OS IRMÃOS LEONARDO E RAFAEL PICCIANI.
No último dia 17, ocorreu a votação no PMDB para a escolha do líder do partido na Câmara dos Deputados. A vitória do carioca Leonardo Picciani contra o piauiense Hugo Motta pode até ser um sinal de declínio do poder do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, por ele defender o candidato derrotado.
Eduardo Cunha, famoso por suas propostas reacionárias, era apoiado pela família Picciani, representada politicamente pelo presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Jorge Picciani, e seus filhos, Leonardo, que reconquistou o cargo que antes exercia, e Rafael, deputado estadual licenciado por ser secretário de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro.
No primeiro momento, a vitória de um Picciani é positiva, por significar o declínio de um deputado como Cunha, que ameaçava romper com conquistas sociais defendidas pela Constituição Federal. A comissão que analisava o pedido de impeachment de Cunha também sofreu a baixa de um deputado integrante que na verdade era um aliado do presidente da Câmara Federal.
No entanto, se a situação favorece o governo de Dilma Rousseff, que vê se distanciar a ameaça de impeachment com o declínio de Cunha, ela representa um sinal amarelo para as causas sociais, não apenas pelo fato da família Picciani ser, segundo reportagem de O Estado de São Paulo, uma das mais ricas do Estado do Rio de Janeiro e detentora de grandes propriedades de terras.
MEDIDAS AUTORITÁRIAS
Afinal, não é porque a chamada "nata" do PMDB carioca - o grupo político do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e do governador fluminense Luiz Fernando Pezão - rompeu com Eduardo Cunha e passou a dar o "apoio irrestrito" à presidenta Dilma Rousseff que se tornou um grupo de fato progressista. O grupo político é famoso por adotar medidas de forma não menos autoritária que o deputado das "pautas-bomba".
Se, como líder do PMDB na Câmara Federal, Leonardo Picciani estabelecerá contatos e articulações para manter o Governo Federal até o fim, já que o PMDB faz parte da base aliada do governo Dilma e é o partido do vice, Michel Temer, o irmão Rafael, no cargo de secretário de Transportes carioca, está à frente de medidas reacionárias defendidas sob falsos pretextos técnicos de "otimizar" e "racionalizar" o sistema de ônibus carioca.
Empenhado em extinguir as linhas de ônibus que fazem ligação direta entre as zonas Norte e Sul do município do Rio de Janeiro, que aos poucos reduzem seus itinerários - as linhas para Zona Sul via Centro vão para a Praça 15, as que passam pelo Túnel Santa Bárbara vão para a estação Siqueira Campos em Copacabana, quase no lado do Leme e as do Leblon e Jardim de Alah vão para Siqueira Campos ou Botafogo - , Rafael também quer ver menos ônibus circulando nas ruas cariocas.
Com isso, vê-se a diferença. Para pior. Ônibus que saíam da Central semi-vazios, com cerca de dez passageiros, possibilitando uma lotação menos incômoda quando seguem pelo Aterro ou pela Av. Beira-Mar para a Zona Sul, hoje saem do famoso terminal rodoviário junto à estação de trem já com uma média de dez passageiros em pé, com todos os demais sentados.
Imagine se o plano de redução de itinerários e extinção de linhas concluir e 700 ônibus saírem das ruas do Rio se concluir. No que diz à ocupação do espaço em uma rua, um ônibus equivale a cerca de dois automóveis, só que transporta uma lotação que corresponde a cerca de 40 ou 50 automóveis. A retirada de um único ônibus nas ruas terá de ser compensada por um acréscimo de 50 automóveis, que ocupariam o espaço correspondente a 25 ônibus.
MENOS ÔNIBUS NAS RUAS SIGNIFICAM MAIS AUTOMÓVEIS CIRCULANDO
Se 700 ônibus forem retirados em circulação, um número estimado de 35 mil automóveis serão acrescidos nas ruas, e esse dado não leva em conta a influência publicitária dos comerciais de automóveis que congestionam os intervalos dos programas de televisão. Rafael fala em eliminar itinerários "sobrepostos", mas se esquece da sobreposição de propagandas de automóveis na televisão, em que um só intervalo de cinco minutos chega a mostrar até três ou quatro comerciais de marcas de carros.
Quando houve o escândalo da repressão policial a jovens moradores da Zona Norte que se dirigiam em praias da Zona Sul - bastava não estar com documento de identidade para ser detido pela Polícia Militar - , surgiram denúncias de que o fim das linhas diretas entre as duas zonas cariocas era um processo de discriminação social que prejudicava a ida e volta por ônibus da população suburbana, que teria que gastar mais em passagem, já que os percursos não cobriam o limite de horário do Bilhete Único.
As autoridades tentaram desmentir que o fim das linhas diretas - substituídas por "alimentadoras" Zona Norte X Centro e "troncais" Centro X Zona Sul - eram uma medida de "limpeza social" e que a medida seria para "otimizar" o sistema de ônibus. Houve até o paliativo de se criar uma "praia artificial" para os suburbanos "não precisarem" ir para a Zona Sul e a Barra da Tijuca (o corredor Barra-Madureira-Penha-Fundão também sofreu drásticas reduções de itinerários, eliminando linhas tradicionais e funcionais em prol de "alimentadoras" e "troncais"), a Praia da Rocha Miranda, no Parque Madureira.
"PRAIA DOS SUBURBANOS" TEM ÁREA EQUIVALENTE A 1/8 DE COPACABANA
Só que a "admirável medida", que em tese seria uma boa opção de lazer para os suburbanos, não passou de um grande fiasco. A "praia" que iria receber toda a população dos subúrbios - uma área que vai de São Cristóvão e Tijuca a Campo Grande e de Jacarepaguá ao entorno de Vicente de Carvalho a Inhaúma - não passa de uma pequena área de 500 m, cerca de um oitavo da extensão de Copacabana, o que não comporta uma demanda tão grande e bem maior do que os moradores da Zona Sul que querem ter exclusividade na praia junto, quando muito, aos turistas.
Como 500m de extensão, com um pequeno lago e as chamadas "cachoeiras artificiais" - na verdade um agrupamento de chuveiros - , o Parque Madureira ainda tem como defeito o horário limitado de funcionamento, de 9h às 20h. Esse horário, além de não permitir sequer caminhadas matinais e luaus noturnos, vai contra as recomendações médicas, já que o "grosso" do funcionamento da praia se dá em horários de sol mais forte, o que pode causar os conhecidos malefícios para a pele.
Mas as autoridades não querem saber disso. O Rio de Janeiro é decidido por uma minoria de políticos, empresários, dirigentes esportivos, executivos de mídia e publicitários. A "boa sociedade" é que aceita tudo isso numa boa, por achar que os "de cima" estão sempre com a razão.
Daí a cautela que se tem com o caso Picciani. Em primeiro momento, se aplaude a vitória de um antigo aliado que passou a ser opositor. Mas, em segundo momento, os cariocas não poderão mais comemorar alguma coisa na Zona Sul e nem o Reveillon será mais aberto ao povo, pois os moradores da Zona Norte vão ter que se contentar em festejar o Ano Novo no Piscinão de Ramos, na prainha de Rocha Miranda ou, quando muito, em algum boteco na Av. Pres. Vargas.
A vitória de Leonardo Picciani pode ter sido um fator para o gradual afastamento do poder do prepotente Eduardo Cunha mas traz o sinal amarelo da ascensão dos Picciani diante das arbitrariedades do irmão Rafael contra os suburbanos que vão e vêm de ônibus no Rio, que dão um verdadeiro sinal vermelho para a mobilidade urbana, tema tão falado e tão pouco compreendido.
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