domingo, 9 de abril de 2017

Os falsos profetas do "espiritismo" brasileiro


A retórica apresenta armadilhas tão engenhosas que um mentiroso pode muito bem parecer que denuncia as mentiras dos outros e se traveste, então, de arauto da verdade, da coerência e do bom senso, sem sê-lo de fato.

Allan Kardec alertou muitas vezes sobre a desfiguração da Doutrina Espírita feita pelos deturpadores. No Brasil, porém, os deturpadores tomaram as rédeas e mesmo eles fazem todo mundo crer que "denunciam os falsos profetas", e aqui os deturpadores praticamente privatizaram a verdade, que agora é um produto de sua propriedade.

Tão cedo os deturpadores vieram com aparatos de filantropia, simulacros de sabedoria e toda uma roupagem de mansuetude e sensatez para que as pessoas não pudessem contradizê-los. Falam de maneira calma e não demonstram qualquer indignação, e falam em "fraternidade" com imagens de corações vermelhos, crianças sorridentes e paisagens belíssimas de céu azul ou relva florida.

Tudo isso se tornou tão envolvente que até mesmo quem critica a deturpação para no meio do caminho, evitando mexer na reputação dos deturpadores, que de tão espertos se tornaram famosos até no exterior e, para piorar, invadiram o "terreno inimigo", ou seja, a França, onde eles têm livros traduzidos para o francês.

Como falsos cristos, eles apenas reagem com poses tristonhas e quietas aos duros questionamentos que recebem. Deixam que a raiva fique com seus seguidores. Os "mestres", como são oficialmente conhecidos os deturpadores da Doutrina Espírita, supostos médiuns que viraram dublês de pensadores, de ativistas e de filantropos e são tomados de culto à personalidade, precisam manter toda a postura de humildade e serenidade que lhes garante o prestígio de difícil abalo.

Mas eles também são falsos profetas. Se autoproclamando vinculados a Deus, criando um carisma religioso que faça muitos acreditarem que os deturpadores estão no fim de sua missão encarnatória, eles também arriscam a supor datas determinadas para o progresso da humanidade. Várias vezes investiram em datas que depois não se cumpriram: 1970, 1980, 1991, 2000, 2009, 2010, 2012, e na fila estão 2019, 2022, 2025, 2039, 2040, 2052, 2057.

Num primeiro momento, esses pretensos sábios - que tão facilmente recuperam a credibilidade ameaçada lançando mão de imagens de crianças sorridentes e céus ensolarados - afirmam, "otimistas", que o progresso da humanidade está chegando e, dentro de uma dada quantidade de anos, a Terra se tornará um mundo de paz e fraternidade.

Num segundo momento, esses "sábios", vendo que as coisas não aconteceram da forma como eles anunciaram, tentam alegar que os "irmãozinhos pouco compreensivos" não deixaram se realizar o progresso esperado e se rebelaram, incomodados com o fim de seus privilégios.

Questionados sobre tantas irregularidades que fazem em relação ao legado de Allan Kardec - ao qual os deturpadores "juram" ter "fidelidade absoluta" - , os deturpadores se escondem em arremedos de filantropia e intelectualismo. Num Brasil marcado pela desinformação, os deturpadores ganham um prestígio altíssimo e nem a Justiça se encoraja a condená-los diante de uma fraude descoberta.

Allan Kardec, em O Livro dos Médiuns, sempre alertou sobre os falsos profetas, em textos próprios ou em outros que recebia de espíritos desencarnados. Neste livro, na tradução honesta de José Herculano Pires, há um trecho do espírito Erasto sobre os falsos profetas cujo exemplo enfatiza a ação de espíritos desencarnados em médiuns, mas pode também se referir a supostos médiuns influenciando o público em geral. Vejamos o texto, no capítulo 31, Dissertações Espíritas:

"Os falsos profetas não existem apenas entre os encarnados. Encontram-se também, em número muito grande, entre os Espíritos orgulhosos que sob as falsas aparências de amor e caridade semeiam a desunião e retardam a obra de emancipação da humanidade, ao lançarem entre as criaturas seus sistemas absurdos, que fazem os médiuns aceitar. Para melhor fascinar os que eles querem enganar, para dar mais peso às suas teorias, eles se enfeitam sem escrúpulos de nomes que os homens pronunciam com respeito, como os de santos justamente venerados, os nomes de Jesus, de Maria e do próprio Deus".

Somos obrigados, pela natureza das circunstâncias, a identificar tal parágrafo a Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco, que lançam ideias que se chocam à obra kardeciana mas se apoiam pelo discurso de "amor e caridade". O fato de semear a desunião é uma ideia que deve ser analisada com cautela, porque os próprios deturpadores da Doutrina Espírita se autoproclamam "unificadores" e pregam a "união" em torno da deturpação.

Mas isso não quer dizer que não haja desunião e discórdia. Na atribuição de Chico Xavier como "profeta da data-limite", os próprios seguidores do anti-médium mineiro entram em conflito intenso. pois alguns acham a atribuição de "profecia" como algo "muito cruel" contra o "bondoso médium", por descrever catástrofes planetárias, e outros, porém, alegando que a "profecia" é apenas um aviso para "quem insistir no egoísmo". Em ambos os casos, misturam-se delírios pseudocientíficos e devaneios igrejistas.

Mesmo num tom mais conciliador, Divaldo Franco também semeia discórdia, porque ele tenta ser simpático a tudo: esquerdistas, ateus, prostitutas, cientistas, roqueiros etc. É um discurso perigoso, mas cujo fascínio que exerce é quase unânime: o da aparente "união de irmãos", um discurso que parece inocente por soar aglutinador e pacifista, mas pode ser também um perigoso meio de dominação.

Imagine, nós nos unindo em torno da deturpação do Espiritismo. Seremos "fraternos" na mistificação que os deturpadores oferecem? Seremos ligados a esse sistema de ideias truncadas e textos rebuscados que prometem "mensagens de amor e esperança"? Nos uniremos em torno de um Chico Xavier defendendo a ditadura militar (se ele estivesse vivo hoje, defenderia o governo Michel Temer)? Ou em torno de um Divaldo Franco criminalizando os refugiados do Oriente Médio?

O discurso de fraternidade é perigoso porque sugere uma "união" em torno de algo. Em que direção se vai a "fraternidade"? Seria muito ingênuo dizermos que é apenas em direção à paz e ao amor. A vida é complexa e em que sentido se dará essa paz, que interesses serão mantidos para eliminar conflitos ou se esses conflitos serão abafados pela manutenção de desigualdades, amenizadas estas apenas pela caridade paliativa que pouco ajuda os necessitados.

Da forma com que o "espiritismo" está vinculado à Teologia do Sofrimento, pedindo às pessoas para perdoarem os abusos dos algozes e aguentarem as próprias desgraças, a "fraternidade" irá sempre em direção da manutenção das injustiças sociais, fazendo com que uma minoria de egoístas abuse sem limites sob o perdão de uma maioria de sofredores que "aguentam qualquer parada". Sermos "irmãos" assim não traz qualquer conforto para a consciência humana.

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