Plutocracia é o poder exercido pelos mais ricos. Tecnocracia é o poder exercido pelos que detém o domínio técnico. Nem sempre e, podemos dizer, quase nunca esses poderes representam o atendimento ao interesse público, e a complacência social para com os mesmos, embora não seja vista como sinônimo de apoio popular, causa preocupação por sua passividade "bovina".
O Brasil sofre retrocessos profundos, e, por incrível que pareça, o centro disso tudo é o Estado do Rio de Janeiro, do qual partem medidas autoritárias que seguem valores do tempo do "milagre brasileiro", e que são impostas no país como se fossem "novidade" e algo "futurista e moderno".
A ação prepotente do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que propôs a extinção de muitas conquistas sociais históricas - só a terceirização do mercado do trabalho o faria retroceder aos níveis cruéis dos primórdios da Revolução Industrial - é ilustrativa dessa onda de retrocessos que o país vive sob o comando central da ex-Cidade Maravilhosa.
O autoritarismo de Eduardo Cunha é mais histérico que os do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e do governador fluminense, Luiz Fernando Pezão. Mas os dois também mostram um cruel autoritarismo, que se reflete até mesmo em setores específicos como Transportes e Segurança.
Nos Transportes, a licitação dos ônibus virou uma desculpa para criar uma farra de pinturas padronizadas que só confunde os passageiros, acoberta a corrupção político-empresarial e puxa outras medidas nocivas como a dupla função de motorista-cobrador de ônibus, a redução de frotas de ônibus em circulação e a redução de percursos diretos de bairros distantes, substituídas pela incômoda baldeação.
O governo fluminense, como quem entregasse um galinheiro para os cuidados de uma raposa faminta, escolheu o pioneiro dessa farra sobre rodas, o arquiteto Jaime Lerner, conhecido político da ditadura militar, para trabalhar a "licitação" do transporte intermunicipal com destino Rio de Janeiro, projeto a ser levado adiante depois que Nova Iguaçu também aderiu ao fardamento da pintura padronizada.
O sensacionalismo de medidas como os BRTs - anunciados como "super-ônibus", mas no fundo meros "trenzinhos" sobre rodas - e as UPPs, siglas atraentes que respectivamente significam Bus Rapid Transit e Unidade de Polícia Pacificadora, se revelaram grandes engodos que simbolizam governos autoproclamados "progressistas" mas de clara vocação fascista.
Nem mesmo a criação de paliativos como o Porto Maravilha e o Parque Madureira servem para amenizar esse lado sombrio das autoridades. O outro lado, das mudanças de linhas de ônibus para barrar o acesso das periferias à Zona Sul, não só para a praia mas também para o trabalho e para as faculdades, e das mortes de favelados por policiais, traz o tom dramático do declínio do Rio.
Representantes da ONU denunciaram recentemente que a violência policial que assassina supostos acusados de crimes que moram nas favelas, mesmo que sejam pequenos criminosos que não reagiram à voz de prisão, expressa um processo sutil de "limpeza social" nas periferias cariocas. Os membros da Comissão de Direitos da Criança das Nações Unidas reclamaram da omissão das autoridades sobre certas questões relativas à Segurança no Rio.
Embora o secretário de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro, Rafael Picciani, tenha desmentido que o fim das ligações diretas da Zona Norte para a Zona Sul não tenham a ver com os arrastões e uma revanche contra a população suburbana - ele alega que extinguiu o esquema porque os ônibus andavam "vazios", o que não procedeu na realidade - , sua ligação política com Eduardo Cunha revela o grau demagógico e mentiroso da declaração.
É só pesquisar vídeos e fotos em que o secretário Rafael Picciani, então candidato a Deputado Estadual, aparece ao lado do deputado das "pautas-bomba", que na época era candidato ao atual cargo federal, em perfeito entrosamento e com um atento Rafael ouvindo Cunha - hoje denunciado por usar o dinheiro da Petrobras para abrir conta para ele e a família (incluindo a ex-jornalista da Globo, Cláudia Cruz, sua esposa) - atentamente, como um discípulo ao mestre.
Eduardo Cunha tem a família Picciani como sua protegida. O pai, Jorge Picciani, e os filhos Leonardo e Rafael. Leonardo é uma espécie de escudeiro e afilhado de Eduardo Cunha, o que indica também a ligação com Rafael, que parece comandar a Secretaria Municipal de Transportes (SMTR) como se fosse mais uma das pautas-bomba do seu mestre da Câmara dos Deputados.
Além disso, o pai e os dois filhos, a exemplo de Cunha, apoiaram Aécio Neves e não Dilma Rousseff para a campanha de 2014, o que dá o tom conservador dessa facção do PMDB carioca. Se bem que o "apolítico" Alexandre Sansão e o "progressista" Carlos Roberto Osório também mostraram o mesmo autoritarismo quando eram titulares da SMTR.
Hoje tornou-se ruim viver no Rio de Janeiro. Não bastasse a violência sem controle e as denúncias de improbidade administrativa do secretário municipal de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, as pessoas não podem mais se deslocar por ônibus ou trem para ir ao trabalho e aos estudos.
Os retrocessos sociais profundos no Rio de Janeiro são tantos que hoje se praticam homicídios e assaltos sob a luz do dia. O declínio do sistema de ônibus e o agravamento dos congestonamentos e atrasos se soma também ao aumento do desemprego e à própria decadência cultural vertiginosa.
Antes reduto do impressionante modernismo da Bossa Nova, o Rio de Janeiro agora é simbolizado pela cafonice do "funk" - sobretudo de nomes pitorescos como Valesca Popozuda, Mulher Melão e Mr. Catra - , enquanto ameaça fechar livrarias, orquestras e outros ambientes culturais valiosos.
Por outro lado, a subordinação da cultura aos interesses de mercado, sejam os festivais e eventos de ponta feitos para o turismo, seja o comercialismo da chamada cultura de massa simbolizado por nomes como Anitta e Nego do Borel, faz com que a outrora Cidade Maravilhosa, antes paraíso da vanguarda cultural brasileira, torna-se seu mais sombrio jazigo.
Mas o que mais surpreende nos retrocessos é a própria ignorância e desprezo dos cariocas. Uns, cínicos, preferem rir das desgraças e tragédias que ocorrem diariamente e são divulgadas pela imprensa. Outros se refugiam nas mídias sociais e demonstram rejeição e preconceito contra pessoas que fazem questionamentos profundos dos problemas, vendo estas como "insuportáveis".
Iludidos ainda com as promessas da plutocracia e da tecnocracia que passaram a governar com mãos de ferro e papo mole - eles juram que são "progressistas" e agem pelo "interesse público" - , muitos cariocas e fluminenses preferem manter a ilusão de uma fantasiosa Cidade Maravilhosa que recriam no Facebook, Twitter e YouTube através do WhatsApp.
A discriminação que os contestadores do "estabelecido" sofrem nas mídias sociais, principalmente de internautas que vivem no Rio de Janeiro (mas também no interior de São Paulo, Paraná ou Minas Gerais etc), mostra que o drama atingiu níveis surreais.
O Rio de Janeiro sofre retrocessos profundos, trágicos, dramáticos e escancarados. No entanto, quem mais despreza essa situação são uma boa parcela de cariocas que reagem a esses problemas com ironia e "irreverência", uma elite que se refugia confortavelmente pelo entretenimento de bares e boates, do WhatsApp e do notório fanatismo pelo futebol carioca.
E qualquer um que põe o dedo na ferida para mostrar os problemas corre o risco de ser visto como "chato" e "insuportável" por outras pessoas, o que piora as coisas, já que a tragédia se torna mais trágica para aqueles que se recusam a admiti-las e ainda por cima discrimina os melhores conselheiros. Assim o Rio desce cachoeira abaixo.
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