quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O outro lado de quem é queixoso

EUSTÁCIO, O RESMUNGÃO, OU CHICO XAVIER?

"Conheces todos os segredos de sua alma?" advertiu o espírito Erasto diante da hipótese de supostos médiuns tidos como bondosos veicularem respostas falsas e grosseiras. As advertências de Erasto não só foram ignoradas no Brasil como há pessoas que deturpam e distorcem tais conselhos, como se não bastassem as deturpações violentas feitas em relação à Doutrina Espírita.

As deturpações se ampliaram como uma bola de neve e vemos hoje Francisco Cândido Xavier e seguidores (de Divaldo Franco a, pelo menos, João de Deus, já que Robson Pinheiro parece seguir uma linha "independente" dos ditos "kardecistas autênticos", eufemismo para a fase dúbia do "movimento espírita", que é o igrejismo disfarçado de legado kardeciano) viraram os "senhores" da Doutrina Espírita, os "donos" dos mortos e reivindicam a posse absoluta da verdade.

Ninguém ouviu Erasto e, quando tenta, pega de fontes pouco confiáveis, como as traduções da FEB e da IDE que rebaixam o professor Allan Kardec a um pároco de província. É como numa equação que começa errada e cujos cálculos posteriores parecem corretos mas se destinam justamente ao resultado errado, com um falso Erasto defendendo as mentiras do "espiritismo" igrejista brasileiro.

E aí vemos um moralismo conservador, um igrejismo medieval e uma falsa mediunidade limitada ao faz-de-conta e ao mershandising do proselitismo religioso - quase todos os supostos mortos fazem mensagens apelando pelos "ensinamentos cristãos" - , que se servem como se fosse o "verdadeiro espiritismo" e cuja credibilidade é forçadamente conquistada através de muita bondade de fachada - a caridade paliativa, que mais fascina que ajuda - e com muito vitimismo de seus anti-médiuns.

E aí nos lembramos do arrivismo de Chico Xavier, alvo da maior impunidade que alguém pode receber por atos irresponsáveis e prejudiciais. Ele fez pastiches e plágios literários, era católico de conceitos medievais, moralista severo, usurpador de mortos, se promovia às custas das tragédias familiares e ainda por cima usou Allan Kardec para lançar ideias contrárias ao pensamento do pedagogo francês.

É tanta coisa deplorável que é assustador que Chico Xavier, que ainda conta com o apoio da chamada "mídia venal" - como estudiosos de Comunicação chamam a mídia dominante, comercial e reacionária - , tenha feito tanta barbaridade e seja visto como um semi-deus ou mesmo um vice-deus, e qualquer crítica havia sido rebatida com vitimismo dele (o esperto Chico era artífice dessa manobra) e, mais recentemente, por seus seguidores fanáticos, não obstante temperamentais.

Uma faceta entre tantas sombrias do "bondoso médium" é não suportar gente queixosa. Como no caso de Divaldo Franco e sua "Joana de Angelis" (provavelmente uma identidade "trans" do obsessor Máscara de Ferro), que pregava para "ninguém ficar triste por mais de 15 minutos, Chico Xavier sempre deixou claro que não suportava gente resmungona.

É até irônico que um personagem do seriado de animação Coragem, o Cão Covarde (Courage the Cowardly Dog), o idoso Eustácio (Eustace no original), lembre, nos seus traços faciais, o "médium" Chico Xavier. Afinal, o Eustácio é um personagem resmungão.

Mas se observarmos bem, Chico Xavier havia sido um resmungão. Os piores resmungões são aqueles que não suportam ver gente reclamando, sempre cobrando uma felicidade forçada, uma serenidade falsa que acoberta o pior sofrimento. O desfile de belas palavras apenas dá a impressão de que Chico Xavier era pura mansuetude, mas quando podia ele tinha veneno na língua.

É só ver o caso de Jair Presente. Diante de supostas psicografias que não condiziam com a personalidade do estudante de Engenharia, os amigos do falecido universitário, que mais conviveram com ele, reclamavam das "mensagens mediúnicas". Diziam que não havia jeito para aceitar tais mensagens como "legítimas". Irritado (sim, irritado), Chico Xavier disse que isso era "bobagem da grossa".

Em 1943, no livro Reportagens de Além-Túmulo, Chico Xavier, usando o nome de Humberto de Campos, escreveu, junto a Antônio Wantuil de Freitas, presidente da FEB, um conto sobre uma mulher queixosa que era abandonada por todos por causa de sua "mania de reclamar da vida". Um conto claramente moralista, que Humberto nem em sonhos teria o menor interesse em escrever.

Isso mostra o quanto Chico Xavier foi um dos maiores devotos da Teologia do Sofrimento, corrente medieval da Igreja Católica que agora parece crescer no "movimento espírita", estimulado pela epidemia ultraconservadora que toma conta do país desde a posse de Michel Temer, ainda como presidente interino da República.

Chico Xavier dizia para os sofredores não mostrarem sofrimento para outrem. Isso é comparável a um doente que não pode informar sua doença para familiares, amigos e nem para o médico. Isso é uma visão claramente sádica, e é inútil os chiquistas iniciarem seus corais de lágrimas e nos acusar de fazer campanha contra o "pobre médium" porque a visão sádica veio das próprias palavras dele.

Mas há o outro lado dos queixosos que as "belas palavras" moralistas de Chico Xavier - várias levianamente atribuídas a personalidades mortas - escondem. A de que, se há pessoas que reclamam demais, não é por recreio nem passatempo, assim como é de praxe os "espíritas" ignorarem que ninguém se suicida por hobby ou para ver se uma arma ou veneno realmente funcionam.

O queixoso é aquele que encontrou tantos obstáculos na vida, dificílimos de serem superados, que passou a se revoltar com isso. É do instinto humano, se até um cãozinho dócil e meigo vira uma fera perigosa, capaz de matar alguém com uma mordida, se ele for acuado, o ser humano também se brutaliza quando o "remédio" das desilusões e das dificuldades está muito acima da dose.

As pessoas que se encontram nestas condições extremas fizeram o que puderam para superar dificuldades. Mudaram seus pensamentos, entraram com fé, desenvolveram alegria e tudo. Se esforçaram cumprindo as exigências correspondentes. Mas tudo isso, sendo em vão, lhes revolta, naturalmente. É muito fácil cobrar de quem está por baixo, mas em muitos casos há que se cobrar também pela falta das oportunidades corretas, mesmo se considerar o risco de algum esforço.

Daí a perversidade do moralismo de Chico Xavier (chorem, chiquistas!), porque é um moralismo severo, retrógrado, reacionário. Isso faz sentido a alguém que defendeu a ditadura, esculhambou operários e camponeses e acusou humildes frequentadores de um circo em Niterói destruído por um incêndio criminoso de terem sido "romanos sanguinários" numa outra vida, em clara demonstração de puro juízo de valor, sem provas lógicas e protegido pela carteirada religiosa do "médium".

Isso é absoluta falta de caridade. Os "espíritas", insensíveis ao sofrimento de outrem, só recorrem quando advertidos de sua severidade moralista. No primeiro momento dizem que as pessoas devem aguentar o sofrimento. No segundo, tentam dizer que o sofrimento é só um "aprendizado" ou um "desafio". No terceiro, tentam apelar para o sofredor "ter fé e esperança". E, quando tentam ajudar, dificilmente é de maneira adequada ou eficiente.

Com toda a certeza, a bondade se enfraquece quando se torna apenas um subproduto da fé religiosa e se submete a uma marca de uma seita religiosa. Escravizada por preceitos moralistas, místicos e ritualistas, a bondade se torna mais frouxa, menos eficaz e, sobretudo, muito menos benéfica para as pessoas, e se torna indiferente às dificuldades alheias.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O Brasil e a blindagem para poucos, não necessariamente os melhores


O Brasil vive uma situação surreal em que há todo um esquema de blindagem para poucos, um privilégio dado não necessariamente àqueles dotados de grandes virtudes, mas aos que cometem erros gravíssimos mas são protegidos por algum grande status social.

Há pessoas que, hoje, são completamente beneficiadas pela impunidade plena, fossem quem fossem os abusos cometidos. Pessoas que causam escândalos sérios, incidentes preocupantes, mas que nada consegue abalá-los.

Isso não quer dizer que tais pessoas tenham virtudes que se sobressaem aos defeitos, até porque os defeitos chegam a ser graves e as virtudes, superficiais ou inexpressivas. Mesmo assim, o respaldo da sociedade faz com que instituições ou pessoas se tornem "intocaveis" pelo status que representam devido aos valores conservadores e certos paradigmas hierárquicos.

No Poder Judiciário e no Ministério Público, temos exemplos de pessoas que são blindadas por mais que cometam erros graves e constrangedores. As atuações do juiz Sérgio Moro, do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e do procurador Deltan Dalagnol são totalmente irregulares e gravíssimas, sob o ponto de vista do Direito, escapando muitas vezes do rigor metodológico e da imparcialidade.

Mesmo assim, eles são dotados de uma blindagem extrema e forte. São beneficiados por um prestígio e um status inabaláveis, nenhuma denúncia contra eles consegue derrubá-los, enquanto por outro lado seus seguidores os endeusam como se eles já tivessem o passaporte para o Paraíso, o "reino dos puros".

A Rede Globo de Televisão é principal veículo das Organizações Globo, empresa cujos donos, os irmãos Marinho (João Roberto, José Roberto e Roberto Irineu), são comprovadamente sonegadores de impostos, donos de algumas das maiores fortunas do mundo e ainda recebem verbas públicas que estão garantidas pelo governo de Michel Temer, o mesmo que pretende fazer um rigoroso congelamento de gastos públicos.

Nada abala da Rede Globo, que manipula a opinião pública e estabelece influência ideológica até em parcela de aparentes detratores. Gírias (como "balada" e "galera"), hábitos vestuários, gastronômicos etc, gostos musicais e tudo, penetram no inconsciente coletivo até de pessoas que pegam carona no bordão "o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo". A Globo nunca é punida, não entra em falência e sua queda de público, além de longe de ser drástica, ainda não abala seriamente a empresa.

Da Rede Globo, o exemplo da blindagem mais extrema é o do apresentador Luciano Huck. Ele é sócio de uma marca de roupas que publicou mensagens de mau gosto que expressavam preconceitos sociais graves. Ele popularizou a gíria "balada", criada por DJs de boates para ricos com base no eufemismo "bala" (pílulas entorpecentes, como ecstasy).

Elitista, Luciano tenta se passar por "assistente social" num quadro do Caldeirão do Huck, Há denúncias de que ele mandava reformar carros velhos, fingia entregar aos beneficiários e depois os pegava de volta dando uma precária indenização. Sem falar que os quadros "assistenciais" são copiados de programas do gênero, de valor muito duvidoso, transmitidos nos EUA.

Huck também foi visto fumando cigarros suspeitos e apoia políticos retrógrados como João Dória Jr. (que tomou café de botequim fazendo cara de nojo) e Aécio Neves, ele enrolado em muitas denúncias de corrupção - só pela Operação Lava Jato Aécio é citado em pelo menos seis delações - e também beneficiado pela blindagem mais absoluta.

Aécio é do PSDB. O PSDB também é beneficiado pela blindagem da mídia e da sociedade. A Justiça, então, nem chega perto dos tucanos, a não ser os de "pequena plumagem" (os políticos menores), geralmente prefeitos do interior ou deputados e vereadores de menor expressão política.

Nomes como Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves, ou mesmo os falecidos Sérgio Guerra e Mário Covas, estão citados em denúncias graves de corrupção, com muitas provas documentais e tendo desviado grandes somas de dinheiro público para suas contas pessoais e de seus familiares.

Apesar disso, os que estão vivos nem de longe vivem o ocaso político, estando até esperançosos em pôr a República em suas mãos. A Justiça não mexe no PSDB. Aécio Neves está citado em denúncias da Lava Jato e o jurista Gilmar Mendes - que o filho do espírita Deolindo Amorim, Paulo Henrique Amorim, definiu como "do PSDB do Mato Grosso" -

O "espiritismo" brasileiro também tem uma blindagem surpreendente. A religião nem está entre as mais populares do Brasil, mas goza de uma impunidade que nem mesmo católicos e evangélicos chegam a possuir. Nenhum questionamento oficial atinge os "espíritas" que, diante de denúncias, ainda reagem com vitimismo, no seu teatrinho de falsa modéstia.

Chico Xavier e Divaldo Franco se tornaram os piores deturpadores da Doutrina Espírita, produzindo livros e dando depoimentos cujo conteúdo, em que pese o suposto teor de "bondade", contrariam de maneira aberrante o pensamento trazido por Allan Kardec.

No entanto, os dois foram aproveitados pela doutrina dúbia, tendência ainda dominante no "movimento espírita", que prometeu a "recuperação das bases kardecianas" mas manteve o igrejismo herdado do roustanguismo. Há quem acredite numa recuperação "para valer" do pensamento kardeciano mantendo os dois "médiuns" deturpadores no pedestal.

O verniz de "bondade" dos dois "médiuns" criou uma linhagem de impunidade no "movimento espírita", em que verdadeiras fraudes "mediúnicas" são produzidas impunemente. Chico Xavier saiu impune na usurpação do nome de Humberto de Campos e, esperto, o "médium" ainda aliciou familiares do falecido escritor que, iludidos com a aparente "bondade" do mineiro, acabaram se rendendo a ele.

Chico Xavier fez pastiches literários grosseiros, incluindo vários plágios, usurpou identidades de pessoas mortas famosas ou não, defendeu e propagou valores moralistas retrógrados, defendeu a ditadura e enganou muita gente sob a capa da "bondade" e da "caridade".

Mesmo assim, o anti-médium morreu impune, blindado pela sociedade, endeusado pelas paixões terrenas de seus seguidores, cegos e enfeitiçados pelo deslumbramento religioso que santifica na Terra os ídolos religiosos que, no "outro lado da vida", recebem o choque das "santas ilusões" que mascaram vaidades imensas sob o disfarce da "humildade".

Isso fez com que outros seguidores "espíritas" também se beneficiassem com a impunidade. O rico "curandeiro" João Teixeira de Faria, o João de Deus, que não teve coragem de tentar auto-cirurgia de um câncer, é um poderoso latifundiário, cujos bens foram provavelmente desviados do dinheiro da caridade. Mas ninguém investiga.

Em vez disso, João de Deus ainda tem o benefício de ter a Rede Globo encomendando a uma atriz ateia a fazer uma "visita de agradecimento" por não ter sofrido uma tragédia que matou um colega de cena. E, o que é pior, poucos percebem que essa "visita espontânea" era um recurso da Globo de usar o "espiritismo" para reagir à Rede Record, cuja dona, a Igreja Universal do Reino de Deus, tem um "bispo" se preparando para assumir a Prefeitura do Rio de Janeiro após a virada do ano.

José Medrado é acusado de usar sem alvará um terreno da Cidade da Luz em Salvador, de manter os meninos pobres que aloja isolados durante as palestras. Além disso, Medrado costuma fazer piadas preconceituosas em suas exposições, e é cortejado pela alta sociedade soteropolitana, da qual o próprio "médium" faz parte, ostentando um carrão utilitário caro demais para alguém com currículo de funcionário público.

Mas o mais grave é que Medrado está associado a produção de quadros que nem de longe lembram os estilos dos pintores falecidos a quem se atribui tais pinturas. mas são parecidos entre si, lembrando mais o estilo pessoal do "médium", que não mede escrúpulos em usar uma mesma caligrafia para assinaturas tidas como "de diferentes autores".

E mesmo o "refinado" Divaldo Franco cometeu a gravidade de espalhar a deturpação da Doutrina Espírita para vários cantos do mundo, no esforço de destruir o legado de Allan Kardec espalhando mentiras e conceitos estranhos à doutrina kardeciana. Um dos aspectos mais preocupantes é a defesa de uma bobagem sensacionalista como as crianças-índigo, um modismo esotérico tão ridículo que resultou até na separação de um casal que criou essa farsa, por causa de disputas financeiras.

E ninguém investiga, ninguém questiona, ninguém analisa com severidade e rigor objetivo. Em vez disso, preferem adular esses ídolos "espíritas", e, quando muito, apenas criam-se simulacros de investigação sobre Chico Xavier, que praticamente dão em nada.

Ser "espírita" é se sentir no "paraíso" da Terra, podendo praticar desonestidade doutrinária e fraude mediúnica, que ninguém mexe. E quando há um risco, os "espíritas" e seus seguidores ainda reagem com coitadismo ou apelam para ostentar ações "filantrópicas", tidas como "transformadoras" mas que são extremamente inócuas e pouco expressivas. Vide o caso da Mansão do Caminho.

É triste ver que pessoas e instituições assim, como os "espíritas", o PSDB, a Rede Globo etc, são dotados da mais absoluta impunidade, podendo cometer seus abusos e desonestidades livremente, sem ver qualquer efeito drástico contra tais delitos ou crimes.

É constrangedor ver que o status quo blinda tais pessoas, não pelas virtudes que possuem, que são poucas e medianas, mas para protegê-los em seus erros graves, como se fosse possível fazer apologia do erro quando seu praticante goza de alto prestígio. O "paraíso" da Terra garante tais privilégios, dentro de um quadro em que multidões são vítimas diárias de tantas injustiças sociais.

sábado, 26 de novembro de 2016

É fácil o "espírita" dizer para o outro abrir mão do que quer. E o próprio "espírita"?


O "movimento espírita", nas suas pregações moralistas, demonstra seu vínculo com a Teologia do Sofrimento, o "caminho da felicidade" traçado pela longa jornada de desgraças acumuladas. É você ter que se dar mal na vida para chegar perto do "Alto", nem que seja desperdiçando encarnações e sacrificando a própria individualidade e seus talentos.

O "espiritismo" brasileiro acaba restringindo a noção de caridade. Só se pode ajudar três tipos de pessoas: os sofredores mais extremos, para evitar o ônus social do prejuízo mais grave, os arrivistas, que querem levar vantagem na marra, e os algozes, que estão no poder de forma abusiva e injusta.

É por isso que o caminho das desilusões chega a ser surreal. O problema não está nas desilusões, mas da forma como o "espírita" prega, que faz do desiludido não uma pessoa que aprende a lição amarga dessas ocorrências, mas de um escravo das ilusões alheias. O desiludido, em vez de criar novas perspectivas, é convidado até a voltar às velhas ilusões, apesar do sofrimento por elas dado.

O "espírita" parece um envaidecido moral. Ele se julga na posse da verdade, da palavra final, do melhor argumento, apenas porque se considera "ligado a Deus" e próximo do que ele acredita ser Jesus (que, sabemos, iria reprovar severamente o "espiritismo" que existe no Brasil). Por isso, para ele, tanto faz o moralismo que ele serve aos outros ser extremamente severo e cruel.

Nada como pregar a desgraça alheia usando belas palavras. É como se jogasse pimenta nos olhos dos outros e caprichasse no tempero. Mas o "espírita", malabarista da palavra, sempre usa desvios discursivos para dissimular a própria Teologia do Sofrimento, de maneira que ele não seja visto como alguém que faça apologia da desgraça alheia.

No primeiro momento, ele diz para a pessoa aceitar o sofrimento sem queixumes. Diante do primeiro questionamento, muda seu discurso, dizendo que o sofrimento não é sofrimento e sim um aprendizado. Questionado outra vez, ele diz para as pessoas abrirem mão dos desejos, que no seu juízo de valor são classificados como "inúteis". No outro questionamento, ele diz que há outros meios de obter felicidade etc. Assim fica difícil o "espírita" ficar com a palavra final e a posse da verdade.

Seu moralismo é bastante severo, mesmo com palavras dóceis, dadas em tom paternal. É muito fácil o "espírita", no seu conforto, diante do computador ou na bancada de sua palestra, protegido no seu prestígio religioso, pedir para as pessoas aceitarem o sofrimento, abrirem mão de seus projetos de vida e até da individualidade.

O "espírita" goza das mais perfeitas regalias. Ele pode até fazer falsidade ideológica, se recolhendo numa sala fechada, criando uma mensagem da própria mente, e inventar que foi um morto de sua escolha que escreveu. Uma mensagem de mershandising religioso, diga-se de passagem. O "espírita" sai quase sempre bem sucedido, e até os familiares que ele engana tornam-se fáceis de conquistar confiança plena, por causa da grife religiosa do "centro" em que trabalha.

Fica muito fácil fazer juízo de valor, moralismo retrógrado e tudo. A partir do exemplo de Francisco Cândido Xavier, ser "espírita" no Brasil garante a mais perfeita impunidade. Chico Xavier nunca passou de um pastichador de obras literárias e escrevinhador de cartas religiosas, além de católico ortodoxo e moralista ultraconservador, mas foi consagrado erroneamente como "progressista" e a ele atribuídas as maiores qualidades humanas, no fundo inexistentes, como o ativismo e a sabedoria.

E o "espírita", o que acha de sua situação? Fala-se tanto, na ideologia moralista, que o problema sempre está no "eu" e não no "outro". Mas o "espírita", como todo moralista religioso que é, deve se lembrar que, no seu discurso, ele é o "eu". Ele não pode mascarar seu discurso com falsa impessoalidade, porque ele é o que justamente será cobrado pelas cobranças que faz dos outros, muito mal disfarçadas pelo balé de palavras lindas e bondosas.

O "espírita" fala que o sofredor não está na Terra por turismo. E o "espírita", no seu turismo? Excursiona por várias cidades brasileiras, e em muitos casos ao redor do mundo, colecionando medalhas, condecorações, ganhando rios de dinheiro - que jura se destinarem "à caridade" e à "saudável sobrevivência biológica do 'espírita'" - e fazendo palestras para gente rica e esnobe.

O "espírita" fala que o sofredor tem que abrir mão de desejos, de necessidades, até de sua individualidade e seus talentos. Em certos casos, chega a dizer: "que mal tem um professor se vai passar o resto de seus dias como flanelinha de rua?". O "espírita" ignora que muitos planos de vida abortados pelo sofrimento insolúvel não foram feitos no capricho das fantasias infantis nem nos devaneios da luxúria e da fortuna, mas a custa de desilusões ou problemas mais antigos.

Fica fácil o "espírita" dizer a alguém com talento: "é isso que você realmente quer fazer?". Ou ao pobre rapaz que encontrou uma mulher de sua afinidade (não se diz paixão, mas afinidade de ideias, temperamentos etc) "quem imagina se essa mulher não é fonte de luxúrias extremas e perigosas?".

É muito fácil manejar as palavras, transformando perigos em benefícios e vice-versa. O "espírita" podia muito bem se referir à mulher-fruta e ex-mulher de perigoso miliciano como a "moça ideal" para rapazes modestos namorarem: "e quem não sabe que a pobre mulher que exibe seus glúteos aos olhos da plateia não faz isso para sustentar sua mãe e seus irmãos?".

No caso do ex-marido ameaçar o rapaz, o "espírita", meio "amigo da onça", pode dizer: "nada que o perdão e o diálogo não resolvam". O duro é promover o diálogo entre a palavra de um aflito assustado e o cano do revólver daquele que o ameaça. Mas para os "espíritas" a vida material não tem valor, uma visão materialista por crer ser inútil interferir na matéria bruta, e se o pobre rapaz morrer será "um anjo no caminho, ainda que longo, para o Céu".

E o "espírita", que vive os gozos mundanos da consagração religiosa, de uma ilusão materialmente construída de uma pretensa superioridade moral, através do respaldo de multidões seduzidas pelo espetáculo das palavras bonitas, o que dizer da necessidade de abrir mão dos desejos, muito mais ambiciosos do que ele próprio pode imaginar?

Ele tem um desejo mais abstrato e leviano que os que julga dos sofredores. O "espírita" que organiza seu balé de palavras quer o "Céu", se não de maneira apressada, mas pelo caminho menos longo possível. Ele se preocupa em multiplicar seus textos ilustrando-os com paisagens floridas, crianças sorridentes e pessoas olhando para o alto sorridentes e de braços abertos.

Ele se apressa em multiplicar os textos, se esforçando em ficar sempre com a razão nos argumentos. Procura sempre remodelar sua palavra, inicialmente dada num moralismo mais cru, tentando cozinhar com discursos benevolentes feitos para neutralizar o questionamento alheio e permitir que o próprio "espírita" fique com a posse da verdade, de forma a fazer crer que a desgraça que ele pregava era na verdade uma "pequena gincana" para obtenção "fácil" de "bênçãos futuras".

E o "espírita"? Ele não parou para pensar no conteúdo que ele prega? Que o "espiritismo" brasileiro foi construído pelos postulados de Jean-Baptiste Roustaing e depois mascarados por traduções deturpadas dos livros de Allan Kardec? Que o "espiritismo" brasileiro não passa de uma repaginação do velho Catolicismo medieval do Brasil-colônia trazido por jesuítas, no qual a novidade trazida por Kardec não passa de uma fachada novidadeira para algo velho e mofado?

E quanto aos desejos? Há garantia que o "espírita", no retorno à "pátria espiritual", gozará de tão esperada plenitude, se não ingressando imediatamente ao "banquete dos puros", mas ao menos reduzindo o trajeto para o Céu, sob a desculpa, carregada de falsa modéstia, de que "ainda tem muito o que fazer pelo próximo"?

Será que o "espírita" quer mesmo ir ao Céu? E o que ele realmente sabe do mundo espiritual? Kardec disse que era impossível, no tempo dele, supor o que seria o mundo espiritual. E, hoje, com o legado kardeciano empastelado por um roustanguismo mal fantasiado de "kardecismo autêntico", a atividade mediúnica empacou no faz-de-conta misturado com propagandismo religioso e o mundo espiritual se limitou à ficção em tons fabulosos do Nosso Lar.

E o que o "espírita" entende por sofrimento? Ele não imagina que planos de vida não são feitos por fantasias de infância? Que talentos e habilidades que foram comprometidos por infortúnios não foram desenvolvidos do nada, mas muitas vezes por antigos sofrimentos e impedimentos?

Para o "espírita", tanto faz que o sofredor seja um brinquedo das adversidades. No seu juízo de valor, o "espírita" cria um malabarismo de palavras para dizer ao sofredor se reinventar, deixar de ser o que é, afinal, o "espírita" adora pregar o mito do "auto-combate", a falácia do "inimigo de si mesmo".

E o "espírita"? Até quando ele é duramente questionado, ele não está na arena dos leões. Dentro do conforto do seu quarto, ele se vê desqualificado apenas por argumentos e não ameaças. Mesmo assim, ele investe no vitimismo na tentativa desesperada de recuperar a posse da palavra final.

O "espírita" não imaginou se caso viajar para Lyon, entrando num congresso da verdadeira Doutrina Espírita, ele possa ser desqualificado por alguém que o acusasse de ser "católico enrustido" e o mandasse viajar para o Vaticano. Ou será que os kardecianos aceitariam o papo mole dos "espíritas" brasileiros acharem saudável a "catolicização" sob a desculpa da "afinidade com os ensinamentos cristãos"

Hoje vemos os tempos em as pessoas com maior status quo estão cometendo mais erros, vários deles gravíssimos, preocupantes e vergonhosos. Embora tenhamos o cenário em que as forças dominantes retomaram o poder e buscam manter privilégios, nota-se seu esgotamento e seu perecimento acelerado, o que mostra que nem o prestígio religioso protege as pessoas. O tempo mostrará o quanto o lado de cima da pirâmide social sofre um rápido estado de decomposição.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

A pós-verdade é a doença do século XXI?


Diante de episódios um tanto bizarros como a rejeição dos colombianos à proposta, lançada em plebiscito, de acordo de paz entre o governo e os guerrilheiros da FARC, a saída da Grã-Bretanha da União Europeia e a vitória eleitoral de Donald Trump, contrariando todas as perspectivas da eleição de Hillary Clinton para a presidência dos EUA, temos um fenômeno surreal em andamento.

É a pós-verdade, palavra que se tornou o verbete do ano pelo conceituado dicionário Oxford (em inglês, post-truth), que consiste na prevalência de ideias com maior apelo emocional do que com outras relacionadas a fatos objetivos, ainda que ocultos pelo jogo de aparências.

Isso faz com que as pessoas deixem de acreditar na Justiça de forma objetiva e imparcial, ou mesmo em valores morais e sociais diversos, preferindo a seletividade dos privilégios pessoais, do misticismo agradável, de visões estereotipadas que prevalecem sobre visões realistas e tudo o mais.

As pessoas abrem mão até de suas necessidades reais, movidas pela catarse e pela idolatria a totens e dogmas diversos. Preferem ser prejudicadas em prol de um virtual benefício que elas não sabem o que é, e que mais parece um espetáculo do que realmente alguma coisa benéfica.

As pessoas movidas pelo espetáculo, pelo sensacionalismo, pelo consumismo, são movidas pela publicidade e pelo noticiário faccioso, que as estimula a veicular ou acreditar em mentiras difundidas pelas mídias sociais. E as mídias sociais agora têm na própria grande mídia como "concorrente" na veiculação de mentiras e notícias falsas.

O Facebook quer coibir a divulgação de notícias falsas? É justo, mas no entanto tem-se a Veja que, impunemente, publica mentiras cabeludas sobre Lula, como a suposta fuga para a Itália. E há ainda os catárticos canais do YouTube que, "jornalisticamente", inventam que o ex-presidente teria feito um plano para matar o juiz Sérgio Moro, tido como "vítima" de um "atentado a tiros" que nem a Globo noticiou.

A pós-verdade virou a supremacia da catarse sobre a sensatez, que faz com que pessoas tenham uma compreensão tão atrofiada da realidade que em muitos casos, para fazer prevalecer seus pontos de vista, lançam mão de blogues ofensivos que acabam tendo o maior cartaz...na Polícia Federal.

"ESPIRITISMO" BRASILEIRO: PIONEIRO NA PÓS-VERDADE?

A supremacia da pós-verdade tem como um dos exemplos pioneiros o "movimento espírita". O fenômeno de Francisco Cândido Xavier é o símbolo maior da pós-verdade, e seus seguidores, quando colocam a fé e o misticismo, sob a desculpa do "amor" e da "bondade", acima da lógica e do bom senso, comprovam isso.

As pessoas estão enfeitiçadas pela figura religiosa de Chico Xavier e seus estereótipos ligados a um caipira "frágil" que se tornou "velhinho doente" e de sorriso "triste". Elementos que despertam o apelo emocional, o argumentum ad passiones que consiste numa das mais perigosas e persistentes falácias usadas para convencimento das multidões.

"Espíritas" chegam mesmo a mostrar descaso com a irregularidade das obras "psicográficas", que destoam dos aspectos pessoais dos mortos a que se atribui autoria, e acham que "tudo é válido" por causa da risível ideia da "mensagem universal do amor". Não medem escrúpulos em colocar o "amor" a serviço da desonestidade doutrinária de obras que contradizem, em muitos aspectos, os postulados originais de Allan Kardec.

A carteirada moral de dizer que "Chico Xavier e Divaldo Franco erraram, mas ajudaram muita gente" é uma demonstração de pós-verdade. Essa "ajuda" nunca teve comprovação de uma quantidade expressiva de beneficiados, e essa "caridade" associada aos dois festejados anti-médiuns é uma grande falácia pois, se fossem verdade, nosso Brasil teria ingressado ao Primeiro Mundo há muito mais tempo.

A pós-verdade, neste caso, revela o domínio do sentido ligado ao deslumbramento da fé e ao prestígio religioso. Pouco importam se os resultados da suposta filantropia são ínfimos. A grandiloquência simbólica do ídolo religioso vale em si, como nas declarações do procurador Deltan Dallagnol: "não temos provas, mas temos convicções".

É a tese do "domínio do fato" deturpada dos conceitos originais do jurista alemão Claus Roxin pelas mãos da Operação Lava Jato, para a qual o combate ao PT dispensa provas rigorosas e consistentes. O "domínio do fato" acaba sendo distorcido como um "domínio da suposição", como a prevalência do palpite sobre a investigação, da impressão sobre a análise.

No "espiritismo", a situação vai em direção contrária ao que se faz contra o PT. Se Dilma Rousseff e Lula são vistos como "criminosos" apenas pelo senso especulativo e catártico da pós-verdade de seus oposicionistas, Chico Xavier e Divaldo Franco são "santificados" por muito poucas virtudes, talvez quase nada, muito mais pelo carimbo religioso do que pela qualidade de seus atos, muitas vezes de valor ético bastante duvidoso.

A pós-verdade é um grande perigo e uma súbita ameaça num mundo que, no decorrer do século XXI, esperaríamos que fosse mais esclarecido. A pós-verdade é o obscurantismo pós-moderno, em que pessoas chegam a ameaçar outrem para impor suas convicções e manter os velhos dogmas e totens intatos, mesmo quando apodrecidos, decadentes e obsoletos.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

O Brasil em insegurança jurídica e política


O Brasil se encontra numa situação altamente vulnerável. Um golpe político trazido pela retomada autoritária e ultraconservadora de setores sociais representados pelo Poder Judiciário, Ministério Público, Poder Legislativo e pela grande mídia, traz uma roupagem de legalidade democrática que não se observa na prática.

O chamado "pacote anticorrupção", por exemplo, embora sinalize uma aparente esperança de fechar o cerco à corrupção política e administrativa, traz como grande erro a falta de debate com a sociedade e, entre outros equívocos, o de evocar "velhos fantasmas" da ditadura militar, como o fim do habeas corpus e da presunção de inocência, além de admitir provas ilícitas para investigação de esquemas de corrupção.

Isso acontece juntamente com propostas de crescimento econômico que nunca atingirão essa meta. A PEC do Teto, ou PEC dos Gastos Públicos, que havia sido a PEC 241 na Câmara dos Deputados e virou PEC 55 no Senado, propõe cortes ou congelamento de investimentos nos setores públicos, o que ameaça uma surpreendente porção de atividades ligadas à Educação e à Saúde e a uma série de benefícios previdenciários que serão também ameaçados pela reforma previdenciária.

O Brasil passa por um período de obscurantismo social nos últimos seis meses. Empresários que deveriam ser processados e presos por promover trabalhos análogos à escravidão estão impunes e ainda dão entrevistas defendendo esse padrão de trabalho como se fosse "necessário" para disciplinar as classes trabalhadoras e equilibrar os orçamentos e os salários. Tudo falácia, mas é aplaudida de pé por setores reacionários da sociedade que de repente voltaram a estar em alta.

A situação é típica de uma obra do surrealismo literário. Há uma catástrofe política, econômica e social em andamento e as pessoas estão tranquilas e felizes. Os políticos que retomaram o poder à força, destituindo Dilma Rousseff sem motivos concretos e comprovados, acumulam escândalos gravíssimos (repetindo: GRAVÍSSIMOS) e tudo fica nisso mesmo, com eles comandando o processo político, sob o apoio não só resignado mas esperançoso de setores influentes da sociedade.

O Brasil está numa situação extremamente delicada. A Justiça representada pelo Poder Judiciário e Ministério Público mostra sua prepotência, seu autoritarismo e sua interpretação parcial - tanto no sentido incompleto quanto na seletividade social - , o Legislativo corrupto fingindo "transparência e competência" e a grande mídia divulgando mentiras e praticando sensacionalismo barato, deveriam trazer aflição extrema para as pessoas.

Quem entende a situação compara o atual momento do país como um avião de passageiros onde ocorre uma briga violenta na tripulação dentro da cabine de comando. É como se dentro desta cabine piloto, co-piloto e comissários de bordo trocassem socos, pontapés e seus corpos se esbarram nos painéis, manipulando os botões de forma aleatória e acidental.

O país está sob sério risco e as pessoas vão para as praias e praças felizes trocar piadas umas com as outras. Famílias pedindo para filhos serem mais simpáticos e sorridentes para as pessoas. Gente indo para shoppings, lanchonetes, boates como se vivessem o melhor dia de suas vidas, quando a catástrofe deixa o país em situação imprevisível.

Há uma série de retrocessos que lembram o começo da ditadura militar, entre 1964 e 1966. Há crises que lembram o colapso econômico de 1974-1985. A violência dos assaltos, o feminicídio e o crime organizado, lembram os períodos mais sombrios dos anos 1970 e 1980, retomando a convulsão social que dizima muitas pessoas, independente de classe econômica e social.

Querer bancar o "perseverante" e o "otimista" diante de um período desses, fingindo admitir que o caos existe mas "tudo vai melhorar em seguida" é muito perigoso. A manutenção desse cenário calamitoso não vai representar um céu de brigadeiro posterior a uma tempestade de intensas trovoadas, chuvas fortes e vendavais. É mais fácil as tormentas se seguirem a um terremoto devastador.

Talvez seja hora das pessoas começarem a questionar as estruturas de status quo viciadas que dominam o país e que não largaram o poder mesmo nos 13 anos de governos do PT. Hora de questionarmos a tecnocracia, a gerontocracia, a burocracia, o machismo, o patriarcalismo, o prestígio religioso, o poder da grande mídia etc.

É a partir dessas "cracias" e "ismos" que estão as estruturas arcaicas cuja podridão deverá ser combatida e não preservada. A sociedade deverá abrir mão dos velhos tesouros para salvar a humanidade, questionando o abuso das leis, do poder, da fama, do dinheiro, da técnica ou mesmo da fé religiosa. Derrubar totens antes tidos como unanimidades, se preciso. Abrir mão de velhos tesouros que perderam o valor, antes que os brasileiros paguem o preço caro demais pelo doentio apego.

domingo, 20 de novembro de 2016

O que é ser um suposto espírita no Brasil?


O que é ser espírita no Brasil? Dentro da supremacia da roustanguista FEB, oficialmente é "a melhor das coisas", admitindo o mundo espiritual, a vida após a morte e as lições de fraternidade cristã com maior transparência e espontaneidade. É o que muitos entendem, mas a realidade desmente tudo isso.

Ser um suposto espírita no Brasil, um "espírita" catolicizado, é na verdade ser pedante em tudo. Pois o que vemos no "movimento espírita" não são apenas católicos envergonhados, com mais medo de batinas e igrejas revestidas de ouro do que da morte, mas um ajuntamento de incompetentes de toda espécie.

Pelo que se observa, o "espiritismo" brasileiro não é a "religião da bondade" - devemos nos lembrar que bondade não tem religião, não pode ser subproduto da prática religiosa - , mas a "religião da mediocridade". Ela reúne pessoas medíocres em suas habilidades, que querem ter um lampejo de genialidade se apoiando numa seita religiosa que trouxesse, em tese, um caminho curto para o céu.

São cientistas de terceira categoria que se apoiam no "espiritismo" para nele inserir teses esotéricas, misturar um cientificismo bastante confuso, irregular e equivocado, uma compreensão malfeita de conceitos de Física e Química misturadas com devaneios astrológicos e uma Psicologia de clínicas clandestinas, criando um engodo que promete a salvação plena da humanidade.

No mesmo caminho vão os filósofos frustrados, com medo de analisar profundamente os problemas metafísicos, mas habilidosos em criar um malabarismo retórico, de palavras muito bem arrumadas, também misturando cientificismo confuso e misticismo esotérico, mas criando uma verborragia pseudofilosófica que mais parece ter sido tirado de algum stand up comedy que parodiasse a Filosofia.

Há também professores frustrados, incapazes de trazer um ensinamento aprofundado, que se valem de uma oratória hábil e envolvente, bela no aparato de palavras, na beleza dos vocábulos apresentados, no desfile de ideias agradabilíssimas, no nivelar das entonações dramáticas, no simulacro de saber enciclopédico. Temos exemplo disso, Divaldo Franco, com sua retórica organizada a embelezar um vazio de ideias.

Há católicos frustrados, beatos de crenças ortodoxas e até medievais, que parecem ser os primeiros a experimentar os rituais católicos dos tempos do imperador Constantino, mas que de repente passaram a se entediar com o senta-e-levanta das missas em latim e com o luxo extremo das batinas dos padres e sacerdotes e ainda tem hábitos estranhos como a paranormalidade.

Esse também temos exemplo: Francisco Cândido Xavier. Sim, o Chico Xavier tão associado erroneamente ao espiritismo autêntico - na ingenuidade de muitos quererem recuperar as bases kardecianas mantendo Chico e Divaldo no pedestal - , sempre foi um católico de crenças ortodoxas e medievais, que apenas foi excomungado porque afirmou se comunicar com a mãe e com o espírito de um padre jesuíta muito conhecido em nossa História.

Mas há também romancistas e novelistas frustrados, cujo caminho para a Academia Brasileira de Letras é praticamente uma ilusão impossível de ser realizada, com romances medíocres e, em muitos casos, confusos e com erros historiográficos risíveis. O próprio Chico Xavier teria sido um pioneiro nessa baixa literatura, apenas esforçada no desfile de palavras pomposas.

Mas não faz mal. Com uma disposição para a caminhada, pode-se andar em direção à Cinelândia, percorrer o Largo da Carioca e daí se dirigir por uma rua, também chamada de Carioca, indo para a Praça Tiradentes em direção ao Teatro João Caetano e daí seguir o mesmo lado da calçada, pela Avenida Passos, em direção à Federação "Espírita" Brasileira, de braços abertos para acolher escritores frustrados, que só precisam de uns procedimentos muito simples.

O procedimento é o uso de um pseudônimo, inventado ou retirado de algum famoso falecido (tomando cuidado para não arranjar problemas com herdeiros), e a temática pode girar em romances cotidianos quaisquer, mas desde que terminassem com alguma lição moralista voltada para princípios religiosos.

Ser "espírita", portanto, é ser um nada querendo ser tudo. É levar zero em Física e Química na escola ou na faculdade e ser "cientista" com essas compreensões erradas nos artigos escritos em publicações "espíritas".

É levar pau em Redação e em Oficina Literária e "brilhar" na literatura "espírita". É ser um péssimo filósofo e falar em "Filosofia" em palestras "espíritas", criando um engodo verborrágico que nada tem de busca pela verdade de tão confuso, contraditório e fantasioso que é. É ter medo de ser padre católico e desempenhar este mesmo trabalho na condição de "médium espírita", aproveitando seu pedantismo intelectual para bancar o dublê de pensador e conselheiro moral.

Não por acaso os juízes, pelo jeito "ancestrais" de Sérgio Moro e Gilmar Mendes, que por omissão deixaram passar, em 1944, a farsa do falso Humberto de Campos dos livros publicados por Chico Xavier, sentiram a "sintonia energética", eles que tiveram sua incompreensão com a questão jurídica mais óbvia, a de que a obra "espiritual" destoa severamente do estilo do autor maranhense, cabendo invalidá-la e processar os responsáveis (Chico e a FEB) por falsidade ideológica.

O "espiritismo" brasileiro, portanto, é um reflexo da mania de uma boa parcela de brasileiros de mascarar ideias velhas com rótulos novos, no caso o Catolicismo medieval e jesuíta, descartado por correntes modernas da Igreja Católica após o fim do Segundo Império, mascarado pela Doutrina Espírita. Sempre uma novidade lapidada para não ofender um conjunto de ideias obsoletas que, em vez de serem rompidas, são adaptadas ao contexto da aparente novidade.

Do mesmo modo, o "espiritismo" brasileiro também reflete o pretensiosismo de parte dos brasileiros, em dissimular ideias conservadoras em geral, em querer ficar com a última palavra, em abraçar ideais moralistas, em se julgar especialista naquilo que não compreende bem, é dissimular seu pedantismo usurpando e deturpando os melhores conceitos, é se autopromover às custas do que os verdadeiros pensadores dizem e distorcer o sentido de suas mensagens.

O "espiritismo", portanto, é produto desse modelo velho e desgastado de sociedade brasileira, que aposta seu último apelo através do governo de Michel Temer, que oferece uma agenda reacionária que expressa o último recurso de velhas elites recuperarem ou manterem seus privilégios e tradições em processo de perecimento.

Com toda a certeza, o "espiritismo", por simbolizar esse Brasil velho e viciado, comprovou ser incapaz de ser uma doutrina espiritualista de vanguarda, por não esconder aspectos de religiosidade antiquados dignos dos tempos do Brasil colonial.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Invasão de fascistas na Câmara dos Deputados é alerta para o Brasil


Na tarde do último dia 16, um grupo de mais de 800 manifestantes chegou em Brasília e 50 deles invadiram o plenário da Câmara dos Deputados - um deles conseguiu passar pelos detectores de metais, porque portava um revólver - para atrapalhar os debates sobre o "pacote anti-corrupção" na referida casa do Legislativo.

Eles derrubaram vidros, agrediram seguranças e outras pessoas à frente, e, gritando louvores a Sérgio Moro, pediam a chegada de um general ao local e reivindicavam intervenção militar no país. Estúpidos e agressivos - embora vários de seus integrantes sejam gente adulta que deveria ter consciência de seus atos - , eles ainda cometeram gafes, como uma delas definindo o Japão como "país comunista", quando o país é um dos que levam o capitalismo às últimas consequências.

São pessoas que usam os mesmos argumentos da extrema-direita. Fascistas, eles queriam a volta da ditadura militar, se servindo do eufemismo "intervenção" para definir o golpe. Se dizem "sem organização definida", mas foram financiados por um empresário que bancou a excursão e a permanência dos "ativistas".

Eles são a facção extrema dos manifestantes que pediam o "Fora Dilma" até pouco tempo atrás. Estão insatisfeitos com os retrocessos sinalizados pelo governo de Michel Temer - que defende a chamada PEC do Teto ou PEC dos Gastos Públicos (que foi PEC 241 e hoje é PEC 55) para reduzir drasticamente os investimentos para a Educação, Saúde e Asistência Social, deixando o Brasil à penúria - e querem um governo ainda mais autoritário e elitista.

Os invasores chegaram a serem detidos, mas foram liberados. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), condenou a invasão de defendeu a prisão dos delinquentes, mas tudo ficou nisso mesmo. A grande mídia reacionária se esqueceu que influenciou os invasores por causa das campanhas de ódio anti-PT de tempos atrás e "condenou" a invasão.

QUAL A ÓTICA "ESPÍRITA"?

O episódio serve de alerta para o crescimento de movimentos fascistas no Brasil, algo que não deve ser visto como uma brincadeira de moleques provocadores. Em Niterói, já foram vistos colados nas paredes de locais públicos panfletos de uma tal "International Klans", que pode ser um grupo fascista nos moldes da Klu Klux Klan que atua clandestinamente no Brasil.

A ação de "fascistas mirins" e os atos de intolerância social, seja por trolagem ou cyberbullying, além de ações racistas e machistas - recentemente voltou a onda de feminicídios de motivação conjugal - chama a atenção de um cenário sombrio que as pessoas não podem subestimar como sendo casos isolados ou ações extremas de poucas pessoas.

A situação do Brasil está absolutamente vulnerável, diante de uma Justiça seletiva, uma mídia mentirosa e uma classe política sem a menor confiabilidade. E um governante como Michel Temer, que chega a financiar jantares caros (usando dinheiro público) para pedir aos parlamentares o apoio à PEC que irá cortar os gastos públicos, quando estes se voltam para o interesse público. Para os ricos, tudo, para os pobres, nada!

O "espiritismo", desnorteado, não assume formalmente posição alguma, mas sinalizou apoio implícito ao governo de Michel Temer. Um sem-número de artigos e palestras pedia para pessoas que tivessem algum sofrimento ou dificuldade na vida aceitarem desgraças e infortúnios, abrindo mão de desejos e necessidades e vivendo "conforme o possível". Parecem falar da PEC do Teto, chamada de PEC do Fim do Mundo ou PEC da Morte (seria PEC do Além-Túmulo para os "espíritas"?).

O reacionarismo "espírita" já é conhecido pelas bases roustanguistas originais, e pelas posturas ultraconservadoras de Francisco Cândido Xavier, um católico ortodoxo, de ideias medievais e moralismo retrógrado, mas transformado em um semi-deus por causa das manobras da FEB e do apoio da grande mídia patronal.

Quem não se lembra da edição especial do programa Pinga Fogo, da TV Tupi de São Paulo, que no final de julho de 1971 mostrou um Chico Xavier defendendo a ditadura militar, que vivia sua fase ainda mais cruel, pedindo para que "orássemos pelos generais", porque eles "estavam construindo o reino de amor do Brasil futuro". Reino de amor? Com o sangue de muitos inocentes assassinados?

Recentemente, o "médium" Robson Pinheiro, um dos mais festejados do mercado literário atual, lançou livros como O Partido - Projeto Criminoso de Poder e A Quadrilha: Foro de São Paulo, que tentam justificar o anti-esquerdismo doentio do autor (que usa o nome do suposto espírito Ângelo Inácio) pela "influência dos planos espirituais". O conteúdo "coxinha" das duas obras não faria feio se lançadas, em capítulos esparsos, como folhetim nas páginas da revista Veja.

Corroborado pelo "Correio Espírita", o reacionarismo de Robson definiu as passeatas anti-PT como "libertadoras" e como "despertar da juventude" por um "novo Brasil", supostamente atendendo às recomendações de "benfeitores espirituais". O "movimento espírita" chegou a festejar tais passeatas como se fossem o "começo de uma fase de regeneração do Brasil", o que é uma incoerência.

Afinal, as passeatas foram movidas pelo ódio nas redes sociais. Um dos grupos organizadores tem o nome de Revoltados On Line (o "espiritismo" diz condenar a revolta). Nas passeatas, havia gente exibindo símbolos nazistas, pedindo a tal "intervenção militar", rogando para que esquerdistas fossem mortos e havia até mesmo um grupo de rapazes que baixou as bermudas, exibindo grotescamente seus glúteos ao ar livre, sem ter escrúpulos com o ridículo de seus atos.

É com base nessas manifestações de "libertação" e "regeneração" que se diz "intuída por espíritos superiores" que um grupo de pessoas praticou vandalismo e truculência e invadiu a Câmara dos Deputados pedindo a volta da ditadura militar. Gente movida por ódio estúpido e patético, contrariando as perspectivas dos "espíritas".

Isso é terrível e mostra que o Brasil não retomou a "normalidade institucional". Pelo contrário. Desde maio o Brasil está extremamente vulnerável, como um trem bala sem freio descendo uma ladeira e tendo perdido seu condutor. A retomada ultraconservadora revela tempos ainda mais obscuros, a não ser que haja um freio para conter essa multidão que pede retrocessos diversos para o país. É melhor que ocorra algo contra isso, antes que seja tarde demais.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Brasil virou a ditadura das desculpas


Sabe-se que no Brasil as forças sociais mais retrógradas, dos mais diversos tipos, retomaram o poder, tanto pela capacidade de articulação e sustentação quanto pela capacidade de usar desculpas nobres para atitudes mesquinhas.

Isso não indica que as forças retrógradas estão sintonizadas com os novos tempos ou que elas dispõem de uma visão objetiva que é necessariamente garantida por diplomas, dinheiro, fama, poder ou um simples acúmulo de anos de vida. Pelo contrário. É nessas pessoas que o perecimento social e moral se torna ainda mais aberrante, e o que lhes salva são as desculpas habilidosas dadas.

Se vê desculpa pronta para tudo. Até nas redes sociais, os midiotas costumam ter uma justificativa pronta para as piores aberrações. Em muitos casos, porque "não é lá aquela maravilha, mas é melhor do que nada", "melhor isso do que aquilo" ou "até que está bom demais, pensando bem".

Todos querem bancar os "intelectuais" e "filósofos" para atender suas vaidades e ignorâncias pessoais. E na sociedade que recuperou o poder à força, nos últimos meses, tentando fazer o Brasil voltar para trás - o governo do presidente Michel Temer lembra o do general Ernesto Geisel só que caminhando para trás, em direção a Médici e ao começo do AI-5 - , apela para todo tipo de justificativa para sustentar as piores coisas com as melhores argumentações.

O Brasil está caótico, decadente, mofado, e as forças retrógradas diversas, que incluem de racistas a obscurantistas religiosos, tentam manter a supremacia que nunca foi eliminada completamente. Viviam num mundo paralelo que agora querem impor até mesmo à própria realidade, se preciso atropelando a ética, a lógica, as leis, a justiça social e a todo tipo de coerência.

Mais do que em outros tempos, que permitiam voos mais conservadores, hoje as elites perderam o medo de "chutar o pau da barraca". Uma imprensa que mente, um Judiciário que manipula as leis em causa própria, uma religião como o "espiritismo", que já faz apologia ao sofrimento humano e apela para os sofredores se conformarem com as próprias desgraças, e até pais de família que já não querem que os filhos vençam na vida, mas que apenas enfrentem sacrifícios.

Isso virou uma coisa surreal, e até a ex-presidenta Dilma Rousseff viveu um drama típico de um livro de Franz Kafka. Assim como, em O Processo, Josef K era processado sem crime, Dilma foi processada e perdeu o poder sem ter cometido crime algum, seu "crime" não passou de acusações levianas e sem provas tomadas como "verdade absoluta" mediante paixões políticas nem sempre claramente assumidas.

O balé das palavras bem organizadas faz com que ignorantes se autoproclamem "inteligentes", mentirosos digam "falar a verdade", corruptos de direita (que nunca são devidamente punidos) se julgarem "honestos", pessoas rasgarem as leis dizendo que as "respeitam", pais de família usarem o acúmulo de anos para dizer que "estão sempre certos" e religiosos ficarem sempre com a última palavra quando são acusados de mistificação.

Isso para não dizer sobre latifundiários que matam agricultores sob a desculpa da "defesa da propriedade" (em muitos casos, fazendas improdutivas que só servem como fortuna simbólica) ou machistas que matam suas esposas só porque elas pediram divórcio alegando a famosa "legítima defesa da honra".

Esse mundo está em sério perecimento mas as pessoas não querem que ele apodreça. É como um cadáver em estado de decomposição que as pessoas lutam para manter vivo. E isso só não parece inquietar as pessoas porque a retomada ao poder lhes dá uma aparente serenidade sustentada por velhas reputações de status quo, das mais diversas, sustentadas por uma bela retórica.

O que se observa é que nesta ditadura das desculpas as pessoas sempre usam alegações das mais nobres para defender causas, ideias ou práticas de valor duvidoso ou que não são tão benéficas quanto se parece. Pessoas que usam a idade, o dinheiro, a fama, a etnia, o diploma, o prestígio religioso, para se protegerem do risco de nem sempre estarem com a razão, de perder a posse da verdade a que se achavam predestinados.

É claro que, no discurso dos que se acham "donos da verdade", ninguém confessa abertamente tal condição. Mas o modo com que tentam argumentar revela a preocupação, sim, de ficar sempre com a verdade, por mais que tente desmentir tamanha pretensão.

Falam da "experiência de vida", da "formação acadêmica", da "tradição familiar", dos "votos dos eleitores", do "sucesso merecido" e até do "vínculo com Deus", numa luta desesperada para fazer prevalecer seus pontos de vista, por mais antiquados que sejam.

O problema é que hoje o Brasil, num rumo imprevisível para todo mundo, as pessoas com maior status quo é que estão vendo seu "mundo" ruir e, apenas por um breve período, conseguem segurar a queda de valores ultrapassados com a recente retomada do poder, em que ideias retrógradas retomam a vigência até pelo aparente apoio juvenil.

Mas, como um armário do alto da parede que está ruindo e cujo conteúdo cai pelo natural efeito da gravidade, a plutocracia brasileira perderá o controle de sua decadência, quando a aliança da grana e dos artifícios jurídicos sustentada por uma boa retórica for insuficiente para fazer prevalecer a validade de ideias, procedimentos e valores que se revelarão claramente ultrapassados.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

"Espiritismo" envergonharia Allan Kardec e Jesus de Nazaré


O velho igrejismo "espírita", trazido pelos seus palestrantes, verdadeiros mercadores das belas palavras, insiste e persiste como se isso fosse o "trabalho do bem". Demonstra cada vez mais o vínculo com a Teologia do Sofrimento, a "pedra do sapato" que gruda nos pés dos "espíritas" comprometidos com a postura dúbia, de bajular Allan Kardec e praticar o igrejismo.

As mensagens "fraternais" são de um igrejismo católico quase explícito, se não fossem dispensadas a batina, as decorações a ouro, as pompas sacerdotais e o senta-e-levanta das missas. Muito fácil promover o desfile das palavras lindas, como se mendigasse fraternidade e teorizasse demais a bondade e a caridade, mas tudo isso é um esforço vão, uma perda de tempo.

Afinal, minutos e minutos se perdem, longos parágrafos se alongam nas divagações sobre "bondade" e "caridade", que mais parecem um emprego de palavras bonitas e bem organizadas a serviço do comércio de livros religiosos. Divagações prolongadas e súplicas chorosas, diante de palavras que cheiram a flores da natureza, não condizem diante da prática do cotidiano caótico em que vivemos.

É vergonhoso ver o "espiritismo" tão perdido nesse jogo duplo, em que de um lado se bajula Allan Kardec, de outro se pratica o igrejismo católico de origem roustanguista. Num país que esconde farsantes por debaixo do tapete, mas se aproveita as ideias retrógradas por ele difundidas, faz sentido a persistência dessa tendência dúbia que norteia o "movimento espírita" e desnorteia o legado do professor lionês.

Um dado exemplo desta postura dúbia é o lançamento do livro Um Sacerdote Espírita - Reflexões Sobre Padre Germano, de Orson Peter Carrara, se referindo a um sacerdote espanhol que teria sido "mentor" da espanhola Amália Domingos Soler, "espírita" de origem católica de meados do século XIX, num tempo em que Allan Kardec já havia falecido e seu legado diluído gradualmente para a catolicização.

Padre Germano foi portanto um suposto espírito católico que apareceu para divulgar mensagens "fraternais". Teria sido um dos primeiros "mentores" católicos a influir na prevalência do "espíritismo místico", em detrimento do cientificismo kardeciano. Germano teria sido também "psicografado" por Francisco Cândido Xavier, em 1932.

Carrara exalta a data de lançamento do livro, 03 de outubro, aniversário de Allan Kardec, dentro da tendência do "movimento espírita" em ficar cismando demais com datas. A data de lançamento é pura coincidência e teria sido até proposital, mas não influi muito até porque o "espiritismo" professado por Carrara é muito distante do originalmente professado por Kardec.

Mas há o chamado "jeitinho brasileiro" e Allan Kardec é servido aos brasileiros em duas traduções igrejistas: a de Guillon Ribeiro da FEB e a de Salvador Gentile, da IDE. São traduções que traem em muitos aspectos o pensamento racional de Kardec e exageram nas referências religiosas descritas pelo pedagogo francês, na prática transformado em um "padre" por essas traduções igrejistas tendenciosas.

É vergonhoso como palestrantes "espíritas" chegam a citar Erasto, de maneira bastante oportunista, pois o espírito do discípulo de Paulo de Tarso se manifestou, nos tempos de Allan Kardec, para prenunciar a farsa que é justamente praticada por aqueles que babam o ovo por Kardec, Erasto e outros que avisaram sobre a deturpação que os inimigos internos do Espiritismo promovem hoje.

Eles avisaram e ninguém deu ouvidos. Cria-se uma desordem doutrinária, cheia de fraudes grosseiras, cheia de pregações moralistas constrangedoras, cheia de aberrações que ofendem a lógica e bom senso, mas que se apoiam nos pretextos de "amor e bondade" que Erasto preveniu, alertando que o amor ao próximo não pode servir de pretexto para tamanhas e tão escandalosas desonestidades.

O "rouba mas faz" do "movimento espírita", consagrado por Chico Xavier, com supostas psicografias que destoam dos estilos originais dos autores falecidos alegados, não pode ser aceito sob a desculpa do "amor ao próximo" nem das "mensagens de amor", do contrário transformaremos a humanidade numa bagunça de falsificadores e bandidos "bondosos".

Imagine um sequestrador imitando um filho, durante um trote telefônico, com um falsete que consegue enganar muita gente, falando em "palavras de amor", "apelos para a paz" etc. Alguém seria feliz por ser enganado através de "mensagens de amor"?

Mas infelizmente o papo do internauta médio é esse: "ah, pouco importa a autenticidade, a abordagem espírita, o que importa é o amor e a caridade, o trabalho pelo próximo". Essa visão um tanto ingênua e tola permite que desonestidades doutrinárias sejam realizadas impunemente sob o pretexto da "caridade", o que faz o amor ser tido como cúmplice de qualquer desonestidade.

O "espiritismo" envergonharia Allan Kardec e Jesus de Nazaré, se eles conhecessem o "movimento espírita" brasileiro. Jesus ficaria indignado com os mercadores das "belas palavras" e provavelmente teria dito: "Para que tanto tempo, tantos livros e tantas palestras só sobre o amor? Querem transformar a ideia da bondade numa mercadoria?".

Kardec iria dizer algo próximo ao que disse sobre Roustaing: "É certo que Chico Xavier e Divaldo Franco falam de coisas positivas e agradáveis, mas torna-se duvidosa a validade de suas pregações, pela presença de ideias sem nexo e desprovidas de coerência lógica".

Os "espíritas" fazem ouvidos de mercador em relação a isso. Acham que Jesus e Kardec topariam qualquer parada, aceitariam tudo como cornos-mansos, aceitando deturpações de seu pensamento. Jesus, então, foi o que mais foi deturpado, sobretudo pelo Catolicismo medieval e por outras seitas dissidentes e derivadas, muitos anos antes de Kardec.

Mas a verdade é que o "movimento espírita" tornou-se vergonhoso, pelo seu roustanguismo que hoje não é devidamente assumido. É uma teia de desonestidades doutrinárias para as quais a alegação de "trabalho pelo amor ao próximo" é uma desculpa para que mistificações e deturpações ocorram impunemente.

É estarrecedor que pessoas no Brasil insistam, com arrogante persistência, na ideia falaciosa de que "não importa a forma como o Espiritismo está sendo feita, o que importa é o trabalho de amor, a dedicação ao próximo, a caridade, a bondade, a misericórdia", uma alegação que encanta muita gente pelo sedutor espetáculo de palavras belas e envolventes.

No entanto, Erasto preveniu sobre o caráter traiçoeiro dessa ideia que é difundida como "verdade absoluta" e que, no Brasil, faz prevalecer o sutil conceito da bondade como supostamente acima de qualquer honestidade ou desonestidade nas atividades "espíritas", dando a impressão de que se pode até mentir "em nome da fraternidade".

Eis o que disse Erasto, na mensagem que Allan Kardec incluiu no Capítulo 20, Influência Moral dos Médiuns, em O Livro dos Médiuns, na consistente tradução de José Herculano Pires, que mais respeita o texto original em francês:

"Os médiuns levianos, pouco sérios, chamam, pois, os Espíritos da mesma natureza. É por isso que as suas comunicações se caracterizam pela banalidade,a frivolidade, as idéias truncadas e quase sempre muito heterodoxas, falando-se espiritualmente.(8)  Certamente eles podem dizer e dizem às vezes boas coisas, mas é precisamente nesse caso que é preciso submetê-las a um exame severo e escrupuloso. Porque, no meio das boas coisas, certos Espíritos hipócritas insinuam com habilidade e calculada perfídia fatos imaginados, asserções mentirosas, como fim de enganar os ouvintes de boa fé".

Essa tese derruba completamente o mito confortável do "vale-tudo" do "movimento espírita" sob a desculpa do "trabalho da fraternidade". A bondade não pode ser usada como desculpa para a desonestidade doutrinária. Não se pode enganar as pessoas em nome do bem, porque o ato de enganar já consiste num mal.

sábado, 12 de novembro de 2016

As elites dominantes e o medo das perdas iminentes


2016 será conhecido como o ano em que setores retrógrados da sociedade, que estavam associados a todo tipo de status quo, de uma simples faixa etária (ou seja, os mais idosos) ao machismo ou ao poder do dinheiro e do armamento.

Depois que a presidenta da República, Dilma Rousseff, foi definitivamente afastada do poder, depois que o então presidente interino Michel Temer, com apetite acima do aceitável, propôs inúmeros retrocessos políticos, desfazendo a marca da antecessora, outra surpresa desagradável foi a vitória do "azarão" Donald Trump, um dos ícones da extrema-direita estadunidense.

O surto reacionário que tomou conta do planeta não se ascendeu pelas qualidades positivas, mas por um clima de catarse que contagiou as classes dominantes que, com seu discurso apaixonado de "revolta contra tudo que está aí", uma espécie de diarreia moral de setores retrógrados ou antigos da sociedade que não representaram um sinal positivo de qualidade, muito pelo contrário.

Só a eleição de Donald Trump, por exemplo, revela o desprezo às inúmeras denúncias de mulheres que teriam sofrido assédio sexual do empresário. No Brasil, políticos comprovadamente envolvidos em corrupção simbolizam a "recuperação ética" e um projeto maligno de cortes de gastos públicos, a PEC do Teto, é festejado por setores da sociedade como um "projeto necessário e urgente para o crescimento do país".

Isso cria um cenário perigoso que já era manifesto por ataques racistas de internautas nas redes sociais, indiferentes ao fato de que o racismo é crime inafiancável, e o extremo reacionarismo dos chamados "fascistas digitais" e seu cyberbullying antecipou a tendência atual de pessoas retrógradas achando que podem tudo.

É um cenário perigoso até para mulheres, que no Brasil sofrem o horror de voltar os "crimes de honra", feminicídios moralistas movidos por ciúmes doentios, num contexto social em que ninguém, nem mesmo a imprensa, se prepara para as mortes de Doca Street (com histórico de tabagismo inveterado e consumo de cocaína no passado) e Pimenta Neves (diabético, com câncer na próstata e histórico de overdose de remédios).

É até irônico o medo que a sociedade machista e setores solidários têm em não ver Doca Street vivo para comentar os 40 anos do assassinato de Ângela Diniz, daqui a um mês. Há poucos dias, o músico Leonard Cohen, com a mesma idade de Doca, 82 anos, faleceu meses após lançar novo disco e declarar que estava pronto para morrer. De repente, matar uma namorada cria um "diferencial" para os assassinos, contra os quais qualquer hipótese de tragédia soa como um palavrão.

Os mesmos que pregam "morte aos petistas" se sentem ofendidos por serem informados que feminicidas também adoecem e morrem. Fácil é aceitar que mulheres morram aos 25, 30 anos assassinadas por seus maridos, mas difícil é aceitar que eles também morrem (em vários casos prematuramente) e são bem mais frágeis, até pelas fortes pressões emocionais que sofrem após o crime. No país que perde um Domingos Montagner, também não há garantia segura que os promotores Igor e detetives Pacífico da vida cheguem vivos aos 60 anos de idade.

Não se pode sequer se preparar para a perda dos "heróis" da plutocracia, mesmo os anti-heróis que cometeram crimes visando o "direito à propriedade", a "defesa da honra" ou mesmo uma simples demonstração de poder. Pelo menos, nos EUA, uma moça se fez de namorada do psicopata Charles Manson numa relação que depois se revelou uma pegadinha, com a jovem dizendo que só o namorou para montar um mausoléu dele, como se dissesse que psicopatas também podem morrer um dia.

Mas a sociedade retrógrada não quer perdas. Ela retomou o poder querendo demais, querendo retomar os antigos privilégios num apetite que nem mesmo em tempos reacionários como o macartismo nos EUA, nos anos 1950, ou o golpe de 1964 no Brasil, não mais com a compostura de seu reacionarismo cujas posturas extremas eram mais clandestinas, como ordenar massacres de estudantes como em Tlatelolco no México, em 1968.

O apetite reacionário é comparável ao do nazi-fascismo alemão e italiano nos anos 1930. O clima de hoje é de uma retomada de setores conservadores numa combinação entre politicamente correto e politicamente incorreto, sem escrúpulos em criar rupturas legais e jogar fora conquistas sociais históricas nem em prevalecer no poder acumulando escândalos e gafes. De repente a moralidade tornou-se uma ficção e o que se vê são moralistas sem moral subindo facilmente ao poder.

O clima contagiou de tal forma que mesmo o "espiritismo" brasileiro, que muitos acreditavam ser uma doutrina de vanguarda, a cada vez mais assume, não no discurso, mas pelo menos na prática, sua inclinação à Teologia do Sofrimento, e sinaliza seu apoio ao conservadorismo sócio-político atual, simbolizado pelas obras recentes do "médium" Robson Pinheiro, que tenta atribuir um anti-petismo doentio de seus romances reacionários às "intuições espirituais".

O problema é que, se os setores ultrarreacionários da humanidade retomaram o poder à força, muito menos por suas virtudes e mais por uma catarse ultraconservadora doentia, isso significa que defeitos muito mais acentuados se mostram existentes e até surpreendentemente comuns que fazem com que os atributos de superioridade social mostrassem qualidades opostas a tais posições.

A questão da superioridade da idade, do dinheiro, do poder econômico, do poder político, da fama, do diploma, da visibilidade, do prestígio tecnocrático, do prestígio religioso, revela-se cada vez mais uma grande ilusão, na qual seus detentores fazem tudo para prevalecer seus interesses e pontos de vista, sem perceber a transformação profunda dos tempos.

De grisalhos senhores que se comportam como moleques birrentos defendendo velhas convicções a políticos que cometem graves atos de corrupção (como Romero Jucá, um dos "homens fortes" do governo Temer) e permanecem no poder impunemente, passando por ídolos religiosos que, com seu balé de palavras bonitas, se esforçam sempre para ficar com a palavra final em tudo, as elites parecem viver seu momento de plenitude, mas não com inabalável segurança.

Elas são sustentadas pela combinação entre a resignação social da maioria da sociedade, o poder financeiro das grandes empresas, a atuação tendenciosa das leis que favorecem os privilegiados e uma estrutura midiática que estabelece um padrão dominante de agir, pensar e querer a ser determinado à sociedade em geral.

Até pelo fato de que a plutocracia (o "universo" que envolve todo tipo de status quo no contexto atual, que vai de moralistas religiosos a delinquentes digitais) não reconquistou o poder com qualidades positivas e sua qualidade moral e pragmática é pior do que antes, quando o moralismo, por mais sanguinário que secretamente seja, era um pouco mais elegante, o cenário atual é de incertezas até para os protagonistas do momento reacionário de hoje.

Mais impulsivos e permissivos em suas atrocidades, os plutocratas são mais gananciosos e nem todos concordam com tudo. Há direitistas LGBT e outros homofóbicos. Há direitistas na mídia que condenam o cyberbullying, mesmo vindo de reacionários anti-PT. Neopentecostais e "espíritas" podem ser igualmente conservadores, mas religiosamente não se bicam, praticamente só se unindo em causas como a reprovação de aborto, mesmo para casos de gravidez sob estupro.

As qualidades que permitiram a retomada ao poder já estão também gerando disputas de egos, arrogância e imprudência extrema, teimosias e retrocessos tão graves que assustam até alguns conservadores convictos. Além disso, posta à situação "marginal", as forças progressistas começarão a reagir massivamente pela Internet e por passeatas, e uma pequena amostra nisso está em curso no Brasil de Michel Temer.

Escolas ocupadas por estudantes dos quais não se esperava uma reação contra a PEC do Teto - já intitulada PEC da Morte ou PEC do Fim do Mundo pelos cortes de gastos a serem feitos em duas décadas - e juristas e economistas sérios divulgando na Internet os gravíssimos e devastadores equívocos a se esperar da "gloriosa ponte para o futuro" do governo Temer.

Portanto, os reacionários reconquistaram o poder à força e se acham numa momentânea plenitude de seus atos e perspectivas. Mas pela falta de qualidades positivas eles também se tornam vulneráveis, até de maneira pior do que os esquerdistas que foram expulsos do poder.

A tragédia da plutocracia está em forçar a ganância e o conservadorismo para onde os novos tempos e novas demandas não permitem mais, e forçar uma volta ao passado dessa forma trará aos plutocratas uma tragédia sem precedentes, pois o perecimento de um mundo no qual eles julgam ser eterno está se avançando rapidamente, sem controle.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

A sordidez do moralismo religioso


Com a efetivação do retrógrado governo de Michel Temer e a consagração de um factoide como um suposto "segundo milagre" para a canonização de Madre Teresa de Calcutá, o "espírito do tempo" do moralismo religioso revela seu lado de sordidez e hipocrisia.

Denúncias de que Madre Teresa teria sido cruel com os "assistidos", tão cruel que não deixava sequer médicos trabalharem em suas casas nem familiares buscarem seus parentes para levá-los a hospitais, derrubam a "inabalável" ideia de que a freira albanesa é a "caridade personificada", sendo usada até como paradigma de generosidade, filantropia ou humildade.

A sordidez do moralismo religioso, que aprisiona o sentido de bondade submetendo-o ao rótulo religioso, permite tanto que governos "laicos" - mas também apoiados por várias seitas religiosas, como o neopentecostalismo e o "movimento espírita" - como o de Michel Temer se consagrem com uma pauta bastante amarga para o povo brasileiro.

Uma pauta que inclui o prolongamento da aposentadoria, num país em que a meia-idade e a velhice mais precisam do lazer, e não do trabalho, para repensar a vida. Ou então que exigirá do trabalhador maior carga horária, enquanto cancela encargos e garantias sociais. Além de receber menos, o trabalhador ainda perderá o direito ao atendimento na saúde pública, pagando planos de saúde privada cujas tarifas caras servem mais para abastecer o luxo dos médicos de nome.

Sofrer é bom? Para a religião, parece que é. E nada como o "espiritismo", religião que, até mais que a própria Igreja Católica, recicla valores do Catolicismo medieval português - difundido pelo movimento jesuíta no período colonial, lembrando que padres, freiras e sorores jesuítas são "mentores" de muitos "centros espíritas" - , para revelar seu vínculo com a Teologia do Sofrimento.

O palestrante religioso chega, em primeira instância, dizer que o sofrimento serve para "reajustes espirituais", jargão que corresponde à expressão católica "purificação dos pecados", e, em seu discurso supostamente racional, o mensageiro de ocasião apela para o sofredor "não reclamar da vida" porque é "na pior das desgraças que a bênção de Deus se instala na alma do sofredor".

Pura hipocrisia. Esse discurso é tão hipócrita que, em primeiro momento, o ideólogo "espírita" é austero e taxativo em seu julgamento de valor. Ele diz que "o sofrimento (por si só) dignifica" - quando o que realmente dignifica é o esforço do sofredor para superar uma desgraça - e diz que a pessoa tem que aceitar o sofrimento, abandonar suas "paixões" e se convencer que o "pior inimigo" do sofredor é ele mesmo.

Isso evidentemente pega muito mal. A apologia do sofrimento, em primeira instância, revela o julgamento moralista severo do "espírita", que se gaba em ser o "dono da verdade" e o possuidor da "palavra final", mas que é criticado por ignorar que as pessoas têm suas necessidades individuais e que a individualidade não é sinônimo de materialismo nem frescura.

Evidentemente, diante das críticas, o "espírita" que se acha (sem assumir, todavia, no discurso) "possuidor da verdade", no entanto, tenta mudar o seu discurso. Ele tenta argumentar que "ninguém veio para sofrer" e o que o sofredor vive são "provas" que são "necessárias para sua superação".

O "espírita" que ficou severo demais no primeiro momento tenta ceder no segundo. Isso já lhe tira o mérito da "palavra final", embora ele sempre insista no seu exército de palavras "bonitas" para tentar vencer a batalha retórica, sob a desculpa de que o referido palestrante, por falar palavras-chave como "amor" e "fraternidade" e, em tese, estar no lado de Jesus e Deus, pode sim, "estar" com a verdade.

E o que ele tenta dizer mais? Ele tenta enrolar dizendo que o sofredor deveria "conhecer novas habilidades", ter "autoconhecimento", "confiar em Deus" e "buscar novas soluções". Quanto a esta última sugestão, isso até é óbvio, porque é sempre do instinto de alguém sofrer buscar uma solução de superação. Outra pessoa aconselhar essa tarefa, além de não acrescentar coisa alguma, chega a ser até chato de se ouvir. Não se aconselha algo que já está sendo feito.

Há uma sordidez nesse moralismo, porque os religiosos, que acham que "conhecem a verdade" e "estabelecem contato com o oculto", não compreendem a complexidade da vida humana. Não sabem que indivíduos têm necessidades diferentes e elas não podem ser vistas como meros caprichos materialistas ou paixões mundanas.

O que há de mais sádico é que os "espíritas" acham que, por existir a vida espiritual e por haver várias encarnações, se pode aceitar que uma encarnação de cerca de 80 anos seja desperdiçada em desgraças e numa degradação da vida em que o indivíduo não molda suas vontades e desejos, mas simplesmente os anula, já que as desgraças são tantas e os esforços para superá-las, inúteis, que o sofredor se reduz a ser um mero brinquedo das circunstâncias adversas.

Isso é muito sórdido. E, se percebermos que o "espiritismo" admira Madre Teresa de Calcutá quase como um ícone da doutrina, faz sentido que a doutrina que se diz kardecista mas nada tem a ver com Allan Kardec seja uma "fábrica de sofredores", transmitindo energias pesadas naqueles que seguem com devoção tal doutrina brasileira.

A religião acaba sendo a fortuna simbólica dos aristocratas da fé e é isso que muitos não conseguem entender quando Jesus de Nazaré fazia duras críticas aos sacerdotes do seu tempo, por práticas extravagantes, preceitos e valores que, ironicamente, são feitos justamente por aqueles que seguem o antigo ativista. Os hipócritas de hoje evitam serem comparados aos hipócritas do passado, bajulando aquele que justamente condena a hipocrisia, independente de que época e pessoa vier.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Divaldo Franco e a Escola Sem Partido


O "movimento espírita" apoia a Escola Sem Partido. Um projeto educacional que diz rejeitar a "doutrinação" da ideologia esquerdista, do pensamento crítico e da compreensão questionadora da realidade, mas que sempre acolhe a doutrinação religiosa, diante do respeito dado à formação religiosa dos alunos, que devem ser preservadas intocáveis por essa proposta.

A Escola Sem Partido, idealizada por Miguel Najib e pelo senador Magno Malta, tem origem evangélica, sendo oficialmente lançado em 2004 mas já proposto no Congresso Nacional em 1996. É um projeto que, na prática, retoma os antigos paradigmas educativos que vigoraram até o começo da década de 1950. O projeto foi acolhido pelo Ministério da Educação do governo Michel Temer e será aproveitado pela reforma do ensino médio proposta por seu governo.

Eram padrões pedagógicos em que o ensino era hierarquizado. O professor era visto como um aristocrata do saber e os alunos, submissos aprendizes de lições anódinas que serviam apenas para a vida prática dentro dos limites da sociedade conservadora. Nada de pensar criticamente o mundo, mas, quando muito, usar o raciocínio apenas para resolver cálculos matemáticos ou fórmulas de equações químicas ou físicas.

Mas muito do projeto Escola Sem Partido condiz, e muito, no pensamento do "movimento espírita". As ideias encontram afinidade no pensamento de Emmanuel e também se encaixam no projeto educacional da Mansão do Caminho, de Divaldo Franco.

O trecho a seguir, do tema Importância da Evangelização Infantil - Seara Infantil (os termos "evangelização" e "seara" são jargões católicos), Divaldo Franco se dirige à cúpula da Federação "Espírita" Brasileira, trazendo argumentos que possuem surpreendente afinidade com a Escola Sem Partido, já que as semelhanças programáticas com base nos argumentos dos defensores da ESP são impressionantemente expícitas.

Nota-se que tanto Divaldo Franco descreve a "doutrinação" no sentido religioso, tarefa que é aceita pela Escola Sem Partido, embora num discurso mais sutil. A ESP defende que crenças religiosas sejam preservadas, por mais fantasiosas que sejam. E o projeto educacional da Mansão do Caminho segue a doutrinação religiosa, ensinando coisas como as "crianças-índigo", uma analogia sutil à ideia católica da "profecia do menino Jesus".

Portanto, a "doutrinação" que se condena, nesse projeto pedagógico, é a evocação de personalidades esquerdistas - como Ernesto Che Guevara ou mesmo o ex-presidente Lula - e de novos fatores sociais, como a formação de famílias cujos pais são do mesmo sexo. Isso é visto como "doutrinação esquerdista" e "manipulação política" pelos defensores da Escola Sem Partido, que segue uma orientação mais conservadora.

Vejamos alguns trechos do manifesto de Divaldo Franco, reproduzidos da seleção feita pelo seu seguidor Orson Peter Carrera. O conteúdo das ideias de Divaldo apresenta uma contundente afinidade com a reforma educacional do governo Michel Temer e com o ideário da Escola Sem Partido que a gente até pergunta se esse projeto também não seria "espírita".

05. Existem condições mínimas para que alguém possa desempenhar a tarefa de evangelização? Quais seriam?

Não pretendemos estabelecer regras de comportamento doutrinário, que já se encontram muito bem apresentadas no corpo da Doutrina Espírita, e, em particular, na excelente página “o homem de bem” e a seguir “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec.

Não obstante, a pessoa que deseje desempenhar a tarefa de Evangelização Espírita Infanto-Juvenil deve possuir conhecimento da Doutrina Espírita e boa moral como embasamento para a tarefa que pretende. Como necessidade igualmente primordial, deve ter conhecimentos de Pedagogia, Psicologia Infantil, Metodologia, sem deixar à margem o alimento do amor, indispensável em todo cometimento de valorização do homem. Aliás, a programação para a preparação de evangelizadores infanto-juvenis tem tido preocupação em oferecer esses elementos básicos nos encontros e Cursos que são ministrados periodicamente em diversas regiões do país sob a orientação da FEB.

06. Que papel cabe aos espíritas de um modo geral, isto é, àqueles que não atuam diretamente na Evangelização Espírita Infanto-Juvenil, para o crescimento e maior êxito dessa tarefa?

O de divulgar este trabalho importante, estimulando os pais para que encaminhem, quanto antes, os seus filhos à preparação e orientação evangélico-espírita, de modo a contribuírem significativamente para os resultados que todos esperamos. Da mesma forma, exemplificarem, levando os filhos às aulas hebdomadárias e mantendo, no lar, a vivência espírita, que ainda é a melhor metodologia para influenciar mentes e conduzir sentimentos.

07. Que orientação os Amigos Espirituais dariam aos pais espíritas em relação ao encaminhamento dos filhos à Escola de Evangelização dos Centros Espíritas?

Informa-me Joanna de Ângelis que, na condição de pais e orientadores, temos a preocupação de oferecer a melhor alimentação aos filhos e aos nossos educandos; favorecê-los com o melhor círculo de amigos; vesti-los de forma decente e agradável; encaminhá-los aos melhores professores, dentro da nossa renda; proporcionar-lhes o mais eficiente médico e os mais eficazes medicamentos quando estejam enfermos; conceder-lhes meios para a manutenção da vida; encaminhá-los na profissão que escolham... É natural que, também, tenhamos a preocupação maior de atendê-los com a melhor diretriz para uma vida digna e um porvir espiritual seguro, e esta rota é a Doutrina Espírita. Portanto, encaminhemo-los às Escolas de Evangelização dos Centros Espíritas, ou, do contrário, não estaremos cumprindo com as nossas obrigações.

08. Que recursos poderiam ser, ainda, acionados para expandir a tarefa de Evangelização Espírita Infanto-Juvenil?

Maior e mais constante contato entre evangelizadores e pais, a fim de os conscientizar da alta responsabilidade que a estes últimos diz respeito, pedindo ajuda e num intercâmbio frequente, já que ambos são interessados na formação moral e espiritual da criança e do jovem. Seria, também, muito válido, que os resultados da Evangelização Espírita Infanto-Juvenil fossem mais divulgados nos Centros Espíritas e se insistisse mais na colocação de que todo bem feito à infância se transforma em bênção no adulto.

domingo, 6 de novembro de 2016

Elites que retomaram o poder no Brasil caem em qualidade

PROCURADOR DELTAN DALLAGNOL, DO MINISTÉRIO PÚBLICO: FAMOSO PELA GAFE DE SEUS ESQUEMAS DE POWER POINT.

As elites que reconquistaram o poder no Brasil, nos últimos meses, vivem numa utopia plena. Acham que, com o sustento financeiro, o respaldo jurídico e o apoio da coletividade, numa aliança "segura" entre empresariado, Judiciário e grande mídia, poderão permanecer no poder de maneira tranquila e efetiva. Mas não será assim.

Afinal, o Brasil vive seu período de maior vulnerabilidade social. O governo de Michel Temer é, seguramente, o pior de toda a História da República brasileira. Vemos um Judiciário parcial e tendencioso, uma grande mídia cada vez menos comprometida com a informação e a verdade, e uma sociedade que se torna moralista sem moral.

Já se fala até em volta da "defesa de honra" para o feminicídio machista, um ano depois de ser considerado crime hediondo e numa época em que Doca Street e Pimenta Neves já compraram a passagem para o além. E nas redes sociais pessoas manifestam ataques racistas livremente, se esquecendo que cometem crimes inafiancáveis.

Sim, a sociedade voltou a ter um surto reacionário comparável aos tempos da ditadura militar. E isso mostra o quanto as elites que reconquistaram o poder caíram muito em qualidade, sob vários aspectos, com um neoconservadorismo que já começou desastroso nessa retomada do poder e cujas chances de haver alguma melhora estão praticamente perdidas.

Vemos tecnocratas, aristocratas, empresariado, celebridades, artistas, políticos e juristas que dominam a sociedade de uma forma ou de outra, com o prestígio do dinheiro, da fama, do diploma, do poder político, da hierarquia administrativa etc, dotados de plena incompetência, cometendo inúmeras gafes, praticando a causa específica de maneira superficial e equivocada e por aí vai.

Enquanto na mídia de esquerda - acusada, levianamente, de ser "petista" e "ideológica" - se observam juristas, economistas, jornalistas e acadêmicos sérios alertando para inúmeras infrações legais e profissionais cometidas pelas elites que retomaram o poder, na mídia solidária ao contexto atual o que se vê são abordagens de um otimismo fantasioso digno de contos de fadas.

É só observar a PEC do Teto (inicialmente PEC 241, hoje PEC 55) e a Escola Sem Partido. Na mídia dominante, a partir do exemplo da própria Rede Globo, seus defensores usam argumentos confusos e um tanto fantasiosos, em que uma teoria linda é mostrada, como um "controle racional" dos gastos públicos e uma Educação que "forma cidadãos sem fazer manipulação ideológica".

São argumentos fora de lógica e sem garantia de aplicação na realidade. Mais parecem campanhas publicitárias. E isso mostra o quanto a elite que retomou o poder está velha, cansada, mofada. Isso reflete até nas estéticas retrô que envolveram, por exemplo, os panfletos e cartazes do seminário do Movimento Brasil Livre.

Outro exemplo são os economistas que tentam argumentar sobre projetos socialmente excludentes, feitos mais para recuperar o mercado e a indústria do que para garantir renda para todos. Um exemplo típico, de economistas tidos como "salvadores da pátria" que nunca conseguiram resolver crises e só as fizeram agravar, diante de medidas que só favoreceram o empresariado, em detrimento da população.

Mas o próprio Michel Temer se insere nesse cenário de incompetência, já que ele mesmo, autor de livros sobre Direito Constitucional e tendo sido professor universitário da mesma especialidade, decepcionou seus próprios alunos em suas atuações como advogado e político, principalmente na atual condição de presidente da República.

A incompetência generalizada já tem um precedente famoso no "espiritismo", quando os juízes de uma geração ancestral da de Sérgio Moro, em 1944, revelaram sua incompreensão sobre a gravidade da apropriação indébita de Humberto de Campos cometida pelo espertalhão Francisco Cândido Xavier e Antônio Wantuil de Freitas, presidente da FEB.

Pesquisas de conteúdo aprofundadas sobre os supostos livros do "espírito Humberto de Campos" trazidos por Chico Xavier revelam que os textos lembram muito bem os estilos dos escritos de Wantuil e os depoimentos do "médium", levando a concluir, com a máxima segurança, de que a suposta psicografia que gerou uma grande série de livros - algumas sob o codinome "Irmão X" - teriam sido feitas a quatro mãos por Chico e Wantuil.

Os juízes daquela época não entenderam a situação, achavam que não era necessário mexer com obras ditas "espirituais" e, por isso, deixaram o caso em empate, mas num empate que fez o mito traiçoeiro de Chico Xavier crescer como bola de neve, para o completo prejuízo da Doutrina Espírita e das atividades mediúnicas no Brasil, completamente desmoralizadas.

A sociedade conservadora já começa a aceitar deslizes, corrupções, crimes e outros erros graves cometidos pelas elites. Chegam a fazer descaso diante de tantas gravidades. E ainda consideram seus infratores, criminosos e outros errados convictos como "responsáveis" por conta de algum status quo que os permita "trazer alguma esperança" para os brasileiros.

Chico Xavier ganhou de graça o status de "pessoa mais pura e elevada que passou pela Terra", uma ilusão movida por paixões religiosas cuja validade apenas se situa na vida material. Falecido em 2002, Chico já sentiu o choque da desilusão extrema no mundo espiritual, vendo que lá não existe Nosso Lar e que ele foi desdenhado e reconhecido como um farsante e um arrivista, porque não há segredos a serem escondidos no além-túmulo.

É o choque que sofrerá Divaldo Franco assim que ele "viajar para o outro lado". Mas isso a "boa sociedade" que retomou o poder não quer saber. Há mais fantasias, complacências e omissões nas elites que reconquistaram o poder do que se imagina, num país em que Romero Jucá é denunciado por corrupção, com provas documentais, e pouco depois torna-se cotado para ser um dos líderes do governo "responsável" de Michel Temer.

A sociedade que reconquistou o poder revela o seu odor insuportável de cadáver apodrecido, simbolicamente embalsamado pelas circunstâncias. Ela acredita que veio definitivamente para ficar, mas chegará um tempo em que as circunstâncias lhe escaparão do controle.

Afinal, as elites conservadoras não reconquistaram o poder por suas qualidades positivas, e nem pela capacidade de se adaptar aos novos tempos, presas em convicções antigas e em nostalgias doentias de antigos privilégios e hegemonias. Diante disso, ela mesma produzirá as crises sem controle das quais se mostrará incapaz de resolver, cega em suas "certezas" e "necessidades". É esperar para ver.