sábado, 1 de abril de 2017

Qual é o interesse de acusar de tiranos os refugiados do Oriente Médio?


Foi de extrema gravidade a declaração do orador "espírita" e anti-médium baiano, Divaldo Franco, durante um congresso na Espanha, a respeito dos refugiados do Oriente Médio. Mesmo em palavras aparentemente mansas e agradáveis, Divaldo estabeleceu um juízo de valor extremamente cruel contra as pobres criaturas que saem de países em guerra para tentar a sorte na Europa.

"No campo das deduções e de acordo com o meu pensamento, penso que aqueles que estão hoje, de volta à Europa, são os antigos colonizadores que deixaram, até hoje, a América Latina na miséria.
Como foi negado todo o direito aos seus residentes, como aculturaram os selvícolas, destruindo culturas veneráveis, pela Lei de Causa e Efeito aqueles estão retornando hoje à pátria, no estado de miséria, e que ameaçam os próprios países de onde saíram, para, um dia, buscarem a fortuna para o conforto europeu".

A gravidade da declaração está em alguém que se acha protegido pelo prestígio religioso e que, por isso, se acha na moral de atribuir a sofredores uma suposta sentença, evocando sobretudo encarnações antigas que, se for realmente o caso, teriam sido superadas. A declaração de Divaldo Franco, portanto, tornou-se extremamente infeliz, principalmente partindo de alguém que é tido como uma aparente unanimidade religiosa.

Sabe-se que Divaldo Franco é o maior deturpador vivo da Doutrina Espírita, já que Francisco Cândido Xavier faleceu há 15 anos. Assim como Chico Xavier, Divaldo também corrompeu a atividade de médium, que no Brasil passou a ser dotada de culto à personalidade, se distanciando da função discreta, modesta e meramente serviçal que se via nos temos de Allan Kardec.

A acumulação de prestígio religioso, que poucos percebem também ser demonstração de gozos terrenos, faz o suposto médium - não bastasse a irregularidade de sua atividade, pois, através da típica debilidade brasileira da falta de concentração, dificilmente ocorre de verdade a comunicação com os mortos - uma grande aberração da qual muitos estão acostumados, mas não era para estar.

Temos um "espiritismo" igrejeiro e uma "mediunidade" de faz-de-conta, e os ditos "médiuns", se tornando mais figuras pitorescas, a alimentar o sensacionalismo midiático para depois se tornarem ídolos religiosos, além de se autoproclamarem "santos" ou, ao menos, serem promovidos como tais, também viram dublês de "intelectuais" com seu engodo de ideias místicas e moralistas recheadas de pedantismo científico.

Com isso, os "médiuns", se valendo de sua suposta erudição, de seu prestígio religioso, do alegado "vínculo com Deus" e do espetáculo de palavras bonitinhas que agradam multidões, se acham no direito de fazer julgamentos de valor, com base nas próprias abordagens deturpadas e distorcidas do suposto espiritismo que se pratica no Brasil.

Que moral teve Chico Xavier em acusar as vítimas do incêndio do circo em Niterói de terem sido romanos sanguinários? Nenhuma. E ainda mais botando na responsabilidade de Humberto de Campos, falecido três décadas antes! É uma leviandade na qual o prestígio religioso vira uma desculpa para sair julgando quem quer que fosse, e partindo justamente de quem pedia para os outros não julgarem.

Da mesma forma, vem Divaldo Franco dizer que os refugiados do Oriente Médio foram colonizadores europeus no passado e que eles "estão pagando" com tragédias e miséria o retorno ao Velho Continente. A acusação se estendeu à ganância, atribuindo o retorno à "busca da fortuna para o conforto europeu".

Ainda que haja gente problemática entre os refugiados, a maioria é de cidadãos de bem. Um julgamento de valor como o de Divaldo, assim como o de Chico Xavier, podem causar danos morais sérios, se tal visão causar ampla repercussão. Tal julgamento já resultou em processos judiciais contra "espíritas" como o médico Woyne Figner Sacchetin e uma pediatra de Rondonópolis, Mato Grosso, cujas alegações de "reajustes espirituais" foram consideradas ofensivas.

Sacchetin, no livro O Voo da Esperança, acusou as vítimas da tragédia com um avião da TAM, há dez anos, de terem sido romanos sanguinários, e usou o nome de Alberto Santos Dumont como o suposto autor da "psicografia". O médico e suposto médium foi processado por familiares que se sentiram ofendidos com tal acusação e o livro teve que ser recolhido das livrarias.

Foi exatamente a mesma coisa que Chico Xavier fez em Cartas e Crônicas, usando o nome de Humberto de Campos (mal disfarçado pelo pseudônimo "Irmão X"), com o agravante do "médium" neste caso gozar de alto prestígio religioso e as vítimas serem pobres e sem recursos para pagar advogados para processar o "psicógrafo".

A pediatra de Rondonópolis se recusou a atender uma menina de sete anos cuja mãe revelou ter sido a criança vítima de estupro, por acusar a pequena paciente de "pagar reajustes espirituais" pelo crime cometido por um tio. Disse que a criança havia cometido "sensualismo" em outras vidas e "guardava muita energia sexual" que havia propiciado o tio a fazer o ato sexual. A médica foi processada por dano moral pela acusação leviana.

Chico Xavier e Divaldo Franco tornam-se ainda muito mais graves e deploráveis porque se acham protegidos pelo prestígio religioso, um privilégio não muito diferente da fama e do estrelato e igualmente movido pelas paixões terrenas.

Da mesma forma, uma acusação leviana contra os refugiados do Oriente Médio - que não saem de seus países de origem como quem sai do Brasil em viagem à Disney, mas para fugir de ambientes violentos em que qualquer lugar pode ser alvo de tiros ou bombas - revela uma série de preconceitos sutis. Racismo? Elitismo? Moralismo? Intolerância social?

Isso é extremamente grave, e piora mais ainda para a situação de seus acusadores porque eles citam encarnações antigas, possivelmente já superadas, e contrariam as recomendações de Allan Kardec de esquecimento de vidas passadas. E revelam uma completa falta de misericórdia, por mais que os "espíritas" aleguem que os infortunados "mereçam consideração".

Isso se dá porque a "bondade" vira uma mera moeda da vaidade religiosa. O "espírita" que primeiro diz que fulano é "desgraçado" e depois "merece nosso carinho e perdão" é um hipócrita, porque na primeira declaração ele o condena, na segunda o acaricia, como alguém que primeiro apunhala alguém para depois pedir desculpas. Um "perdão" assim é como o "beijo da morte", que serve mais para alimentar a vaidade do "espírita" por conta de sua pretensa humildade.

O prestígio religioso e as paixões religiosas comprovam, portanto, sobretudo em relação a esse pretenso espiritismo cheio de irregularidades, o quanto de vaidades, omissões, fraudes e juízos de valor se fazem, leviandades mil que se apoiam nas desculpas da "ligação a Deus". E os "espíritas" ainda acreditam que vão ao Céu e serão acolhidos por espíritos amigos, autoridades e coro de anjos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.