quinta-feira, 21 de abril de 2016

O "Padrão Globo de Caridade"


Existem sérios problemas quando se atribui a Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco o privilégio da "melhor filantropia". Esse discurso de "bondade" que inocenta os dois até da culpa da deturpação da Doutrina Espírita, através de uma argumentação confusa de que eles "honram" o Espiritismo porque "são bondosos", esconde aspectos graves que merecem serem levados em conta.

Em primeiro lugar, prevalece a desculpa de que o "espiritismo" brasileiro é a "religião da bondade". Pode cometer sérias contradições com o pensamento de Allan Kardec, com erros doutrinários claramente observados nos livros de Chico Xavier e Divaldo Franco, mas a "caridade" e a "bondade" são usadas como escudos contra qualquer acusação ou investigação.

Isso é muito grave porque bondade não tem religião. Atribuir como diferencial do "espiritismo" a bondade restringe essa qualidade a um movimento religioso que, com suas irregularidades e seus equívocos diversos, atrai a simpatia das pessoas por causa do aparato ideológico que traz.

Afinal, o "espiritismo" aparentemente, não cobra dinheiro por seus serviços, não se aparenta uma religião "fechada" e até seu igrejismo sugere um pretenso ecumenismo, que faz as pessoas dormirem tranquilas com esse "catolicismo à paisana", aparentemente "flexível".

Poucos percebem, mas tudo isso vem de um marketing religioso trazido pelo poder das Organizações Globo. É ela que realimentou o mito de Chico Xavier, baseado no que Malcolm Muggeridge fez com Madre Teresa de Calcutá, através de estereótipos de filantropia que se tornam um discurso perfeitamente construído, tal qual um conto de fadas.

É tudo bem construído. Uma narrativa simplória, tranquila, sem conflitos. Pessoas doentes e miseráveis atendidas por uma pessoa religiosa, acolhidas em uma casa, recebendo alimentação e tratamentos aparentemente modestos e eficazes. Crianças tomando sopa, brincando ou aprendendo a ler e escrever. O ídolo religioso atendendo os sofredores, depois de ser acolhido pela multidão.

Esse discurso deslumbra muita gente, fascina muitas pessoas, que acreditam que é esse tipo de caridade que traz transformações profundas na humanidade. Mas não traz. É uma caridade paliativa, que até ajuda um pouco, mas está longe de garantir os festejos e as admirações entusiasmadas que recebe das pessoas.

O PODER DA GLOBO

O que é assustador em nosso país é que o poder da Rede Globo, o principal veículo das Organizações Globo, exerce influência até em parte de seus detratores. A capacidade de uma corporação midiática em inserir hábitos, gostos, pontos de vista e atitudes até em quem diz odiar a rede televisiva é estarrecedor.

Temos a influência de Luciano Huck na juventude brasileira, que atinge uma boa parcela de pessoas que consideram o apresentador um "idiota" (usamos aqui um sinônimo de um conhecido palavrão). A sua gíria "balada" é um exemplo de como um apresentador pode criar um jargão para uso "universal".

Não nos esqueçamos também do poder influenciador de Galvão Bueno, que conduz o comportamento dos fanáticos por futebol, inclusive de quem o detesta, ou Fausto Silva, que dita o gosto musical do grande público, atingindo quem o acha "ridículo". Muitos opositores de William Bonner ainda pensam o Brasil e o mundo como se fizessem parte da equipe editorial do Jornal Nacional.

E é isso que faz com que, em relação aos ídolos religiosos, as pessoas não percebessem que Chico Xavier havia sido adotado pela Rede Globo, já nos anos 1970, dando por encerradas as hostilidades entre Roberto Marinho e o "movimento espírita".

O "Padrão Globo de Caridade", discurso que é aplicado nas campanhas do Criança Esperança, é que dita essa concepção de "bondade" e "caridade" que, numa sociedade complexa como a brasileira, é antiquado e não causa transformações profundas na sociedade, apenas "melhorando" a vida das pessoas sem que se possa interferir num sistema de classes marcado por injustiças e desigualdades.

Além disso, há o dado bastante tendencioso de que a caridade só é "boa" quando feita sob a sombra de alguma religiosidade, mesmo quando a instituição se apresenta como laica. A religiosidade está na forma de ensino e divulgação de "bons valores". Quando ela é feita de maneira realmente laica, ela é vista como "perversa", como se fosse uma "máquina de manipulação ideológica".

A "MELHOR CARIDADE" É A QUE "NÃO MANIPULA", MANIPULANDO

Isso é coisa de maluco. A educação que manipula religiosamente as pessoas é "saudável" porque "não manipula". A educação que não manipula religiosamente é "nociva" porque é uma "fábrica de ideologia". Isso é uma grande doideira, mas é assim a visão oficial.

Evidentemente, o projeto educacional da Mansão do Caminho vai introduzir conceitos igrejistas, meio "sem querer querendo". Divaldo Franco é, a exemplo de Chico Xavier, um católico que se intrometeu na Doutrina Espírita e a corrompeu inserindo conceitos e valores que não corresponderam ao que foi codificado por Allan Kardec.

Além disso, o programa educacional pode até ser eficaz em alguns aspectos, mas é inócuo. De fato, ensina a escrever, ler, aprender um ofício, fazer as contas. Mas a coisa para por aí, porque, sendo uma instituição religiosa, a Mansão do Caminho não foge do objetivo de criar "cidadãos-carneiros", por seu ideário seguir o "espiritismo" catolicizado que conhecemos.

Existe uma manipulação sutil, tão sutil que ela vem sob o rótulo de "valores positivos", o que tranquiliza a "boa sociedade". Já a educação laica, como se vê, por exemplo, no Método Paulo Freire, embora os efeitos sejam mil vezes mais transformadores que os da Mansão do Caminho, são vistos como "nocivos", porque supostamente impelem os beneficiados ao "conflito".

Daí a visão maluca que, no entanto, esconde um conservadorismo religioso. É mais "transformadora" uma "caridade" que não transforma profundamente, que beneficia sem mexer no "vespeiro" dos privilégios dos poderosos, do que uma caridade que realmente transforma, mas cria tensões quando ensina as pessoas humildes a ver o mundo de maneira crítica e questionadora.

As pessoas acham isso natural, mas a verdade é que temos uma fórmula matemática. Para uma ideologia manipuladora como a da Rede Globo, a verdadeira manipulação "inexiste", enquanto a anti-manipulação é que é "manipuladora".

Dessa forma, a "melhor caridade" é aquela que não traz transformações profundas, apenas cria cidadãos com um mínimo de capacidade de sobrevivência na selva moderna, sem todavia interferir nos privilégios de classes e sob o pretexto de "não causar conflitos". Já a caridade verdadeira, que ameaça os privilégios dos "confortáveis", ela é vista como "nociva" por causa das tensões a serem provocadas.

Afinal, para melhorar a vida das pessoas, os privilegiados têm que ceder. Mas eles não cedem. Isso é que traz tensão. Já no âmbito religioso, gente como Divaldo Franco demonstra consentimento com a sociedade de classes, quando vai discursar para poderosos e ricos sem cobrar deles alguma providência, e mais para bajular os detentores da fortuna e do poder.

Não nos devemos esquecer que Chico Xavier e Divaldo Franco sempre foram figuras ultraconservadoras, personificando tipos antiquados de beatos religiosos, associados a valores morais que, por mais que pareçam agradáveis a muitos, são em muitos aspectos ultrapassados e socialmente limitadores.

Por isso concluímos que aqueles que consideram Chico Xavier e Divaldo Franco "símbolos máximos de caridade", pensando que estão sendo progressistas com isso, na verdade estão sendo rigorosamente conservadores. E, sem saber, eles acabam acreditando no Padrão Globo de Caridade, uma caridade que não confronta, que conforta os humildes sem mexer nos privilégios abusivos dos ricos e poderosos.

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