domingo, 1 de novembro de 2015

"Espiritismo" derrubou a MPB?

FLÁVIO VENTURINI PARTICIPOU DE TRILHA SONORA DE FILMES "ESPÍRITAS".

Há casos estranhos que mostram como o envolvimento com o "espiritismo" cria situações surreais. A doutrina marcada por conceitos medievais, influenciados pelo Catolicismo português que foi introduzido no Brasil colonial e que vigorava até mesmo no final do Segundo Império, adota uma postura conservadora que influi mal quem é dotado de visões progressistas.

Embora aparentemente nem todos são prejudicados pelas energias pesadas do "espiritismo", nota-se, porém, que algo muda de forma não muito favorável. É o caso da MPB, cuja nata cercou a musicalidade cinematográfica dos filmes "espíritas", como Flávio Venturini e Egberto Gismonti, que fizeram trilhas sonoras para filmes sobre Francisco Cândido Xavier.

Ainda que nada tenha acontecido contra tais artistas - o máximo de mau agouro que se deu foi o falecimento relativamente precoce de Fernando Brant, um dos maiores poetas do Clube da Esquina - , nota-se que a MPB teve seu caminho travado, enquanto cada vez mais as deturpações musicais da bregalização ocupam mais e mais espaços e "sequestram" os ouvidos até de universitários.

A geração que acabou fazendo a trilha de filmes "espíritas" e que, curiosamente, não é valorizada nos "centros espíritas", cujas atividades musicais se limitam a mesclar alguns clássicos ultramassificados de MPB e sucessos comerciais de Jota Quest e dos bregas Michael Sullivan e Fábio Jr., acaba impedida de ultrapassar seus poucos espaços de expressão.

Vivemos uma época em que, para o bem do turismo olímpico, deve-se resignar com os retrocessos brasileiros, apenas se preocupando combater um ou dois problemas mais explícitos. A ideia é ficar feliz em ver um emepebista tocando num programa de fim de noite de um canal obscuro da TV paga, achando que ele mudará o mundo tocando para duas ou três pessoas.

Afinal, é um sério problema ver a MPB autêntica se reduzir a uma estéril sucessão de tributos e homenagens, que para muitos soam como uma espécie de despedida, enquanto a bregalização musical estabelece seu monopólio de mercado entre um público jovem que perde, a cada ano, qualquer interesse em ouvir MPB, vista como "chata" e "entediante".

É risível que os "espíritas" falem em "música elevada", como se bastasse que canções sejam feitas usando temas "fraternais" e "iluminados". Há muito lixo musical que se baseia nesses temas e até exagera nos arremedos de beleza e requinte. Daí a pieguice, a cafonice, o brega, que é o sentido original de combinar bom e mau gosto de forma atrapalhada, confusa e, não raro, idiotizada.

Último reduto de sofisticação musical autêntica, o Clube da Esquina deixou de apresentar novidades, estagnando seu repertório. Nesse sentido, "coincide" demais a colaboração de seus músicos ou de outros com sofisticação similar e não necessariamente mineiros, com o "espiritismo". Se nada de muito negativo aconteceu, no entanto o movimento deixou de ser referência até para a ala emepebista mais alternativa de hoje.

Esta já começa a se perder com a assimilação, tardia e confusa, da Jovem Guarda, não pela garimpagem de conhecer verdadeiros talentos do gênero, como Erasmo Carlos, mas pela obsessão cega de um pós-tropicalismo confuso e aleatório. Além disso, as gerações tidas como vanguardistas hoje se perdem em levar a provocatividade como um fim em si mesmo, não raro prejudicando o talento em prol de fórmulas mais comerciais.

O que dizer de um Rogério Skylab que prometia ser a vanguarda da vanguarda musical, um artista "maldito" que quer ser a antítese do mercado, compondo e gravando com Michael Sullivan, o expoente máximo do mais rigoroso, reacionário e ultraconservador comercialismo musical, antigo colaborador da Rede Globo e um tanto tirânico nas regras de se fazer música de sucesso no Brasil?

Segundo críticos, Rogério Skylab gravando com Michael Sullivan seria o mesmo que Ernesto Che Guevara se envolvendo com o senador norte-americano Joseph McCarthy (que inspirou o termo "macartismo"). Se um artista que se considerava modernista às últimas consequências age assim de forma condescendente com um chefão do mercantilismo musical, é porque algo está errado.

O Brasil ultimamente está se tornando sua própria caricatura. Uma caricatura feita para turista ver, um boneco de souvenir, para o consumo de estrangeiros que pensarão que nosso país é realmente essa visão de escritórios publicitários trabalhada com o apoio da mídia e até de antropólogos, sociólogos e jornalistas culturais a serviço do mercado.

E a Música Popular Brasileira, que há 50 anos chegou a enfrentar a ditadura militar através dos festivais musicais da TV, hoje se reduz ao saudosismo viciado de homenagens intermináveis, enquanto nada de novo e vigoroso é feito. E tudo isso sob uma complacência de um mercado musical cruel, que impede quem tem talento de produzir novas canções e obriga os não-talentosos a produzir novos sucessos para as rádios.

De que adianta a nata da MPB aparecer para embelezar os filmes "espíritas" com a mais sofisticada contribuição musical, se as energias "espíritas" acabam se tornando mais favoráveis para aqueles que se envolvem na bregalização musical, beneficiados pelas novas reservas de mercado que acumulam, como se a sigla MPB lhes fosse um torneio de alpinismo social?

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