MONTAGEM SOBRE CENA DO FILME TERRA EM TRANSE, COM CHICO XAVIER CALANDO A BOCA DE ALGUÉM.
Ainda preso em valores e abordagens provincianas, até quando assimila (tardia e precariamente) as novidades vindas de fora, o Brasil nem de longe tem condições para se tornar o "Coração do Mundo", mas o país constitui numa "Terra em Transe".
A mediocrização sócio-cultural continua em pé, embora seus sinais sérios de crise já se tornem evidentes. Mas muitas pessoas beneficiadas por uma série de arbítrios, omissões, descasos, corrupções, mentiras, violências e tudo o mais não querem "largar o osso".
Por enquanto o "estabelecido" continua, por mais que o som das vaias populares já ressoe e tenda a aumentar. Infelizmente, porém, nada parece poder desfazer os inúmeros retrocessos ocorridos no país nos últimos 51 anos.
Mesmo os pequenos progressos são descaraterizados em segundo momento. Novidades de grande impacto são deturpadas e sua forma definitiva não passa de caricatura daquilo que surgiu e inovou em algum aspecto. Irregularidades são permitidas por causa do status de alguém, que pode ser considerado confiável até quando apunhala pelas costas seus aliados menos vigilantes.
O Brasil está mergulhado num atraso tão grande que os valores trazidos pelas diversas grandes instâncias de retrocessos não conseguem ser desfeitos, por mais que pereçam no desgaste dos seus prejuízos, transtornos, tragédias e aborrecimentos causados.
E isso se deu de forma definitiva em 1964, embora sua raiz tenha ocorrido quatro anos antes, em outubro de 1960, quando um esboço de sensacionalismo fez com que o povo brasileiro fizesse uma má escolha que deu origem a uma série de confusões e prejuízos para o país.
TUDO POR UMA "VASSOURA"
Não dá para entender, a princípio, por que o então presidente Juscelino Kubitschek, que simbolizou um cenário de esperança que depois foi definido, até com certo exagero, como "Anos Dourados", mesmo com a inauguração da ambiciosa Brasília, a então nova capital do país, não conseguiu eleger seu sucessor, o general progressista Henrique Teixeira Lott.
Lott, o mesmo que havia garantido a posse de Juscelino para 1956, realizando em 1955 um contragolpe para conter um golpe movido por Carlos Lacerda e pelo presidente em exercício, Carlos Luz (que sucedeu o convalescente Café Filho, por sua vez sucessor de Getúlio Vargas, que havia se suicidado), tinha as qualidades de um político moderado e fiel ao rigor da lei.
No entanto, Lott não tinha o caráter espetacular para atrair o eleitorado. Era sério e considerado "sem graça" para o espetáculo da campanha eleitoral. Nessa época, os EUA viveram o espetáculo da disputa entre Richard Nixon e John Kennedy para a presidência do país, e o "soldado da lei" parecia insosso diante de um rival que mais parecia um cruzamento de Mazzaropi com Groucho Marx.
Jânio da Silva Quadros parecia ter saído de uma chanchada, embora muitos tivesse elogiado seu desempenho como governador de São Paulo. Populista estranho, que falava de maneira complicada, usando uma pronúncia do século XVIII, Jânio classificava o governo do antecessor Juscelino de "corrupto" e prometia "varrer com a vassoura" a "sujeira política do país".
Ele foi eleito, empossado em 1961, e em seguida governou por apenas sete meses. Adotava uma política interna conservadora, apoiada pela direitista UDN (União Democrática Nacional, primeira "encarnação" do atual DEM), mas sua política externa era tão simpática ao Leste Europeu e a Cuba que Jânio tinha um retrato do presidente da antiga Iugoslávia, Josip Broz Tito, pendurado no seu gabinete, e quis dar a Ordem do Cruzeiro do Sul para o guerrilheiro Che Guevara.
Jânio renunciou e a Constituição de 1946 previa a sucessão pelo vice-presidente, João Goulart. Jango era da chapa de Lott, mas se votava para vice-presidente, em separado. O vice também tinha direito a presidir o Senado Federal. Com isso, os ministros militares ameaçaram realizar um golpe para impedir a posse de Jango, nem que fosse para prendê-lo ou matá-lo, mas uma campanha radiofônica liderada pelo cunhado de Jango, Leonel Brizola, reverteu a situação e garantiu a posse.
Esse cenário de confusão não impediu que alguma esperança em torno de um país melhor no âmbito social, econômico e cultural, estimulada pelo otimismo da Era JK, se mantivesse. Ela praticamente acabou em 1964, depois de muita confusão política (do "parlamentarismo" inicial do governo Jango até a sua aliança com radicais de esquerda), por causa do golpe militar, e tornou-se irrecuperável por conta do AI-5.
OS RETROCESSOS
O golpe militar ceifou os debates que a União Nacional dos Estudantes realizava com as classes populares em torno de seu patrimônio cultural, por meio do Centro Popular de Cultura. No lugar, as classes populares foram bombardeadas pelo coronelismo radiofônico que impôs o que o povo pobre deveria consumir sob o rótulo de "cultura popular" e que, infelizmente, vale até hoje.
Essa "cultura", o brega, fez substituir os artistas genuínos, que brilhavam nas classes populares, por ídolos medíocres tutelados por empresários "artísticos" e que levavam 20 anos para alcançar apenas 1% do talento dos antigos e vibrantes artistas populares originais.
A imbecilização cultural veio com programas policialescos de rádio e TV, imprensa sensacionalista, mulheres-objetos forçadamente sensuais e tantas coisas deploráveis. Só a década de 1960 no Brasil houve dois grandes retrocessos, o de abril de 1964 e o de dezembro de 1968, este um segundo golpe militar, ainda mais retrógrado.
Depois veio o "milagre brasileiro" que desenhou os valores sócio-culturais que a ditadura queria que o povo acreditasse. Virou uma cartilha para o imaginário brasileiro até hoje. A submissão a tecnocratas, a conformação com o "estabelecido", a resignada indignação contra os males políticos, a degradação cultural ano após ano, tudo isso dentro de um astral ufanista.
Esse "milagre" criou um modelo de país que teve traços definidos em 1974, quando o general Ernesto Geisel, um dos estrategistas da ditadura, criou uma "democracia" que até hoje acostumou mal os brasileiros, baseada na submissão hierárquica, na mediocridade cultural e no desestímulo ao ativismo e à mobilização.
A subordinação política de 1964, o medo de mobilização de 1968, a exaltação da tecnocracia em 1974, tiveram sequência com os valores "pragmáticos" de 1990, com Fernando Collor de Mello, e com Fernando Henrique Cardoso, em 1994. E aí o país não abandonou um sistema de valores que, na verdade, tiveram raiz em um golpe militar.
É a mediocrização sócio-cultural, o populismo conservador, a tecnocracia, o fanatismo religioso, o paternalismo da imprensa, a sociedade do espetáculo, vários desses elementos já descritos no filme Terra em Transe, de Gláuber Rocha, um dos críticos ferozes da acomodação social que até hoje vicia os brasileiros.
O Brasil tem uma cultura fraca, apesar de seu riquíssimo patrimônio cultural do passado. Isso porque a cultura popular foi privatizada e, se antes tínhamos personalidades das classes pobres com grande inteligência na música, literatura, artes plásticas, teatro etc, hoje o que vemos são subcelebridades e sub-artistas amestrados por empresários do entretenimento, estes já bastante ricos.
Ainda endeusamos tecnocratas como se estivéssemos ainda nos tempos do general Emílio Médici, e muitos não percebem que Jaime Lerner é um "filhote da ditadura" e uma espécie de Roberto Campos da mobilidade urbana. Mas se vemos, no caso da religião, que tem gente que considera Chico Xavier "progressista", sem qualquer motivo lógico para isso, então faz sentido.
As pessoas não têm noção do que é moderno ou antiquado, e aceitam seus próprios prejuízos porque acham que eles são uma etapa para algo melhor, que eles não sabem o que é e sabem muito menos que não virá. Até a vitória de um time de futebol vira pretexto para as pessoas aceitarem reduzir o abastecimento de alimentos na sua despensa.
O Brasil subserviente, alienado, degradado, complacente e acomodado não pode comandar o mundo. Dizer isso nada tem de reacionário, mas tudo tem de realista. Acreditar em fantasias tornou-se regra, só porque elas foram trazidas por um ídolo religioso que personifica estereótipos agradáveis de velhice e humildade, e isso num Brasil que despreza os idosos.
Cheio de problemas e impasses, o Brasil já não se tornou a primeira potência econômica dos cinco emergentes (os BRICS, junto a Rússia, Índia, China e África do Sul), já que a China, em que pese seus próprios e graves problemas, passou a dianteira por suas vantagens a mais.
Quanto ao "velho mundo", ele parece repensar os episódios da crise do Euro, do terrorismo e outras crises e tragédias, com a experiência que tem de milênios. Faz mais sentido acreditar que um país europeu possa comandar a evolução da humanidade, talvez a Noruega. O Brasil que assista ao progresso do mundo de camarote.
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