sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Livro 'Data-Limite' viaja na maionese: "Menos religião"?


Sabe-se que o livro Data-Limite Segundo Chico Xavier, a exemplo do documentário, é uma grande perda de tempo, por dar atribuições proféticas a um sonho de quem dorme, criando suposições um tanto catastrofistas para forçar a ascensão e, quem sabe, a hegemonia de uma seita religiosa brasileira.

"Ah, mas não são sonhos comuns. São sonhos de Chico Xavier", dirão os chiquistas. Isto não procede. Se Francisco Cândido Xavier é visto como "autoridade máxima" da humanidade, nem por isso seu sonho possa ser visto como previsão de coisa alguma.

Autoridades da Organização das Nações Unidas sonham todos os dias quando dormem e nenhum deles se preocupa em atribuir a quaisquer de seus sonhos alguma profecia ou previsão. O presidente dos EUA, Barack Obama, sonha quando dorme e nem por isso contrai profecias. Nem o papa Francisco I, quando dorme, se preocupa em atribuir alguma profecia em seu sonho.

E olha que a reputação de "autoridade" ou coisa parecida atribuída a Chico Xavier é extremamente duvidosa e altamente discutível. Ele não pode ser líder de coisa alguma pelo conjunto da obra, por ter feito fraudes e apoiado as fraudes dos outros. E ainda defendeu a ditadura militar, justamente no momento em que as torturas se tornavam mais intensas.

O livro Data-Limite Segundo Chico Xavier, de autoria de Juliano Pozati e Rebeca Casagrande, é um festival de pretensiosismos, não bastasse a manipulação editorial que faz um livro de 350 páginas ter um conteúdo que caberia apenas em 100. O volume, quantitativamente, tem o conteúdo que caberia num volume da série Primeiros Passos da Brasiliense, se bem que, qualitivamente, o livro é mil vezes inferior.

Um dos pretensiosismos corresponde à postura pseudocientífica do "espiritismo" brasileiro. O livro é um produto da chamada tendência "dúbia", na qual o "movimento espírita", no discurso, exalta Allan Kardec e, na prática, comete as deturpações de sempre, contrariando os ensinamentos do pedagogo francês.

Sabe-se que o "espiritismo" brasileiro sempre seguiu a linhagem dos "místicos", ou seja, aqueles que fazem prevalecer a opção religiosa. Isso distancia da proposta kardeciana original, que enfatizava a ciência e as análises filosóficas.

O ceticismo de Kardec deu lugar a um "acreditar" viscoso e gosmento dos "espíritas" que, se afastando do professor, fizeram do "espiritismo" uma espécie de neo-catolicismo mais flexível, combinando valores morais do Catolicismo português, de tendência medieval, com práticas hereges de ocultismo e feitiçaria, também medievais.O "espiritismo" brasileiro é duplamente medieval, por excelência.

Mas aí passam os anos e, diante da crise do roustanguismo - o "movimento espírita" surgiu nas bases ideológicas de Jean-Baptiste Roustaing - , veio a tendência "dúbia" de hoje, que se ancora num novo carisma de Chico Xavier, trabalhado de forma "sóbria" pela Rede Globo, com base no que Malcolm Muggeridge fez como propaganda de Madre Teresa de Calcutá.

E aí, sabe-se: igrejismo travestido de ciência. E Juliano Pozati parece levar ao extremo essa postura tendenciosa, fazendo bajulação barata à ciência e chegando ao descaramento de dar como título de um dos capítulos a expressão "Menos Religião, Mais Espiritualidade".

Aí não dá para entender. Se ele adora tanto Chico Xavier, então ele deveria prestar atenção na vida do "médium", que foi um católico de valores morais ortodoxos, mas de rituais um tanto excêntricos, como a paranormalidade. Mas Chico rezava terços, orava Pai Nosso e Ave Maria, fazia novenas, colecionava imagens de santos e sempre exigia um pequeno altar para realizar preces.

Apesar disso, para Juliano Pozati, Geraldo Lemos Neto, a falecida Marlene Nobre, Divaldo Franco e outros, Chico Xavier era "cientista". E é isso que faz o "espiritismo" brasileiro se tornar confuso, irregular, incoerente e surreal. Essa onda de contradições que só desmoraliza, humilha e invalida todo o árduo trabalho feito por Allan Kardec em sua vida.

MENOS RELIGIÃO?

Pozati entra em contradição quando diz defender a noção de Espiritismo de Allan Kardec no sentido de busca de espiritualidade e evolução moral do ser humano. Ele chega a citar a ideia de que Kardec reprovava a concepção de religião como uma "instituição burocratizada", mas no fim reafirma o que ele acredita ser o tripé da Doutrina Espírita: Ciência, Filosofia e Religião.

E ele vai justamente para a fonte de deturpadores para explicar seu ponto de vista, citando uma passagem do livro Plantão de Respostas - Pinga Fogo, com base em depoimento de Chico Xavier ao famoso programa da TV Tupi de São Paulo e acrescido de alguns "ensinamentos" de Emmanuel. O trecho se refere a uma resposta dada por Chico Xavier ao programa:

Pergunta: O que a Doutrina Espírita pode dizer a respeito do fim dos tempos, isto é, como ocorrerá a transformação do planeta de provas e expiações para regeneração?

Resposta (Chico Xavier): Através da busca de espiritualização, superação das dores e construção de uma nova sociedade, a humanidade caminha para a regeneração das consciências. Emmanuel afirma que a Terra será um mundo regenerado por volta de 2057. Cabe, a cada um, longa e árdua tarefa de ascensão. Trabalho e amor ao próximo com Jesus, este é o caminho.

Aqui ocorre uma série de incoerências. O Chico Xavier que apelava aos sofredores para suportarem as desgraças "em silêncio" e "sem queixumes" fala em "superação das dores" como se fosse fácil um sofredor desperdiçar uma ou duas encarnações em desgraças e só poder trabalhar suas qualidades e projetos de vida cerca de 100 anos depois.

Dessa forma, o maior defensor da Teologia do Sofrimento, o "bondoso médium" que atuou em Pedro Leopoldo e Uberaba, usa de seu malabarismo discursivo para tentar plantar otimismo oco no público que assistia a um programa de televisão.

Outra incoerência é a aberrante violação que Chico Xavier fez contra uma das recomendações de Allan Kardec, que sempre alertou que marcar datas fixas para a evolução da humanidade é um indício de mistificação. Mesmo que a sociedade esteja regenerada em 2057, não será de parte da suposta previsão de Chico Xavier, mas tão somente de circunstâncias que podem haver na época.

Outro caso é um certo etnocentrismo religioso, já que Chico Xavier descreve o "amor ao próximo com Jesus" como único caminho para a evolução da humanidade. Por mais respeitável que tenha sido a figura de Jesus de Nazaré, nem todos o reconhecem como profeta maior.

Há pessoas que não têm a menor ideia de quem teria sido Jesus, e, no caso de grupos como os muçulmanos, que preferem Maomé como seu profeta maior, a referência é outra. Isso sem falar de pessoas que duvidam que Jesus tenha existido. Essas pessoas seriam amaldiçoadas por conta de posturas tão diferentes do cristocentrismo do Ocidente?

A ideia do "amor ao próximo com Jesus" não seria uma ênfase aos dogmas religiosos, já que o Jesus que Chico Xavier acredita não é o ativista que viveu na Judeia e ainda carece de estudos arqueológicos, historiográficos e antropológicos para conhecer seu verdadeiro valor como agente histórico e social, mas o mito trazido para as pessoas através da interpretação da Igreja Católica, que não obstante é deturpada e estereotipada.

A declaração de Juliano Pozati, que, pelo jeito, acredita, em suas fantasias infantis, que Chico Xavier era um "cientista", "intelectual" e "filósofo", sem ter realmente quaisquer dessas qualidades, só foi uma grande "viagem na maionese". Não bastasse todo o rol de besteiras que simboliza o livro, que toma como fonte um reles sonho que alguém teve enquanto dormiu.

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