sexta-feira, 1 de abril de 2016

Allan Kardec teria reprovado 'Parnaso de Além-Túmulo'


O Brasil não costuma, salvo em valiosas exceções, raciocinar com isenção as coisas. Daí o deslumbramento com ídolos e símbolos religiosos, um fascínio cego, um encanto entorpecedor, que deixa as pessoas embriagadas àquilo que entendem ser "energias de amor" que cria ilusões de percepção muitíssimo graves.

Daí que essas "energias de amor", que deixam as pessoas na ilusão de se acharem tão seguras e protegidas por energias supostamente elevadas, mas que, à menor contrariedade, se alteram em reações de rispidez e pânico, o que mostra a fragilidade destas vibrações que nada têm de elevadas.

Por isso é compreensível que os defensores de Francisco Cândido Xavier se assustem com as críticas severas, porém realistas e consistentes, que a comunidade literária faz contra seus livros, principalmente a "série Humberto de Campos" e o livro Parnaso de Além-Túmulo, pastiches literários de fácil identificação, desde que observados com cautela e sem paixões de cunho religioso.

Sobre Parnaso de Além-Túmulo, Allan Kardec teria reprovado com firmeza e imediatismo a obra, por verificar que nada dos poemas e prosas publicados têm relação com os estilos pessoais dos autores alegados. É bom lembrar que Kardec rejeitou a maioria das supostas psicografias que recebeu de outros médiuns de seu tempo.

Ele não cansava de dizer que era difícil identificar um espírito, de tal forma que ele estabeleceu, em seus livros, critérios dos mais cuidadosos para considerar uma identidade espiritual. Questões de estilo, de traços pessoais, entre outros aspectos relacionados com o contexto.

Os "espíritas" brasileiros também são imprudentes no caso de considerar a identidade apenas pelos aspectos de semelhança. É fato que o falso tem como finalidade a maior semelhança possível com o verdadeiro. Produtos falsificados são produzidos para que parecessem o máximo com os verdadeiros.

Portanto, não é a semelhança que, por si, garante veracidade, pois, se existe uma diferença que entra em séria contradição, o sentido de veracidade e autenticidade são anulados, sem qualquer hesitação e de maneira definitiva. Porque é a diferença que denuncia a farsa da aparente semelhança.

Um grande mal-entendido é observado no "movimento espírita" diante da interpretação apressada e equivocada da pergunta 256 de O Livro dos Médiuns, na tradução de José Herculano Pires, que diz, com as seguintes palavras, num trecho:

256. À medida que os Espíritos se purificam e se elevam na hierarquia, as caraterísticas distintivas de sua personalidade desaparecem, de certa maneira, na uniformidade da perfeição, mas nem por isso deixam eles de conservar a sua individualidade. É o que se verifica com os Espíritos superiores e os Espíritos puros. Nessa posição, o nome que tiveram na Terra, numa das mil existências corporais efêmeras por que passaram, nada mais significa. 

Lido ao pé-da-letra, o trecho faz a festa dos "espíritas" para os quais vale qualquer mensagem, sem considerar estilos nem aspectos pessoais, desde que transmitindo o que entendem como "mensagens de amor" e "apelos à fraternidade", mas que nós, por critérios lógicos, entendemos como propagandismo religioso.

O que Allan Kardec disse não significa que se permita que mensagens "qualquer nota" sejam lançadas, atribuídas a espíritos do além, que mostram diferenças tão aberrantes que um mesmo espírito usado por um "médium" se manifesta de forma diversa e até antagônica em relação a outro "médium".

Kardec falou que o espírito, quando atinge sua perfeição, perde, "de certa maneira", suas caraterísticas distintivas. "De certa maneira" não é "de forma absoluta". E Kardec enfatizou: "nem por isso deixam eles de conservar a sua individualidade", ou seja, os traços distintivos não desaparecem em todo.

A análise atenta a esse trecho derrubaria, de uma só vez, a "psicografia" de Chico Xavier, sobretudo Parnaso de Além-Túmulo. Como um professor de brilhante formação cultural, poliglota, observador, cético e muito rigoroso nos critérios, Kardec não iria aceitar um livro desses, mesmo que admitisse haver "palavras boas" em seu conteúdo.

Ele mesmo disse que as "palavras boas" são justamente as que exigem maior cautela, porque podem esconder indícios de mistificação. Além do mais, ele observaria contradições severas de estilos, o que o faria "ser obrigado" a anular Parnaso de Além-Túmulo e outras obras de Chico Xavier no sentido de psicografias verídicas.

Ele não se iludia com discursos de "bondade", porque a bondade não se divorcia da lógica e da coerência. Bondade que se sustenta acima da lógica e da coerência não é bondade, é algo maligno e traiçoeiro.

Até porque lógica e coerência são qualidades da honestidade, e a bondade que se permite mentir e enganar para garantir o "pão dos pobres" equivale a uma "lavagem" de dinheiro roubado para instituições de caridade. Bondade que é cúmplice da roubalheira e da esperteza.

Por isso, Kardec daria sua avaliação segura aos livros de Chico Xavier: NOTA ZERO. Como um professor que reprova um aluno que se faz de bondoso e gentil, dá maçã para o professor, mas compreende muito mal as lições. Se o aluno fez tudo errado na prova, ele será reprovado, e se isso não tiver recuperação, repetirá de ano. Por mais que pareça bonzinho e simpático a todos.

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