sexta-feira, 15 de abril de 2016

Mais comparação sobre Humberto de Campos e sua suposta obra espiritual


Vamos comparar aqui dois textos que levam o nome de Humberto de Campos. O primeiro se refere à suposta obra espiritual, que se demonstra inverídica, em mais uma amostra que publicamos, do livro Reportagens de Além-Túmulo, capítulo 29, "O Diagnóstico".

O segundo, de um capítulo do livro Grãos de Mostarda, que o autor maranhense deixou em vida, publicado em 1926. O capítulo intitula-se "O Purgativo". Nele observa-se o senso de humor que inexiste na obra espiritual, por mais que ela tentasse imitar o estilo de Humberto. A obra trazida por Chico Xavier continua sendo um texto pesado de se ler, com narrativa melancólica e igrejista.

Nota-se, também, que o texto "mediúnico" faz uma propaganda do "espiritismo" brasileiro, através das reclamações de um enfermo estereotipado, que duvidava dos receituários "espíritas" e só confiava na "ciência da Terra". É certo que a propaganda não se refere, em verdade, à doutrina de Allan Kardec, mas à sua deturpação igrejeira praticada no Brasil.

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O DIAGNÓSTICO

Francisco Cândido Xavier - Atribuído supostamente a Humberto de Campos - Reportagens de Além-Túmulo - FEB, 1943

   Antes da reunião, Tomé Colavida imprimiu a carícia habitual aos bigodes longos, fisgou a médium Dona Eulália com um olhar de prevenção e dirigiu-se ao orientador dos trabalhos, atenciosamente :
   – Senhor Martinho, vejamos o caso de meu diagnóstico. Iniciados os serviços psicográficos, espero que o receitista me não falte com os esclarecimentos técnicos, relativamente aos meus males orgânicos. Imagine o senhor que já visitei diversos agrupamentos sem resultado satisfatório.
   – Não obteve definições precisas? – indagou o bondoso diretor da reunião, demonstrando fraternal interesse.
   – Nunca. Frequentemente, recebo mensagens de Acácio, amorosa entidade que se afirma amigo de outras eras; todavia, suas elucidações não me satisfazem. E vivo desalentado, aflito. Desde muito, permaneço arredio da Medicina. Meu sobrinho Sinfrônio, clínico de renome, aconselhou-me exames detalhadas. Entretanto, perambulei em vão, através de laboratórios, por mais de dois anos e, de alguns meses para cá, vivo interessado no Espiritismo, procurando, porém, inutilmente, a solução do meu caso, pelas salas mediúnicas.
   – Mas, não terá obtido conselhos, receituário, indicações? – inquiriu Martinho, emocionado.
   – Sim – esclareceu o doente –, semelhantes recursos não me têm faltado; contudo, que me vale o roteiro sem nomenclatura? Necessito obter o diagnóstico de minha verdadeira situação. Creio não andaria bem avisado se usasse remédios, ignorando quais os sofrimentos físicos. Preciso esclarecimentos exatos, diretrizes francas. Apesar, porém, de minha insistência, os Espíritos nunca traçaram o diagnóstico desejado. Aconselham-me, atendendo talvez a minha ansiedade, com a panacéia das boas palavras. Entretanto, isto não serve ao meu temperamento amigo da verdade.
   Martinho sorriu paciente e obtemperou:
   – Em todas as coisas, meu amigo, há que considerar os desígnios providenciais de Deus.
   – Mas não estou contra Deus – objetou o doente, numa expressão de superioridade. – Se é que os desencarnados vêem nossa máquina orgânica, externa e internamente, por que semelhante esquivança aos meus pedidos reiterados? Sabem acima dos médicos, enxergam mais que os raios X, auscultam além da epiderme. Donos de tamanhas possibilidades, por que a negação de algumas palavras que me aclarem as dúvidas? Medicar-se alguém, sem o conhecimento da própria situação, constitui grave perigo. Simples receituário não satisfaz ao homem observador e inteligente.
   O orientador da reunião não quis alimentar a palestra e permaneceu em silêncio, convidando, em seguida, os presentes à oração habitual.
   Terminados os trabalhos, a folha de papel que relacionava o nome de Colavida não exibia coisa alguma, além de certas indicações para tratamento. Nada de explicações técnicas, nada de terminologia científica.
   – E o diagnóstico? – perguntou o enfermo, desapontado, fitando a médium, entre a desconfiança e a censura.
   – Não recebi qualquer observação, neste sentido murmurou Dona Eulália, humilde e tímida.
   – Ora, ora, Sr. Martinho – disse Tomé ao diretor dos trabalhos –, às vezes chego a pensar que este movimento de comunicações com o outro mundo não passa de grosseira mistificação. Peço definições médicas e respondem-me com apontamentos de alimentação e nomes de tinturas! Aonde iremos com isso?
   Depois de mirar Dona Zulália, de alto a baixo, com ares de zombaria, perguntou:
   – Quem receita por seu intermédio?
   – É o Dr. João Crisóstomo de Toledo, que foi antigo médico nestes sítios.
   Tomé riu, sarcástico, e acrescentou:
   – Parece que ele anda desmemoriado e completamente alheio à Medicina. Este Espírito deve ser um espertalhão.
   A esta altura, Martinho adiantou-se:
   – Mas, Sr. Colavida, nesta casa não temos o direito de insultar benfeitores. Não somente os Espíritos amigos, mas também Dona Eulália não nos pedem retribuição alguma. Os mentores espirituais, certamente, sacrificam-se bastante, vindo até nós, e a médium abandona sagradas obrigações domésticas para atender aos nossos apelos. Não desconheço as nossas deficiências e admito que a nossa tarefa esteja repleta de falhas e erros que a experiência corrigirá; mas, seria justo acusar de embusteiros os que se devotam ao trabalho, com amor e renunciação?
   Tomé percebeu o terreno falso em que se colocara, pedindo desculpas, invocou o famoso subconsciente e rogou fosse admitido à próxima sessão, recebendo as melhores expressões de fraternidade por parte dos companheiros ali reunidos.
   Na semana seguinte, repetiram-se os mesmos comentários, com a teimosia renitente de Colavida, a boa-vontade de Martinho e a natural timidez de Dona Eulália. O enfermo estava ansioso. Solicitava pareceres do médico desencarnado, emitia observações técnicas e, por último, pedia, se possível, o comparecimento de Acácio, o amigo invisível, para maior esclarecimento da situação. Findos os trabalhos da noite, verificou-se que João Crisóstomo lançara no papel as mesmas recomendações anteriores, sem omitir uma vírgula. Nada de nomear a enfermidade do consulente. Acácio, contudo, escrevera-lhe mensagem ponderada e afetuosa.
   – «Meu irmão – dizia ele, revelando intimidade e carinho –, não aguardes um diagnóstico que nos seria difícil fornecer. Vale-te da cooperação do amigo espiritual que te ministrou indicações tão úteis e procura pô-las em prática. Por que impor condições aos que te beneficiam? O grande problema não é o de receberes uma frase complicada, à guisa de definição, mas sim buscares a restauração das tuas energias, cheio de boa-vontade. O diagnóstico, Tomé, nem sempre pode ser perfeito e nem sempre se ajusta às finalidades da renovação orgânica. O corpo do homem é uma usina de forças vivas, cujos movimentos se repetem no tocante ao conjunto, mas que nunca se reproduzem na esfera dos detalhes. As dores de cabeça são idênticas nas sensações que proporcionam, mas quase sempre desiguais nas origens. Como te oferecer um diagnóstico exato, se amanhã sensíveis modificações podem ocorrer em tuas células mais íntimas? Não te furtes ao benefício, apenas porque não podes impressionar os olhos mortais com meia dúzia de termos indecifráveis. Trata-te, meu amigo! o tempo é precioso. Cuida da maquinaria física, aceita a bondade do Eterno Pai, sem cristalizar o pensamento nas normas secundárias da ciência terrestre. Lembra que te amamos intensamente e desejamos teu bem-estar.»
   Leu Colavida a mensagem afetuosa, volvendo irritadiço;– Afinal, estou sem compreender coisa alguma. Sinto-me doente, cansado, peço esclarecimentos que satisfaçam e os invisíveis me dirigem exortações?!
   E, fixando o olhar na médium, rematava:
   – Francamente, minha decepção é sem limites. Martinho, na fé serena que lhe assinalava as atitudes, ajuntou tranqüilo:
   – É o que merecemos, meu amigo. Desejávamos receber o diagnóstico, mas ...
   Tomé coçou nervosamente a cabeça e cortou-lhe a palavra:
   – Nada de reticências. Presenciamos verdadeiros fracassos. D que lastimo é o tempo perdido a procurar elucidações, quando me asseveravam que o Espiritismo é fonte de verdade. Onde a franqueza nestas farsas em que venho pondo minhas melhores esperanças? Em todos os Grupos, apenas encontrei material incompleto, entre médiuns
supostamente humildes e doutrinadores pretensamente inspirados. Estou farto. Não vim procurar consolações, mas informes necessários. Estes Espíritos, contudo, devem andar lá no Alto à maneira dos asnos cá em baixo. Em toda parte é dissimulação, ignorância, fanatismo. Solicito diagnóstico e lançam-me recomendações estranhas a todo conhecimento de posologia. Abandonarei minha experiência, convencido de que Espiritismo e mediunidade são duas tolices mundiais.
   Os companheiros já se haviam retirado. Apenas Martinho e Dona Eulália permaneciam ali, suportando heroicamente a neurastenia do enfermo malcriado. Reconhecendo-lhe a irritação, dispunham-se ambos a abandonar o recinto, em silêncio, quando, ao primeiro gesto de despedida, Tomé procurou retê-los ansiosamente:
   – Por quem são! ajudem-me!... Não desejo sair, experimentando tamanha impressão de abatimento moral. Quero a verdade, senhor Martinho. Auxilie-me na consecução deste propósito. A falta do diagnóstico desejado acabrunha-me. Sinto que tudo é mentira em torno de meus passos.
   E depois de fixar a médium, ansiosamente, concluiu:
   - Dona Eulália, se esses Espíritos que a senhora diz ouvir e ver são personalidades reais, por que razão me negam a verdade? Agora que estamos a sós, atendam-me por amor de Deus. Peçamos diretamente aos invisíveis que se manifestem e me esclareçam.
   Havia tamanha emoção naquelas palavras, que Martinho e a médium se entreolharam penalizados. À interpelação silenciosa do diretor das sessões, a nobre senhora respondeu bondosamente:
   – Estou pronta.
   Sentaram-se os três. O orientador orou com lágrimas, invocando a Providência Divina. Foi então que o amigo espiritual, por intermédio de Dona Zulália, falou em voz triste, mas firme:
   – Tomé, em vão temos procurado auxiliar-te na cura. Atende ao teu caso orgânico, enquanto é tempo, porque teu corpo está dominado pela morféia nervosa. Colavida fez-se pálido e esforçou-se por não cair, ali mesmo, fulminado pelo diagnóstico doloroso.
   Suspenderam-se as preces, sob forte emoção.
   No dia imediato, o doente atormentado procurou gabinetes de pesquisas e especialistas em moléstias do sangue, obtendo a confirmação amarga. À noite, insistiu para que Martinho e Dona Eulália se reunissem na sua companhia. Estava desfigurado, em pranto. Terminada a prece do diretor da reduzida assembléia, o enfermo exclamou soluçando:
   – Oh! benfeitores invisíveis, por quem sois, auxiliai-me no destino cruel! Que surpresa dolorosa me preparastes, dando-me conhecimento da realidade terrível!...
   Mas, nesse instante, a generosa entidade de Acácio tomou o punho da médium e escreveu :
   «Conforma-te, meu querido Tomé! Não queria a verdade completa, o diagnóstico aproximado de tua situação orgânica? Não chores. Lembra-te de que Jesus é o Divino Médico e não esqueças que, se tens agora a lepra do mundo,não estás esquecido pela bondade de Deus.»

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O PURGATIVO

Por Humberto de Campos - Grãos de Mostarda - 1926

(BERNARD GERVAISE)
A MÃE - Ainda não fez efeito, doutor! Nunca vi uma coisa assim!
O MÉDICO - Nenhum efeito?
A MÃE - Absolutamente nenhum. Eu chego a pensar que o farmacêutico talvez se tenha enganado ao preparar a receita.
O MÉDICO - Seria possível? Mostre-me o que ficou no fundo da garrafa.
A MÃE - aqui está, doutor; veja.
O MÉDICO - Hum! Hum! Não; não houve erro. É esta mesmo a poção laxativa que eu receitei... E a senhora deu como eu prescrevi: dois cálices, dos grandes?
A MÃE - Sim senhor. E os nossos cálices são bastante grandes... São destes...
O MÉDICO - De manhã, em jejum?
A MÃE - Sim, senhor.
O MÉDICO - E com aquele quarto de hora de intervalo?
A MÃE - Sim, senhor; contado a relógio.
O MÉDICO - É interessante. Interessante e incompreensível!
JULINHO - (derretendo-se em lágrimas} - Hi! hi! hi! Eu sei... porque é... que não fez... efeito...
Eu sei!... hi! hi! hi!...
O MÉDICO - Que foi, meu filho? Diga...
JULINHO - Eu não quero dizer... hi! hi! hi!...
A MÃE - (derretendo-se em lágrimas) Dou duas moedas para o cofre... Diga!
JULINHO - Eu quero mais. Eu quero cinco moedas... Eu quero que não me castiguem... quando eu disser... hi! hi! hi!
A MÃE - Pois, bem, eu dou... Que foi que você fez? Vomitou a poção?
JULINHO - Hi! hi! hi!... Eu não vomitei a poção... Mas eu não fiz efeito... porque eu estava brincando com a garrafa... hi! hi! hi!... e engoli a rolha!...

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