sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O "funk" fez sua parte para a Zona Sul querer expulsar os suburbanos


Os retrocessos sócio-culturais ocorridos no país e, sobretudo, no Rio de Janeiro, palco de uma decadência ameaçadora para o resto do país, pelo fato do Estado ainda ser considerado "modelo a ser seguido" pelo resto do Brasil, põem o progresso social a perder e agravam as desigualdades que historicamente se empenhava em combater.

Um exemplo dessa ameaça é a sabotagem que supostos adeptos das causas progressistas, vindos de remanescentes políticos da ditadura militar ou intelectuais originalmente ligados a setores acadêmicos do PSDB, em que a "sincera solidariedade" aos governos Lula e Dilma Rousseff só serve para esconder as visões elitistas e nada progressistas desses "adeptos".

O "funk carioca", que, sabemos nunca foi mais do que um ritmo comercial que fazia perpetuar a degradação sócio-cultural do povo pobre, foi um processo bastante traiçoeiro de manipulação de corações e mentes, que teve o apoio escancarado dos chamados "barões da mídia", que com muito gosto aceitaram o ritmo como forma de domesticação social das periferias.

O ritmo foi um dos principais focos de uma campanha intelectual movida por intelectuais para sabotar todos os esforços de promover o progresso social e as melhorias nas classes populares. Desde 1990, quando o "funk", entre aspas, apareceu sob clara ruptura às raízes artísticas de James Brown e discípulos, referindo o comercialismo escancarado, mas mafioso, do miami bass dos EUA.

A campanha ideológica do "funk carioca", iniciada em 2003, apesar de alguns artigos apologéticos terem sido produzidos antes - como um artigo da jornalista paulistana Bia Abramo, que preferiu defender as chamadas "proibidas do funk" pela paródia sensual das profissionais de Enfermaria, em detrimento das enfermeiras que se sentiram desmotalizadas e moveram ação judicial - , e envolveu jornalistas, intelectuais, acadêmicos e celebridades.

A campanha de defesa do "funk" tornou-se um fenômeno comparável ao que era feito pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), nos tempos de João Goulart, para desmoralizar o então presidente do Brasil. Assim como o IPES, os ideólogos do "funk" eram sustentados por organizações "não-governamentais" vinculadas ao Departamento de Estado dos EUA.

Mas, diferente do IPES, a estratégia não foi a desmoralização política, mas a deturpação cultural. O então presidente Luís Inácio Lula da Silva era poupado, mas os ideólogos da degradação cultural, seja o "funk" ou outros ritmos "populares demais" trazidos pelo coronelismo midiático, investiam na construção ideológica da "cultura das periferias" como meio de manipulação social.

Através dessa construção ideológica, os intelectuais, através de uma roupagem "científica" bem mais elaborada do que o IPES, trabalhava o povo pobre de forma estereotipada, reduzindo as classes populares a uma multidão de consumistas abobalhados e culturalmente atrapalhados.

Os intelectuais até usavam uma desculpa para defender essa degradação cultural e condenar ao povo pobre qualquer melhoria na Educação e na Cultura: o fato de que essa degradação atribuía suposta revolução do "mau gosto", criando um maniqueísmo entre a cultura sofisticada do "bom gosto" e a "revolta popular" (sic) do "mau gosto".

Ignorando que muito desses sucessos "populares demais" é patrocinado por grandes empresários, políticos poderosos e latifundiários, os intelectuais forjavam um discurso "libertário", como meio de tentar ao mesmo tempo anestesiar a fúria popular pela desigualdade social de décadas e dar a elas a impressão de que seu consumismo musical é "ativismo cultural".

O "funk" não foi o único ritmo, mas foi o carro-chefe desse discurso ideológico que pregava a domesticação das classes populares, transformando o povo pobre numa caricatura de si mesmo, e, apesar do verniz pretensamente libertário, a retórica buscava legitimar formas de expressão musical e comportamental trazidas pelos mais reacionários veículos de comunicação dominantes.

Através do "funk" e sua retórica cheia de contradições - até parece que o "funk" é o Chico Xavier da música brasileira, com seu perfil conservador e sua ideologia contraditória - , valores retrógrados ligados ao machismo, a estereótipos racistas de negritude e ao sensacionalismo da violência, são camuflados sob o rótulo de "novos valores trazidos pelas periferias".

A "provocatividade" como um fim em si mesmo também foi um apelo ideológico dos seus defensores, para acobertar muitas contradições e equívocos, de forma a transformar a cultura das classes populares a um engodo que nada aproveita do rico patrimônio cultural que acumulamos no passado e que só evoca a "diversidade cultural" com a mesma hipocrisia com que jornalistas reacionários falam em "liberdade de expressão".

Com o paralelo com a apologia do sofrimento de Francisco Cândido Xavier, a ideologia em prol do "funk" falava do "orgulho de ser pobre", uma forma de fazer as classes populares se sentirem felizes pela situação inferior em que viviam, praticamente amenizando o potencial de mobilização social, já que o "funk" virou sua "mobilização social" e por isso "não havia necessidade" de lutar por melhorias. Basta ir a uma casa noturna ou comprar o CD do momento.

Consumismo virou "ativismo social" para que o verdadeiro ativismo social seja enfraquecido. E isso nada colaborou para a melhoria social. Enquanto ideólogos e os próprios DJs de "funk", tentando neutralizar as críticas, alardeavam que "era só melhorar as periferias que o funk melhora", eles mesmos, faturando rios de dinheiro, nunca contribuíram para usar o "funk" em benefício da sociedade mais pobre.

Pelo contrário. Apenas por uma questão publicitária eles defendiam o "valor educativo" do "funk". Era só substituir a redação nas escolas pelo "funk", chegou a defender o DJ Rômulo Costa. Contraditoriamente, com o fechamento dos "bailes de proibidão" (facção do "funk" que exalta a violência e a pornografia escancarada), MC Leonardo dizia que o ritmo não tinha obrigação de ensinar coisa alguma para a população.

Diante desse grande engodo ideológico, temperado por inserções tendenciosas de referenciais do "funk" nos meios mais qualificados - como uma exposição sobre Josephine Baker em que um grupo de funqueiras foi contratado pelos mecenas cariocas para abrir o evento - , o povo pobre acabou sendo vítima de seus próprios estereótipos e se subordinando à ideologia do "funk" e de sua apologia à ignorância e à pobreza.

E é isso que faz com que a juventude pobre não tenha outras referências culturais mais relevantes, mas tão somente o anestesiante "funk" de seus celulares, cujos sucessos são sempre iguais. E, preso a esses estereótipos, o público pobre, sem melhorar de vida, acaba parecendo repugnante com sua imagem caricatural, causando horror na aristocracia da Zona Sul.

Daí o horror social das elites com a frequência das classes populares vindas da Zona Norte às praias como Copacabana, Arpoador e Ipanema. Daí a "ajudinha" das "generosas" autoridades em banir os ônibus da ligação direta Zona Norte-Zona Sul, com a "inocente" desculpa de "racionalizar" o transporte.

O "funk" desenhou uma periferia ainda mais feia e impediu o povo pobre de ter melhor qualidade de vida. Resultado: expulso da Zona Sul, o povo pobre terá que se consolar com o exílio da Praia de Rocha Miranda, bonito e sem a imponência das praias originais.

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