sexta-feira, 21 de abril de 2017

O maior erro de José Herculano Pires


José Herculano Pires foi um dos espíritas autênticos de notável trajetória, e que, como tradutor, é o que mais manteve fidelidade com o texto original de Allan Kardec, traduzindo quase todos os livros da Codificação publicados pela LAKE (Livraria Allan Kardec Editora), enquanto, sob sua orientação, obras como O Que é o Espiritismo tinham a tradução do colaborador Wallace Leal Rodrigues.

Pires, sobrinho do contador caipira Cornélio Pires - é curioso falarmos em cultura caipira, quando se vê que até ela é alvo de intensa deturpação - , foi também um dos mais enérgicos críticos da deturpação da Doutrina Espírita.

Em boa parte de suas obras - num currículo que inclui formação em Filosofia e intensa atividade jornalística e literária - , Pires faz duras críticas ao que ele denomina "igrejificação" do Espiritismo, tendo sido o maior representante do grupo dos "científicos", fiéis aos postulados espíritas originais, em detrimento dos "místicos", que predominam e tomam as rédeas no "movimento espírita".

É de Herculano Pires - também creditado muitas vezes como "J. Herculano Pires" - o termo "doutrina dos papalvos" ("papalvo" quer dizer "pateta" ou "imbecil") para definir a deturpação igrejista feita com o Espiritismo. Denunciou, em 1973, um plano ainda mais perverso que a FEESP, Federação "Espírita" do Estado de São Paulo (federação regional privilegiada pelo poderio da FEB), de fazer uma tradução dos livros kardecianos mais próxima ainda da deturpação roustanguista.

Pires também alertou para o roustanguismo confesso do baiano Divaldo Franco, embora este diga que "não teve tempo para ler a obra de Jean-Baptiste Roustaing" (a falta de tempo não teria sido em relação a outro autor, Divaldo?).

No entanto, Herculano Pires cometeu um sério erro. Amigo de Francisco Cândido Xavier, superestimou a confiança dada ao anti-médium mineiro e, talvez vendo boa-fé no "médium" na condução igrejificada do Espiritismo, acreditasse que o mineiro poderia seguir corretamente o legado de Allan Kardec, fazendo até com ele parcerias em cinco livros.

AMIGOS, AMIGOS, NEGÓCIOS À PARTE

Pelo menos, Herculano era pé no chão e nunca acreditaria que Chico Xavier teria sido reencarnação de Allan Kardec. Há uma entrevista em um programa em 1971 no qual Herculano pergunta a Chico sobre alguma informação sobre reencarnação de Kardec e o mineiro afirma não ter tido qualquer informação.

Renato – Existe alguma notícia, já que se fala tanto, do plano espiritual sobre a reencarnação de Kardec aqui no Brasil ou em algum outro país?

Chico Xavier – Até hoje, pessoalmente, eu nunca recebi qualquer notícia positiva a respeito da presença de Allan Kardec reencarnado no Brasil ou alhures. Entretanto, eu devo dizer que em se tratando desses vultos veneráveis do nosso movimento, seja do cristianismo, seja do espiritismo, pessoalmente eu tenho muito receio de receber qualquer notícia, porque temo, pela minha fragilidade, e estimaria não ser o médium de notícias tão altas.

J. Herculano Pires – Excelente, Chico, essa resposta, porque infelizmente há por aí uma onda de reencarnações de Allan Kardec. Infelizmente há. Nós sabemos que isso são perturbações que ocorrem no movimento espírita em virtude da invigilância dos médiuns e da falta mesmo de compreensão de grande parte dos nossos companheiros no tocante à significação de uma personalidade espiritual como a de Kardec. De maneira que a sua resposta é também para nós de um valor inestimável.

Chico Xavier – Muito obrigado. Pensamos que, quando Allan Kardec surgir ou ressurgir, ele dará notícias de si mesmo pela sua grandeza, pela presença que mostre.

E onde está o erro de José Herculano Pires? Talvez tenha havido uma certa invigilância prática, até porque se reconhece, pelas próprias atividades, que Chico Xavier foi um deturpador proposital, não um ingênuo deturpador do Espiritismo. O mineiro não agiu por boa-fé, mas sim por má-fé, senão ele não teria escrito uma série de livros e depoimentos ligados à mais explícita igrejificação do "movimento espírita".

O erro pode ter sido uma complacência que abriu caminho para a "fase dúbia". Herculano era até bem intencionado na sua crença de que Chico Xavier ou mesmo Divaldo Franco teriam sido "vítimas de espíritos das trevas" e, por isso, houvesse uma chance dos dois se corrigirem e passarem a pregar corretamente os postulados espíritas originais.

Não foi isso que aconteceu. E, diante da esperança de haver um "equilíbrio" entre "científicos" e "místicos", com a coexistência "em bons termos" do rigor científico dos ensinamentos de Allan Kardec e dos valores católicos "na dose certa" atribuídos a Jesus de Nazaré, acreditava-se que o Espiritismo estaria com seu formato ideal. Esse suposto equilíbrio chegou a influir na popularização do "espiritismo", nos últimos 40 anos.

Todavia, o que se observa é que a "fase dúbia" é que se originou com esse "convívio pacífico" entre a árvore espírita e a erva daninha da deturpação. E ignorando aberrações como a de que o próprio conceito de "médium" foi deturpado no Brasil, expressando culto à personalidade, pretensa sabedoria e estrelismo explícito, a promessa de recuperação das bases kardecianas foi seriamente prejudicada.


HERCULANO PIRES VIROU "CABEÇA DE PAPEL"

Mesmo bem intencionada, a esperança de Herculano Pires se constituiu num erro fatal. A acolhida dos "médiuns" deturpadores, mesmo sob o signo da misericórdia e da fraternidade, e a promessa de que o igrejismo estaria nos limites "estritamente cristãos" trouxe efeitos nefastos.

O fato de Chico Xavier e Divaldo Franco espalharem a deturpação, com ideias igrejistas e misticismo surreal, de forma proposital e ampliada, através de livros e, no caso deste último, de palestras ao redor do mundo, fez com que a esperança de Herculano Pires tivesse sido em vão.

A "fase dúbia" fez piorar ainda mais a deturpação do Espiritismo, uma vez que o roustanguismo deixava de ser assumido. Como no caso do ex-deputado Eduardo Cunha para o grupo político do governo Michel Temer, se descartou o idealizador, mas se aproveitou o seu legado e hoje projetos defendidos por Cunha, como a terceirização e a flexibilização das relações de trabalho, continuam na pauta do grupo político, mesmo com o ex-deputado virado "carta fora do baralho".

Dessa forma, criou-se um roustanguismo sem Jean-Baptiste Roustaing, mas com citações pedantes não apenas de Allan Kardec, mas também de personalidades científicas. Até mesmo Erasto é evocado pelos roustanguistas não-assumidos, como meio de fingir que está cumprindo o rigor doutrinário, colocando as traições constantes e diárias debaixo do tapete.

Herculano Pires acabou sendo feito gato e sapato por aqueles que ele tentou acolher na melhor das intenções. Depois da morte do batalhador, ele foi usado numa suposta materialização, ainda em 1979, repetindo as técnicas fraudulentas que se via até a década de 1970, com uso de gazes e colagem de fotos mimeografadas. Uma foto conhecida de Herculano Pires foi usada na farsa.

Houve também, num "centro espírita" de Brasília, uma suposta psicografia de 2003 atribuída a José Herculano Pires, mas com qualidade muito inferior de seus textos e poemas - Herculano também escrevia poesia, até por influência do tio poeta e compositor - , ia na contramão de seu senso lógico, pois a suposta mensagem espiritual alegava que Chico Xavier era reencarnação de Allan Kardec.

Sabe-se que, em Brasília, há o suposto médium Ariston Teles, nascido na Bahia mas vivendo na capital do país. Suposto incorporador de Xavier - talvez por conseguir imitar sua voz, após tempos de convívio quando o anti-médium mineiro era vivo - , Ariston defende a tese de que "Chico foi Kardec", uma tese absurda mesmo se considerarmos os parâmetros da deturpação do Espiritismo. 

O poema, carregado do mais laxativo igrejismo, é este que vemos abaixo:

A VOZ DE CHICO

Atribuído ao espírito Irmão Saulo, suposto pseudônimo de Herculano Pires

O além sempre mostrando
A presença da bondade,
Um anjo se apagou
E serviu à Humanidade.

Os enganos, desenganos,
Na luta junto a Jesus,
Kardec se engrandece
Após o Chico e a cruz.

O mesmo médium mineiro,
De tanta simplicidade,
Ocultava a voz do Mestre,
É Kardec na cidade..

Quanta vontade de ver
Os amigos de outrora,
Dizer-lhes que me enganei
Pois Chico se esplendora.

Viva luz banha meu peito,
Chico nimbado de luz
Em junho, dois mil e dois,
Pois avista-se a Jesus.

O Mestre vem receber
O amigo de todos nós,
Allan Kardec desperta
E Chico solta sua voz.

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