sábado, 22 de abril de 2017
Misericórdia é permissividade?
A deturpação que atingiu como um punhal os postulados originais da Doutrina Espírita triunfou depois que, com o fim da Era Wantuil, se prometeu recuperar as bases kardecianas, mas se manteve todo o igrejismo de raiz roustanguista, até de maneira mais radical, por mais que o nome do incômodo Jean-Baptiste Roustaing fosse descartado.
Tentou-se combater a deturpação e poupar os deturpadores, pela bem intencionada porém ingênua tese de que os deturpadores "fizeram isso sem querer" ou "foram mal-orientados por espíritos inferiores". Acreditando que os deturpadores iriam se corrigir, criou-se o que oficialmente se chama de "kardecismo", nome que apelava mais para a promessa, nunca cumprida, de recuperar suas bases doutrinárias.
A "fase dúbia" está em crise, porque, em vez do equilíbrio doutrinário entre o cientificismo e os ensinamentos cristãos, o que se viu foi a prevalência do igrejismo, com muito mais força do que quando se assumia o nome de Roustaing. As contradições se tornaram mais frequentes e a crise só veio a se agravar mais e mais quando, na Internet, se relembravam os diversos episódios da deturpação do Espiritismo.
Acreditou-se que os deturpadores iriam se corrigir e eles não se corrigiram. Foi como se, tomados de aparente misericórdia, acolhêssemos os lobos como integrantes do nosso rebanho, Passemos as mãos nas cabeças dos lobos na crença deles desistirem de devorar as ovelhas, se tornando eles também tenras ovelhinhas.
Pode parecer desagradável e chocante para muitos, mas Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco contribuíram de forma nefasta para a ampliação da deturpação. Se eles agiram por influência de espíritos inferiores, isso é verdade, mas eles mesmos também fizeram isso com gosto, e não por ingenuidade ou boa-fé. Ou suas pregações igrejeiras medievais não teriam resultado em centenas de livros e palestras de imensa repercussão, até mesmo fora dos meios espíritas autênticos ou não.
Chico Xavier e Divaldo Franco foram as ervas daninhas a se alimentar da árvore kardeciana, prejudicando a limpidez dos frutos da Doutrina Espírita, corrompidos e infectados por um igrejismo velho, mofado, que só foram aceitas porque o brasileiro tem o coração mole e, em vez de ter vigilância, se rende fácil às armadilhas da vida.
Daí que o brasileiro aceita tudo: overdose de informação, sociedade do espetáculo, glamourização da pobreza, apelo à emoção (Ad Passiones) etc. Coisas que, no Brasil, são tidas como "maravilhosas" mas que intelectuais do mais alto gabarito, na Europa e nos EUA, definem como fenômenos perigosos e preocupantes.
Misericórdia é permissividade? Perdoar é aceitar que a pessoa continue com seu erro ou deixe de sofrer os efeitos danosos da decisão equivocada? No caso da deturpação espírita, perdoar o deturpador é dar consideração a ele quando forem recuperadas as bases kardecianas?
A resposta é não. Perdoar, neste caso, é apenas não sentir ódio e nem espumar de raiva diante de determinada pessoa ou de sua respectiva citação ou exibição de alguma imagem. Mas não é acolhê-lo como se fosse um aliado, porque, no caso da deturpação da Doutrina Espírita, já houve o conselho de mensageiros como o discípulo de Paulo de Tarso, Erasto, pedindo a rejeição severa dos deturpadores.
Vendo O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, na tradução de José Herculano Pires, se verifica que os deturpadores da Doutrina Espírita só merecem o desprezo e a rejeição severa e vigilante, não cabendo qualquer compactuação. Alertas como a tática de deturpadores falarem em "amor e caridade", apelar para a emoção e usar artifícios para convencer e atrair a vítima haviam sido feitos, e não foi sem aviso que os brasileiros viraram presas fáceis dos deturpadores.
Infelizmente, o "espiritismo" sucumbiu à permissividade, e verdadeiros atentados à lógica e ao bom senso são feitos impunemente, usando como desculpa palavras como "amor" e "fraternidade". ou pretextos como a suposta caridade, que vemos ser mero assistencialismo (aquela "caridade" que ajuda pouco, não transforma a sociedade e serve mais para propaganda do "benfeitor").
As pessoas se acostumaram tanto com isso que até os críticos da deturpação da Doutrina Espírita param no meio do caminho para ficarem fazendo ressalvas dos próprios deturpadores. Isso é um caminho muito perigoso, porque gradualmente quem questiona a deturpação, ao aceitar os deturpadores, vai acabar depois voltando atrás e aceitando a deturpação. Com o medievalismo de Emmanuel e tudo.
Por isso, o que se deve ter é bom senso, rejeitar severamente os deturpadores da Doutrina Espírita e se manter vigilante. Nenhuma retratação se deve haver e a rejeição terá que ser rigorosa e sem retratação. É admitir que os deturpadores não merecem qualquer inclusão na Doutrina Espírita e pregar que eles mereçam o esquecimento não é de tal forma defender ódio nem vingança, mas admitir a completa falta de serventia dos deturpadores para a difusão dos ensinamentos de Allan Kardec.
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