A MÍDIA ESTIMULA AS DISTORÇÕES EM TORNO DA FIGURA DO MÉDIUM.
O Brasil é um país tão atrasado que confunde ignorância com originalidade, provincianismo com estilo. E, no caso do Espiritismo, as pessoas estão tão acostumadas com a deturpação feita no nosso país que, quando se critica essa prática infeliz, os deturpadores são praticamente poupados.
A figura do médium foi um dos prejuízos da deturpação da Doutrina Espírita. Os brasileiros vestiram a camisa do ex-presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, que se estranha por que os chiquistas, discípulos de Francisco Cândido Xavier, não se declaram também wantuilistas (de Wantuil), roustanguistas (do deturpador pioneiro Jean-Baptiste Roustaing) e até marinistas (da família Marinho, dona das Organizações Globo, que colaboraram na renovação do mito de Chico Xavier).
A gente até desafia Juliano Pozati e companhia a fazerem Data Limite Segundo Jean-Baptiste Roustaing, porque no fundo é este advogado francês que se tornou o guia maior do "espiritismo" brasileiro, da mesma forma que o hoje renegado Eduardo Cunha é mentor do programa do governo Michel Temer, incluindo a terceirização para atividades-fim no emprego, ideia do governo Fernando Henrique Cardoso, mas ressuscitada pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados.
O que temos hoje no "espiritismo" é praticamente um Catolicismo à paisana, falsamente modesto até para manter uma fachada humilde para reciclar o conteúdo medieval descartado por gerações mais recentes da Igreja Católica. Sim, porque, com toda a evocação do nome de Allan Kardec, tão bajulado e pronunciado em vão, os "espíritas" herdaram o espólio do Catolicismo jesuíta do período colonial.
E aí temos a distorção da figura do médium. Nos tempos de Kardec, a função era meramente eventual. Na verdade, uma tarefa trabalhada de vez em quando, de maneira quase anônima, discreta e sem objetivos de lucro. Pelo menos no que se diz àqueles que cumprem adequadamente a tarefa, pois exclui-se os ocultistas que dizem "falar com o além", que existiam até na Antiguidade e correspondiam a atividades marcadas pelo charlatanismo e pela ganância financeira.
No Brasil, o médium virou uma grande aberração. Tanto que até o termo "médium" é distorcido desde o início. Sabe-se que não é necessariamente médium aquele que "fala com os mortos". Quem "fala com os mortos" é paranormal ou um tipo de sensitivo.
Paciência. O Brasil é tão ignorante que não entende a natureza das palavras. "Comunismo", que vem da inocente expressão "comum", é visto como um misto de tirania e corrupção. "Capitalismo", cujo prefixo é "capital", reserva de dinheiro de bancos e empresas, é visto como "doutrina político-econômica voltada para o social".
Esquecem que o termo "médium" vem de uma palavra latina relacionada a "meio". É um termo ligado às ideias de intermediário, meio, canal, mas não o centro. Neste caso, "meio" não é "centro", porque no âmbito comunicativo, "meio" é um ente passivo de uma ligação entre dois lados, e "centro" é o ente ativo, para o qual os dois lados se subordinam na ligação.
O termo "médium" é distorcido, em primeiro momento, porque é o cara que "fala com os mortos", ainda que não transmita a "comunicação" para outros vivos. Em segundo momento, o "médium" passa a ser o astro principal de um espetáculo que inclui simulações de "comunicação espiritual", porque, na prática, os "médiuns" apenas "falam" pelos mortos, que continuam incomunicáveis.
Isso é fácil de identificar. Mensagens parecidas umas às outras, que apresentam falhas relacionadas aos respectivos aspectos pessoais em cada falecido, e que quase sempre terminam com um mershandising religioso, do tipo "vamos nos unir na fraternidade em Cristo".
Não há como fingir que tudo é autêntico e acreditar em tolices do tipo "o espírito de fulano estava tão tomado de amor que se esqueceu do próprio estilo" ou "o espírito tal doou seu estilo pessoal para a caridade e investiu na linguagem universal do amor".
Mas se isso já é deplorável, essa "mentiunidade", ou seja, a mediunidade de faz-de-conta, a coisa se agrava quando o "médium" vira um dublê de filantropo, pensador e ativista. Quando o "médium" se transforma em pretenso sábio, misturando pedantismo científico, esoterismo, moralismo e igrejismo, não há como levar a sério esse falso intelectualismo. Mas, infelizmente, muitos não só levam a sério quando se incomodam quando são questionados diante dessa postura.
Um dado mais preocupante é que os "médiuns" brasileiros são dotados de culto à personalidade. A aparente postura de humildade e os arremedos de filantropia praticados não podem ocultar esse dado de extrema gravidade e que é o que joga no lixo a verdadeira tarefa de médium, porque os "médiuns" que temos, além de uma quantidade acima da normal, são praticamente os líderes do espetáculo, as atrações de cada lugar (mesmo as "casas" onde eles "administram"), e até grifes para quem quer receber "mensagens dos mortos".
É terrível isso. O "médium" virou uma aberração. Essa constatação é realista, mas assusta muita gente. As paixões religiosas ainda seduzem muitos, as imagens alucinógenas de jardins floridos nos quais o rosto de Chico Xavier brota nas flores, ou a cabeça de Divaldo Franco voando pelos céus azuis de novens brancas, marcam as mentes de muitos deslumbrados.
Diante da cegueira emocional e da ilusão que o falso saber traz às pessoas, um "discurso de sabedoria" que parece claro e esclarecedor na forma, mas é confuso e obscurantista no conteúdo. Num país em que as pessoas acham que conseguem viver num contexto de burrice e corrupção das leis - o Judiciário hoje está cada vez mais irregular, tendencioso e corrompido - , então o "médium" pode ser visto equivocadamente como "filósofo" ou "cientista".
As pessoas tem que parar de serem escravas dessa cegueira emocional bem protegida pelos conceitos de pós-verdade que transformam qualquer mistificador rebuscado em "filósofo". Deixar de se revoltarem quando há críticas severas contra os "médiuns" que erram até na "caridade", pois sua aparente filantropia, se ajuda alguém, ajuda muito pouco, servindo mais para a promoção pessoal do "benfeitor" do que para a resolução verdadeira das injustiças e desigualdades sociais.
A gente até vê "médiuns" felizes dando palestras para os ricos e adulando as elites, em vez de cobrar delas maior investimento contra a miséria. E "espíritas" em geral dizendo para as pessoas "amarem o sofrimento". Que esperar de bondade de uma doutrina dessas, deturpada até a medula - diga-se de DNA roustanguista - , mais preocupada em dizer para os sofredores "aguentarem a barra"?
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