domingo, 4 de outubro de 2015

O perigo da alta visibilidade

O RADIALISTA E JORNALISTA GERSON SIMÕES MONTEIRO, PRESIDENTE DA RÁDIO RIO DE JANEIRO AM.

"Você sabe com quem está falando?" é uma frase bastante difundida no anedotário popular. Embora seja uma alegoria cômica da arrogância de certos indivíduos, a frase pode ser identificada também como uma crítica bem-humorada ao "mercado da visibilidade" que toma conta do país.

A visibilidade é um mercado bastante perigoso. Afinal, é um mercado em que o prestígio se coloca acima de todas as coisas. Se alguém com prestígio divulga uma grande bobagem e ela repercute, Basta estar em boa conta com o grande público e este o ovaciona em aplausos e assobios eufóricos até quando o "rei da cocada preta" espirra ou faz um arroto.

O Brasil conta com um quadro doentio de detentores de visibilidade plena. Tanto no âmbito nacional ou em critérios mais genéricos, como o jogador de futebol Neymar e o apresentador de televisão Luciano Huck, como em âmbitos mais específicos, como os regionais.

Por exemplo, no âmbito da intelectualidade cultural de esquerda, existe a figura pouco confiável de Pedro Alexandre Sanches, um neoliberal que acredita na bregalização do país e que lança conceitos confusos e duvidosos sobre cultura popular, dentro de uma retórica supostamente provocativa.

Sanches se aproveita da visibilidade para confundir os leitores com um discurso pseudo-esquerdista, inserindo preconceitos mercantilistas e sensacionalistas que ele havia aprendido num jornal direitista, a Folha de São Paulo, onde Sanches se educou profissionalmente através do reacionário Projeto Folha.

Outros casos são o igualmente pseudo-esquerdista Mário Kertèsz, empresário e principal locutor da Rádio Metrópole FM, de Salvador, que surgiu como político da ditadura militar. Dotado de ideias ultraconservadoras, ele tenta controlar o mercado de visibilidade dando à sua rádio um verniz falsamente diversificado e mentirosamente progressista. Jornalista medíocre, Kertèsz promove para si o culto da personalidade em sua rádio.

Machista, neoliberal, coronelista e fanático por futebol, Kertèsz tenta criar em si uma imagem pseudo-esquerdista, "comprando" o apoio da sociedade baiana e estabelecendo o monopólio de sua rádio no mercado da visibilidade local, fazendo com que a projeção social de vários agentes sociais dependa de aparecer na rádio, um dos principais veículos do coronelismo midiático da Bahia. Kertèsz também tem como contratado o anti-médium baiano José Medrado.

Se no mercado da visibilidade vemos Neymar monopolizando os holofotes impondo como "ideal de vida" uma rotina de farras e curtições baratas, além do apego ao luxo e à mulherada, então o Brasil está carente de grandes exemplos, já que as pessoas "mais importantes" do país simplesmente são gente sem qualquer tipo de importância.

No exterior, há a sorte de haver Noam Chomsky, Umberto Eco ou, num passado recente, Eric Hobsbawm e Christopher Hitchens. É até ilustrativo que, no âmbito das subcelebridades, os EUA tenham praticamente apenas o clã Jenner-Kardashian, e mesmo assim as irmãs Kylie e Kendall Jenner têm que seguir carreiras de modelos de grife, divulgando estilistas de moda e altas coleções de roupas chiques, para terem algum sentido na vida.

Aqui temos não só uma multidão de subcelebridades, como mesmo na chamada "música do povão" os "artistas" já se comportam como subcelebridades. Zezé di Camargo & Luciano, Joelma e Chimbinha, Latino, Mr. Catra, Daniel, Leonardo, Valesca Popozuda e Mulher Melão (mais conhecida pelos "dotes físicos" do que por sua inexpressiva música).

Os detentores de alta visibilidade e, portanto, portadores de grande prestígio e influenciadores de comportamentos, crenças e valores da sociedade, são pessoas de talento medíocre ou senso ético bastante duvidoso. Pessoas sem valor cujo único "valor" é o fato de serem famosas e bancarem os formadores de opinião até quando espirram.

Há bloqueios diversos para pessoas distintas, que, se fosse no Reino Unido, por exemplo, teriam maiores oportunidades de obter trabalho, divulgar obras intelectuais e formar a opinião, pelo menos, de um público de classe média baixa, mas de formação universitária.

Aqui, se Noam Chomsky e Umberto Eco fossem jovens e tivessem se inscrevendo no primeiro curso de pós-graduação, digamos, um programa de mestrado, eles seriam barrados e teriam que se contentar em criar blogues que só são lidos por uma dúzia de pessoas.

O CASO "ESPÍRITA"

Christopher Hitchens, então, nunca poderia ter feito um livro e um documentário contra Madre Teresa de Calcutá, até porque, com baixíssima visibilidade, seria perseguido não só pelos católicos como de todos os religiosos diversos pela "grave humilhação" de ter xingado a missionária de "anjo do inferno", uma declaração que seria conhecida como de puro mau gosto.

O contexto brasileiro é muito ingrato para questionamentos profundos, vistos até como atos antissociais que fazem afastar os amigos do contestador aguçado, mas confundido como uma reles "metralhadora giratória iconoclasta". Até quem aceita algum questionamento mais abrangente estabelece limites, como se empurrasse problemas complicados com a barriga.

Enquanto isso, uma prova do caráter doentio da visibilidade está em torno do "movimento espírita". Uma das maiores bobagens cometidas em favor de Chico Xavier foi feita alguns anos atrás, quando uma fofoca foi inventada por um radialista, jornalista e dirigente "espírita", beneficiado pela sua popularidade e prestígio.

Esta figura foi Gerson Simões Monteiro, presidente da Rádio Rio de Janeiro AM, colunista do jornal Extra, e sua invenção foi que o anti-médium Francisco Cândido Xavier teria previsto, em mais de 75 anos, a existência de água e vida em Marte.

A lorota se baseou em citações do planeta - que, numa leitura atenta, soam superficiais, tolas e piegas - presentes nos livros Cartas de uma Morta, de 1935, atribuído à mãe de Chico Xavier, Maria João de Deus, e Novas Mensagens, de 1939, em que o anti-médium usou o nome de Humberto de Campos.

Tanto Maria João como o falso Humberto teriam "viajado" para Marte e encontrado lá supostas cidades futuristas e grandes reservas de água, além de figuras humanas de alegada sofisticação intelectual e moral. Os relatos são típicos de uma ficção científica ruim.

Mesmo com esses aspectos toscos, Gerson Monteiro garantiu o "pioneirismo" de Chico Xavier, como meio de reivindicar seu reconhecimento pelo meio científico. Sem a sutileza dos universitários que lançaram a falha mas verossímil tese do "pioneirismo científico" do suposto André Luiz, Gerson, como se praticasse a "Lei de Gerson", se valeu de um apelo mais emocional.

Dessa forma, Gerson queria dizer que os dois livros "psicografados" teriam antecipado conhecimentos que só seriam descobertos cerca de 75, 80 anos mais tarde, como a recente descoberta de água salgada no território marciano.

Só que a tese não encontra qualquer tipo de fundamento, afinal, além da narrativa dos livros "espíritas" ser dotada de pieguice e presunção ficcional - quando a suposição de aspectos futuristas é fruto não de pesquisas, mas da imaginação fértil de um escritor - e escrita de maneira superficial e vaga, a tese na verdade já era um assunto velho já na época dos livros "psicografados".

Isso porque a tese de que Marte poderia ter reservas de água, vida humana e sociedades avançadas era algo que se supunha e se debatia desde o século XIX, e alimentava a ficção científica já na época. Entre 1895 e 1908, portanto, antes do nascimento de Chico Xavier, o astrônomo estadunidense Percival Lowell já lançou livros sobre o assunto.

É terrível como a visibilidade faz com que mitificações e visões sem a maior coerência prevaleçam, enquanto abordagens que as desmitificam ficam à margem, reduzidas a "teorias conspiratórias". Pois as verdadeiras teorias conspiratórias, aberrantes e surreais, é que acabam ganhando o status de "verdades indiscutíveis", porque elas não possuem sentido verdadeiro em si, mas são difundidas por pessoas ou grupos dotados da mais ampla visibilidade.

A tese de que Chico Xavier previu a existência de vida em Marte é, portanto, risível. Os cientistas do exterior cairiam na maior gargalhada diante de tamanha tese. Se a tese de "André Luiz" foi publicada num periódico científico de segunda categoria (Neuroendocrinology Letters) era falha, sobretudo na metodologia, a tese de Gerson torna-se simplesmente inconcebível.

Se observarmos bem, Chico Xavier nunca teria o pioneirismo de 75 ou 80 anos e nem menos. Ele, na verdade, chegou bem atrasado, porque a hipótese de haver presença de água e de humanos em Marte era bastante discutida bem antes do nascimento do anti-médium. Para desespero dos "espíritas", a realidade derrotou mais uma vez as fantasias da fé.

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