terça-feira, 18 de abril de 2017

Por que se deve desconfiar quando se fala demais em "Amor"?


Ninguém desconfia quando o "espiritismo" brasileiro fica perdendo tempo demais em falar sobre "amor". Há até um meme que define a doutrina igrejista, que desfigurou o legado de Allan Kardec, de "Ciência do Amor". E boa parte das doutrinárias falam somente de temas sentimentais, sob a desculpa de debater problemas morais, mas não raro tudo fica na pieguice, nas emoções baratas.

O "espiritismo" sucumbiu às paixões religiosas e, vendo com distanciamento e imparcialidade, se observa o quanto as sessões "mediúnicas" de Francisco Cândido Xavier e, mais recentemente, de João Teixeira de Faria, o João de Deus, possuem a mesma energia pesada mas aparentemente agradável das orgias do sexo, do dinheiro e das drogas.

O que poucos conseguem perceber é que quem fala demais sobre Amor é porque não ama. O Amor se perde no caminho eterno da coreografia das palavras, ele, por ser dito em demasia, não é sentido, não é praticado. O Amor acaba sendo escravo da teoria, e o termo "Ciência do Amor" não pode ser mais infeliz.

Afinal, o termo "Ciência do Amor" revela uma dupla manipulação ideológica. Ou o Amor é transformado em "problema científico" ou a Ciência reduz seu potencial de raciocínio para mergulhar nas correntezas perigosas da emoção exagerada, nos belos rios da pieguice que levam ao despenhadeiro do fanatismo, da credulidade, da mistificação.

O termo Argumentum Ad Passiones ou simplesmente Ad Passiones, conhecido como "apelo à emoção", é considerado um tipo de falácia. Entende-se como "falácia" uma mentira ou uma inverdade que se impõem como se fossem verdades indiscutíveis, através de hábil discurso de convencimento.

A forma com que o "mentor terreno" de Chico Xavier, o então presidente da FEB Antônio Wantuil de Freitas, desenvolveu o Ad Passiones para promover a imagem de seu pupilo, antes um sombrio paranormal que professava o Catolicismo mais ortodoxo.

O que Wantuil não fez, por falta de habilidade sua e, depois, com sua morte, a FEB buscou ajuda na Rede Globo de Televisão, que teve o interesse de reinventar Chico Xavier para criar um mito religioso para fazer frente a Edir Macedo e R. R. Soares, que se ascendiam através de emissoras concorrentes (Edir, sabemos, mais tarde virou proprietário da Rede Record de rádio e TV).

A Globo, por sua vez, buscou inspiração no trabalho "limpo" do inglês Malcolm Muggeridge, que produziu um documentário que promoveu Madre Teresa de Calcutá - depois denunciada por deixar seus assistidos em condições sub-humanas - como "paradigma de caridade", uma "caridade" que mais promove o "benfeitor" do que realmente ajuda o próximo, mas cujo discurso é certeiro para arrancar comoção das massas.

E nisso também foi aplicado o Ad Passiones. criando todo um discurso associado a boas emoções e bons atos, aliado a todo um discurso de religiosidade que muitos confundem com ativismo, mas que não é outra coisa senão um tipo de ação paternalista, o assistencialismo, uma atitude condenável por ser um arremedo pouco eficaz, porém tendencioso, de assistência social.

O assistencialismo está por trás do tipo de "caridade" adotado pelos "espíritas": apenas uma forma de manter a pobreza e a miséria sob controle, mas sem acabá-las por completo. Até porque os "espíritas" cada vez mais fazem apologia ao sofrimento humano, defendendo, mesmo sem assumir no discurso, a Teologia do Sofrimento herdada do Catolicismo medieval.

Não há uma emancipação plena. E, mesmo que haja uma aparente "emancipação", como por exemplo promete o projeto da Mansão do Caminho, de Divaldo Franco, ela é sempre inócua e feita sob o preço do proselitismo religioso: você não é obrigado a acreditar em "crianças-índigo", por exemplo, mas é "aconselhado" a acreditar nisso, pela pretensa reputação de "sabedoria" associada ao famoso anti-médium baiano.

Essa "emancipação" não sai do contexto do assistencialismo, que nada intervém em transformações sociais plenas, porque é apenas uma relativa independência sócio-econômica, sem que possa transformar psicologicamente o indivíduo em alguém que compreendesse o mundo de maneira crítica e criativa e intervisse de maneira profunda nos seus problemas.

O "emancipado" não deixa de ser massa de manobra da religião e sua situação serve mais para propaganda de um suposto médium, deturpador da Doutrina Espírita, que, de tão antiquado, por sua verborragia rebuscada e prolixa, se maquia à maneira de um ator de cinema mudo dos anos 1920 e se veste como um professor do ensino aristocratizado dos anos 1930.

Allan Kardec já havia prevenido no quanto a ênfase de uma retórica apelativa à emoção, com palavras bonitas como "amor" e "caridade", podem ser perigosas, quando por trás delas existe um método de dominação religiosa, de aliciamento do público em favor da deturpação da Doutrina Espírita.

E quanto de belas palavras, imagens enfeitadas e até um ambiente de doçura nas "casas espíritas" foi feito para dominar e manipular as pessoas. São armadilhas que eram previstas já nos tempos da Codificação, mas que os brasileiros deixaram passar de tal forma que até os críticos da deturpação têm muito medo de criticar os deturpadores. O Ad Passiones causou efeitos devastadores no inconsciente coletivo diante do que se faz aqui sob o rótulo de "espiritismo".

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