quinta-feira, 28 de abril de 2016

Você não abandonou os outros. Os outros é que lhe abandonaram


A chamada sociedade pós-moderna, ao dar xeque a muitos contextos sociais e culturais, cria situações surreais de diversos níveis. Sobretudo quando se descobre que as mídias sociais se tornaram um antro de estupidez e, não raro, de muito reacionarismo.

Em regiões como o Estado do Rio de Janeiro, esse surrealismo encontra vários exemplos, muitos deles tragicômicos. Como nos fóruns de certas comunidades, em que um problema é relatado e todos os internautas reclamam, em concordância unânime, nos comentários escritos.

No entanto, é só um deles partir para a ação concreta, ele passa a receber ameaças, é humilhado, criticado e ainda por cima tem sua página de recados lotada de ofensas e ameaças violentas e sarcásticas.

Pior: se essa pessoa cria uma comunidade chamada "Eu Odeio o Problema Tal", ainda recebe mensagens de algum amigo dizendo: "Olha, se eu fosse você tirava essa mensagem do ar, não vale a pena, deixe isso para lá".

As pessoas preferem o consumismo de emoções baratas, a realidade virtual, um estilo de vida pedante no qual existe uma falsa consciência social, um falso altruísmo, uma alegria forçada e apenas indignações mesquinhas como o ódio ao PT.

As pessoas acabam se tornando desonestas, fingidas, pretensiosas, arrogantes e narcisistas, incapazes de terem autocrítica. O erro agora é defendido pela desculpa do "Quem Nunca?". Pessoas escrevem errado e fazem questão de serem consideradas "inteligentes". Se ofendem quando não são assim reconhecidas.

A inversão ideológica é motivada pela desinformação aliada ao pedantismo e ao pretensiosismo de parecer socialmente "mais avançado". Pessoas com ideias de extrema-direita se dizem "de esquerda". Mulheres siliconadas com orgulho de serem mercadorias sexuais se dizem "feministas". Pessoas retrógradas se passando por "progressistas", pessoas estúpidas usando argumentos "racionais" para suas opiniões irracionais.

"MULTIDÕES SOLITÁRIAS"

Mas, descontando os aspectos abusivos, a cegueira consumista também cria uma situação inusitada. A de que um único cidadão com perfil diferenciado que não compartilha do consumismo de outros é simplesmente abandonado por eles.

Isso rompe com aquela ideia de que é o indivíduo "recluso" que abandona os amigos e se isola em seu ambiente. Não, não é ele que larga os amigos, são os amigos que abandonam ele, isolados na "multidão solitária" que "navega" no mar à deriva das mídias sociais.

Se a pessoa "reclusa" não tem conta no WhatsApp e quase não visita o Facebook, aparentemente é ela que "abandonou" os amigos. Mas a verdade é que as pessoas "mais sociáveis", que até se reúnem em grupo nos bares da vida, abandonaram o recluso que não adere aos passatempos da moda.

É um Brasil de valores invertidos em que a mulher que é independente, culta e inteligente depende da "sombra" de um marido poderoso, enquanto a mulher que possui personalidade submissa (se não aos homens, pelo menos aos valores da grande mídia, controlada também por alguns homens), aprecia valores culturais duvidosos e é mais piegas do que inteligente, acaba dispensada de ter um homem.

A ideia do "sistema" é frear o feminismo e filtrar a vida emancipada das mulheres independentes com a figura tradicional do marido poderoso, num último esforço do machismo em controlar os ímpetos feministas das mulheres. Já a mulher-objeto pode ficar solteira e sozinha, por seguir a cartilha machista, e reduzir o contato com um homem através das brincadeiras com seu pequeno afilhado.

Só que a sociedade hipermidiatizada desconhece isso. Muitos acreditam que aquela mulher independente e fascinante pelas boas ideias e pelos gostos interessantes não surgiu no contexto machista de seu marido poderoso, político ou empresário.

Da mesma forma, poucos conseguem admitir que aquela funqueira que desenvolveu seus "atrativos" dentro da visão machista da mulher reduzida a uma mercadoria erótica não seja uma "feminista", havendo quem até falasse em "um novo tipo de feminismo que não conhecemos (?!)".

Só isso já ilustra um contexto de incompreensões, contradições, confusões. E é ilustrativo que, neste cenário, visões igualmente sentimentalistas e subjetivistas criem reações inversas e parciais contra Lula e Dilma Rousseff e a favor de Divaldo Franco e Chico Xavier.

Sem apresentarem visões coerentes nem teses precisas, as pessoas despejam um ódio cego a Lula e Dilma Rousseff, através de uma corrupção aceita sem qualquer comprovação. Quanto a Chico e Divaldo, eles têm irregularidades comprovadas, e as pessoas os aceitam com a adoração cega de incautos tomados do mais obsessivo deslumbramento, como que dopados por algum alucinógeno.

As mídias sociais mostram isso, desde calúnias contra Dilma e Lula e frases "bonitas" de Chico Xavier, que poucos percebem serem reacionários preceitos da Teologia do Sofrimento, entre outros valores conservadores próprios do "médium" erroneamente tido como "moderno" e "progressista".

As pessoas deixam de perceber as coisas e, na realidade virtual, têm a chance de montar um "mundo todo seu" de convicções pessoais tidas como "verdades absolutas". É sintomático que, no Brasil, as pessoas tenham se tornado mais provincianas nos últimos 15 anos, superando até mesmo os tempos em que mal tínhamos redes de televisão "costuradas" de antena em antena, antes do satélite.

OS INCOMODADOS QUE SE ISOLEM

Quem é o verdadeiro incomodado? É o recluso ou o diferenciado que "reclama demais" na Internet? Não. São as pessoas que não aceitam ver gente reclamando, porque sabem que terão a responsabilidade de arcar com os problemas expostos pelo "garoto-problema".

Dificilmente se admite essa realidade. Geralmente, atribuímos a um indivíduo uma culpa, pois é fácil atribuir um erro a uma única pessoa. Grupos não podem ser culpados, porque temos apenas a ideia quantitativa da validade social, se mais pessoas aderem a algo, elas necessariamente estão sempre com a razão. O que nem sempre é verdade.

No ideário conservador, corroborado pelo "movimento espírita", as pessoas que "reclamam demais" são tidas como "problemáticas", "mal-humoradas", "intolerantes", "chatas" e "insuportáveis". Em contrapartida, ninguém diz que o rapagão que só conta piadas e tem um jeitão cínico mas festivo é alguém com neuroses sociais.

Muitos dos responsáveis por comentários ofensivos e depreciativos nas mídias sociais são pessoas consideradas pelo jeitão piadista. Os casos que envolveram famosos, como a atriz Taís Araújo, desmascararam a ilusão de que o "problemático" é o rapaz que "reclama da vida", mostrando que são os homens "irreverentes", que inspiram muita simpatia e adoração, que despejam as piores ofensas sociais.

É como no bullying da escola. Muitos valentões que humilham e até violentam rapazes considerados "estranhos" e "solitários" são considerados pela multidão da escola pessoas simpáticas, descontraídas, tão atraentes que se tornavam animadores de excursões escolares, tamanho o carisma que conquistaram dos colegas.

A sociedade mostra-se impotente em ver a complexidade da vida, e se esquece que muitos dos rapazes "hilários" das mídias sociais possuem neuroses ocultas e se tornam mais "garotos-problemas" que aquele rapaz que "reclama demais".

Muitas vezes, o rapaz que "reclama demais da vida" quer divulgar os problemas que o incomodam na esperança de que outros os resolvam, mas por trás desse perfil há uma pessoa alegre e gentil, enquanto o rapagão "de bem com a vida" que só conta piadas esconde um indivíduo traiçoeiro dotado dos mais cruéis preconceitos sociais.

É com esse nível de inversão é que as pessoas "sociáveis", que vão a um bar se reunirem no fim de noite, que são as mais isoladas e fechadas. E são elas que ditam o padrão das mídias sociais, do inconsciente coletivo que se perde nos valores estabelecidos pela mídia e pelo mercado.

Os extrovertidos ficam introvertidos com os introvertidos. Os egoístas pedem o altruísmo dos outros. Os estúpidos que não respeitam querem ser respeitados como sábios. As pessoas que pedem amor são incapazes de amar. A amizade nas mídias sociais, muitas vezes, não consegue se efetivar fora do âmbito dos computadores e celulares. E por aí vai, nessa bagunça de valores decadentes e viciados.

São elas que acabam abandonando o "recluso" que apenas não se interessa muito pelo WhatsApp, e são elas que criam uma "solidão em rede", isoladas com seus celulares na busca obsessiva de mesmice travestida em novidade pelas mídias sociais. Enquanto isso, o "recluso" quer ter uma vida social de verdade, só não encontra companhia para isso. Todos se isolaram no "zap-zap".

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