, como amostra, a forma como foi esculpido o rosto de Jesus na obra Cristo Carregando a Cruz, de Aleijadinho (apelido de Antônio Francisco Lisboa), e o Cristo Doloroso que José Medrado atribui ao espírito do artista mineiro.

Note que os estilos nada têm a ver entre si. O rosto de Jesus, por Aleijadinho, mostra uma face oval de olhos bem redondos e expressivos, e os lábios abertos e desenhados de maneira habilidosa, trazendo a dramaticidade do olhar aflito de Jesus com o sangue escorrendo de seu corpo ferido, no trabalho poeticamente esculpido pelo artista barroco.

Já o Jesus do Cristo Doloroso de José Medrado tem um rosto semi-quadrado, com um olhar mais frio e sisudo, sem a beleza lírica e dramática dos traços caraterísticos da obra de Aleijadinho. Não há como ver o artista mineiro no Cristo Doloroso. Os olhos não têm expressividade, os lábios também não, e tudo se resume a um busto que apenas reflete o estilo de José Medrado, até pelos traços terem similaridade com os dos rostos pintados ou esculpidos pelo "médium".

MUNDO ESPIRITUAL NÃO É "ESCOLINHA DO PROFESSOR RAIMUNDO"

O que pouca gente no Brasil consegue perceber ou tem coragem de admitir é que é praticamente impossível juntar uma grande turma de artistas para juntos lançarem obras num evento "espírita". Tudo parece bem intencionado, fascinante, encantador, mas é irreal e socialmente impossível de se acontecer.

Independente das obras serem fraudulentas ou não - elas demonstram serem mesmo fraudulentas - , é tecnicamente impossível que se possam reunir uma grande diversidade de pintores falecidos para uma atividade "mediúnica", porque vários deles já podem ter reencarnado e ninguém está aí para aparecer no Brasil como quem vai para a padaria da esquina.

Imaginem espíritos de diferentes épocas e lugares sendo juntados por um "médium" para fazer trabalhos, digamos, de pintura mediúnica. Isso não é possível. Esses espíritos têm destinos diferentes, vários deles já estão em alguma encarnação, muitos viveram em países distantes, não há um "médium" sair por aí dizendo "eu chamei toda a nata da História da Arte para trabalhar comigo".

Se há uma dificuldade para reunir uma turma escolar para a comemoração de 30 anos da classe, já que alguns não puderam vir e há casos de gente que já morreu, imagine então chamar pintores ou artistas plásticos de diferentes épocas, diferentes lugares.

Chamar artistas plásticos do além-túmulo não é como chamar uma geração de comediantes dos anos 1950-1960 para atuar com Chico Anysio, como havia feito na Escolinha do Professor Raimundo, nos anos 1990. Além do mais, vários desses comediantes já morreram.

Não, não dá. Espíritos não se juntam feito gado, com todo mundo junto para fazer uma atividade. Nem todo mundo está disponível. É como num festival cultural (música, teatro, artes plásticas) em que os produtores têm muita dificuldade para entrar em contato com artistas e agendar suas apresentações.

Ou então, no caso das artes plásticas, de combinar reunião de acervo e contato com pintores e artistas, não bastasse a elaboração de temas e outros critérios específicos. E nem todo mundo está aí para aparecer a qualquer momento.

Como na Terra, no mundo espiritual raramente as pessoas estão disponíveis para qualquer coisa. É aconselhável desconfiar do "médium" que promete reunir centenas de pintores falecidos de diversas épocas, diversos lugares e várias tendências. Isso indica uma grande fraude, pelas razões aqui apresentadas. Convém deixar a paixão religiosa de lado e tomar muito, muito cuidado.

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