sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Os Acomodados On Line, no país dos "revoltados"

REVOLTADOS ON LINE - Não são eles que perdem amigos e seguidores nas mídias sociais...

A lição da ditadura militar não adiantou. Ou melhor, "adiantou". Isso porque a pregação ideológica do Brasil ditatorial fez com que gerações passassem a sentir preconceito contra quem faz questionamentos aprofundados, pôr o dedo na ferida virou um ato antissocial, quase que uma ofensa à etiqueta social vigente nos dias atuais.

Se muitos brasileiros chegam a ter uma vaga consciência do valor negativo dos "anos de chumbo", suas neuroses, no entanto, continuam sendo as mesmas de 45 anos atrás, vividas mesmo por quem ainda não havia nascido na ocasião, mas que as conheceu através do convívio com familiares.

É até um fato surreal, que conhecemos através de relatos de vários internautas, que reclamaram de terem perdido amigos e seguidores na Internet porque aprofundavam demais no questionamento do "estabelecido" e diversificavam nos problemas apresentados.

Que devemos ser positivos e bem humorados, isso é até fundamental. Mas o grande problema é que, nas mídias sociais, o conformismo e o bom humor estão sendo vistos não como uma necessidade vital e social, mas como uma tirania, o que mostra que as pessoas que exigem dos outros "positividade e bom humor" é que são mal-humoradas e revoltadas.

Perto de mais um evento turístico de ponta, as Olimpíadas de 2016, que, embora restritas ao Rio de Janeiro - cenário dos inúmeros retrocessos sociais ocorridos nos últimos anos - , as pessoas parecem ter medo de um novo junho de 2013. "Ih, lá vem aquele chato", pensam os internautas convencionais. Se alguém cria um meme (arquivo de mensagem) contestador no Facebook, muitos acabam clicando "não quero ver isso".

A ideia é fugir dos problemas vendo coisas engraçadas nas mídias sociais - geralmente bichinhos fazendo gracinhas ou crianças cantando ou dublando - , ler livros ao mesmo tempo "irreverentes" e "água com açúcar" e simular "felicidade plena" no Facebook, Twitter e WhatsApp.

QUEM COBRA "FELICIDADE" DOS OUTROS É MAIS INFELIZ

No contexto atual, é socialmente mais aceitável chamar Lula e Dilma Rousseff de "nazistas" do que classificar Jaime Lerner como "filhote da ditadura" ou dizer que a gíria "balada", símbolo da precarização linguística da sociedade brasileira, foi criada por Luciano Huck junto à reacionária Jovem Pan FM, apesar de tantas evidências.

Há quem não aguente sequer alertar para as relações do secretário municipal de Transportes do Rio de Janeiro, Rafael Picciani, com o deputado Eduardo Cunha, vendo isso como um fato "sem importância". Legal é fazer baldeação com dois ônibus, um lotado da Zona Norte para o Centro e outro superlotado daí para a Zona Sul, acreditando que é para "otimizar o transporte", mesmo com o risco de se atrasar para o trabalho. Comparar isso com "pautas-bomba" ficou "chato".

Até os Revoltados On Line, truculento movimento de oposição intolerante ao PT, é socialmente mais aceitável do que aquele que fala em "sistema integrado" ligando Rafael Picciani, Alexandre Sansão e Jaime Lerner a Aécio Neves e Eduardo Cunha. Isso porque, apesar do mau humor dos "revoltados", eles não afetam a "paz social" que reina não só nas mídias sociais, mas também fora da Internet.

Se você não vai para a boate onde está a "galera toda" ("galera" é outra gíria enjoada, patenteada por Fausto Silva) e não torce por um time de futebol - regra ferrenha nos meios sociais do Rio de Janeiro - , e não passa o dia todo no Facebook publicando coisas "engraçadas" e "alegres", você vai para o lixo social onde nem os Revoltados On Line são condenados a ir.

Os "revoltados" apenas recebem uma "pequena discordância". Comentários pontuais do tipo "eles exageram muito nas suas posições". Mas fica nisso mesmo. Até porque as mídias sociais são comandadas por Acomodados On Line que não se sentem incomodados pelos "revoltados".

Eles não ameaçam a "paz social" de internautas que publicam fotos com amigos em adegas nas cidades serranas, que exaltam os quatro times cariocas, que põem vídeos engraçados com bichinhos e compram livros para colorir esperando neles uma leitura agradável e relaxante.

Quem ameaça a "paz social" dos Acomodados On Line são aqueles que desconfiam até da implantação da Praia de Rocha Miranda, no Parque Madureira, e que se aprofundam "demais" nos alertas e denúncias. que não torcem por times de futebol, que acham que foi a Rede Globo que inventou a história de substituir a expressão "freguês" por cliente (hoje até quem come pastel na rua é "cliente") e que a carioca Rádio Cidade usurpa e desmoraliza o legado da cultura rock local.

Talvez seja mais simplório dizer que os Revoltados On Line estejam errados quando dizem que o PT é uma máfia ou coisa parecida. Basta discordar na ocasião e pronto. No mais, o "revoltado" continua bem-vindo a qualquer reunião de amigos, a não ser quando estes são de esquerda e, mesmo assim, por questões de foco ideológico.

Já os que questionam o "estabelecido" são uma "ameaça". Eles são capazes de derrubar modismos e desqualificar decisões políticas. Isso é mais preocupante, para os internautas convencionais e "Acomodados On Line" do que achar que o PT fez a maior roubalheira de toda a História do Brasil. A ideia é tomar um pouco do "remédio Conformol" e aceitar os retrocessos nossos de cada dia.

Só que isso revela o outro lado. Revela que as pessoas que ficam exigindo "felicidade", "bom humor" e "um pouco de conformismo" dos outros são as mais infelizes da Internet. A ilusão de mostrar fotos com camisa de time de futebol e em rodadas de chope e vinho com os amigos, tal como os livros para colorir e as vídeocassetadas, revelam a falta de alegria natural por parte dessas pessoas "felizes".

A "felicidade" forçada que se vê nas mídias sociais e a discriminação contra quem contesta de verdade, sem cair nas gafes de "revoltados", "indignados" ou coisa parecida que se reúnem em passeatas anti-PT, dá o tom do quanto essa "gente feliz" é, na verdade, infeliz e pouco disposta a enfrentar problemas que se acumularam ao longo de 50 anos.

Mesmo as pessoas dotadas de significativo nível cultural ficam felizes trancadas nos espaços que restam, numa mal resolvida relação com seus desejos frustrados, seu saudosismo e sua impotência em reagir contra a deturpação de seus valores e hábitos pelo "céu aberto" da grande mídia e da chamada opinião pública.

É essa ilusão de felicidade que os questionadores aprofundados do "estabelecido" querem contestar. E isso fere muitos internautas que, julgando "cansados" de tanta reclamação, acabam discriminando ou desprezando quem contesta o "estabelecido", mesmo que os Acomodados tenham como preço contribuir para um Brasil mais surreal em que a estupidez exerce sua supremacia.

Os acomodados de hoje contribuirão para um país mais problemático amanhã, principalmente quando deixam de dar ouvidos aos questionadores que "reclamam demais" do "estabelecido" e mostram coisas que a fantasia do grande público tenta esconder.

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