quarta-feira, 19 de abril de 2017
Millôr Fernandes nocauteou Chico Xavier e Divaldo Franco
No malabarismo das belas palavras, o "espiritismo" sempre cai em contradição. Cai quando assume posturas que, no dia seguinte, irá desmentir. Cai por cometer erros de propósito que no momento posterior são tidos como acidentais.
Cria-se todo um faz de conta de pretensa sabedoria, com os supostos médiuns promovidos a dublês de pensadores e beneficiados pelo culto à personalidade. Aberrações como a série de livros "Divaldo Responde" são ilustrativas sobre o quanto o "espiritismo" deturpado arroga-se a se achar "possuidor da verdade".
Uma frase de Millôr Fernandes, este, sim, alguém que pôde transmitir o saber através do humor, Em pelo menos duas frases, Millôr pode ser tomado emprestado para questionar o irregular "espiritismo" e seus médiuns dotados de um estrelismo messiânico mal disfarçado de humildade.
Uma frase é "Quem sabe tudo, é porque anda mal informado". Só essa frase faria com que os volumes pedantes do anti-médium Divaldo Franco, os tais "Divaldo Responde", tenham vergonha até de serem jogados nos sebos, porque ninguém vai querer ficar com livros igrejistas que prometem "respostas prontas" para tudo.
A realidade é muito complexa para haver pseudo-sábios oferecendo respostas para todas as coisas, arrogando uma perfeição descomunal. Além do mais, o verdadeiro sábio não é aquele que oferece respostas, mas questões. Ou dúvidas, como uma outra versão da frase de Millôr que circula na Internet: "Se você não tem dúvidas, é porque está mal informado".
Ha um malabarismo discursivo em que os "espíritas" primeiro assumem posições taxativas que depois vão relativizando. Eles ficam fazendo um interminável jogo de palavras que tenta dar a falsa impressão de tanto oferecer certezas como adotar autocríticas. Falam sem saber, iludidos com sua sensação de "posse da verdade" e, quando são desmascarados, tentam reconhecer os erros mas é tarde demais.
A doutrina marca por um festival interminável de contradições. Os seguidores, tomados de uma emotividade extrema, deixam tudo passar. Pensam que o a coerência pode montar uma ilha num mar revolto de tantas contradições e confusões. que o bom senso e o contrassenso podem ser falsamente conectados por uma palavra solta chamada "amor". Seria um falso equilíbrio que, na verdade, atestaria a vitória do contrassenso sobre o bom senso.
Outra frase de Millôr é a de que "Heróis nunca me iludiram". Os supostos "médiuns espíritas", que já destoam violentamente do que os médiuns do tempo de Allan Kardec eram, pois em vez de serem pessoas discretíssimas e quase anônimas, tornaram-se portadores do mais aberrante culto à personalidade, da forma mais cafajeste, disfarçada de humildade, mas inspiradora dos mais levianos gozos terrenos, que ocorrem sob a lona das paixões religiosas.
Os "médiuns" viraram pretensos heróis, pretensos santos canonizados de maneira informal, um agravante em relação à canonização católica, porque, com todo o tendenciosismo e leviandade de muitos processos - pessoas que se revelaram perversas como o padre José de Anchieta e Madre Teresa de Calcutá viraram "santos" - , há pelo menos uma formalização e uma organização. No "espiritismo", basta o "achismo" para atribuir santidade a fulano ou sicrano.
O que parece lindo, confortante, animador e admirável é, na verdade, uma leviandade. "Médiuns" que viram objetos de adoração extrema, pelo malabarismo das palavras, pelo espetáculo de suas atividades religiosas, pela pretensa sabedoria e por uma aparente filantropia que mais expõe o "benfeitor" do que realiza benefícios, por sinal, bastante inexpressivos.
Ainda há uma outra frase de Millôr Fernandes que também pode ser interpretada, não exatamente ao pé da letra, mas diante de uma mania muito comum no Brasil, que é de abraçar novidades e compactuá-las com conceitos velhos: "Quando uma ideologia fica bem velhinha, ela vem morar no Brasil".
Na verdade, a ideologia em si não é o sistema original de ideias contido numa corrente que, no exterior, surgiu inovadora, mas a forma com que ela foi recebida no Brasil. Tivemos vários exemplos de quanto as novidades "perecem" pela compactuação com aspectos retrógrados da corrente que deveria ser rompida, mas que sobrevive na essência quase oculta da novidade deturpada.
Tivemos, no Brasil, um Iluminismo que compactuou com a escravatura. Mais recentemente, tivemos uma cultura rock'n'roll que compactuou com velhos paradigmas de diluições comportadas dos EUA e Itália assimiladas pela Jovem Guarda, e rádios de rock que se deturparam em prol de uma linguagem "jovem", ou melhor, Jovem Pan, espécie de rádio pop mofada.
E temos um feminismo que tem que negociar com o machismo, seja "aconselhando" mulheres com inteligência, opinião e sem sensualismo obsessivo a se casarem com homens de liderança, enquanto aquelas que se contentam em ser meros objetos sexuais são "dispensadas" até de ter um namorado.
O Espiritismo entra nesse bolo de bolor, com cobertura nova e recheio podre, que se faz muito no Brasil. O que se vê na doutrina de Allan Kardec, no Brasil, é sua desfiguração total: em lugar do cientificismo original kardeciano, influenciado pelo Iluminismo francês, o que se vê é um igrejismo extremado e um receituário moralista inspirado na Teologia do Sofrimento do Catolicismo medieval.
Diante de tantas análises, Millôr Fernandes, que embora desagrade muitas pessoas por ter sido ateu, foi um grande intelectual que usava do humorismo para trazer boas lições para a humanidade. Não se preocupava em ser santo, sábio ou herói, e com isso tinha a liberdade de trazer ideias consistentes.
Muito diferente dos "médiuns espíritas" que, no Brasil, vivem o culto à personalidade, se passando por pretensos sábios e supostos filantropos, para promover um igrejismo velho e cansado, mas que ainda arrasta multidões seduzidas pela tentação fácil das paixões religiosas.
Com suas frases, Millôr Fernandes nocauteou os "médiuns" Divaldo Franco e Chico Xavier e outros que seguem linhas semelhantes.
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