sábado, 30 de setembro de 2017

"Espiritismo" brasileiro abriu caminho para o golpe de 1964?


Até parece que o "espiritismo" brasileiro é a religião mais golpista do Brasil. O fim de governos progressistas, em momentos recentes da História do Brasil, coincidem com ocasiões que favoreceram o "movimento espírita", e dois grandes momentos revelam o mau agouro que a doutrina que sonha com a "pátria do Evangelho" tanto inspira nas pessoas.

Em 1944, a seletividade da Justiça dos homens, movida pelas paixões religiosas, absolveu o "médium" Francisco Cândido Xavier, no processo movido pelos herdeiros de Humberto de Campos, mesmo quando as supostas psicografias que levam o nome do autor maranhense apresentem, de forma surpreendentemente comprovada, irregularidades muito graves em relação à obra original do mesmo autor.

As irregularidades são tão grandes que o "espírito Humberto de Campos" nem chega a representar plágios da obra do autor maranhense. Com uma narrativa que lembra a de um sacerdote católico, os plágios remetem mais ao próprio Novo Testamento do que à obra do autor de O Brasil Anedótico. O suposto espírito mais parece um evangelista resgatado da poeira do tempo do que um escritor brasileiro que foi membro da Academia Brasileira de Letras.

É irônico que um dos raros plágios do autor maranhense em Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho (escrita a quatro mãos por Chico Xavier e o presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas) remete a este livro cômico.

Pouco depois da absolvição dos juristas de 1944 - que lembram atuações irregulares ou tendenciosas de hoje vindas de gente como Gilmar Mendes, Sérgio Moro, Marcelo Bretas e Deltan Dallagnol - , Chico Xavier veio com Lázaro Redivivo em 1945, se apropriando, com apetite redobrado, do prestígio de Humberto, agora usando o codinome Irmão X para "evitar maiores dissabores", nos dizeres do esperto "médium".

Diante disso, o governo Getúlio Vargas, que aos poucos suavizava os arbítrios do Estado Novo, foi deposto do poder pelo seu ex-ministro e general do Exército, Eurico Gaspar Dutra, que depois tornou-se presidente do Brasil até 1950, quando o próprio queremismo fez Vargas ser eleito e voltar ao poder, numa época de entressafra no "movimento espírita".

A queda de Getúlio Vargas, através de seu suicídio em 1954, se deu quando o "espiritismo" tentou explorar o lado "psicófono" de Chico Xavier, uma atividade pouco mencionada no "movimento espírita". Essa "mediunidade oral", que pelo jeito resultou num retumbante fracasso, não era outra tarefa atribuída ao "médium", que também atuava como "observador" de supostas experiências de materialização espiritual.

Entre 1958 e 1960, o desgaste do governo Juscelino Kubitschek se deu numa época em que a FEB teve que se virar com o sobrinho Amauri Xavier, que ameaçou denunciar, quase seis décadas antes das delações premiadas da Operação Lava Jato, o esquema de supostas psicografias do "movimento espírita", inclusive o envolvimento de Chico Xavier.

Amauri foi internado num sanatório do interior de São Paulo, que existe até hoje, e teria sofrido maus tratos, semelhantes aos de um furtador de uma loja apreendido pelo gerente. Tendo como único vício provável o de ser viciado em álcool, Amauri morreu cedo demais para um vício assim - dez anos a menos do que se espera de gente assim - , tendo sido provavelmente envenenado em 1961.

Juscelino ainda presenteou a FEB com o título de "Instituição de Utilidade Pública" e ainda manifestou generosidade com Chico Xavier. A "gratidão" dos "espíritas" com Juscelino foi dar início a uma série de infortúnios que criou uma maré de azar para o então presidente e seus relacionados (como João Goulart e Márcia Kubitschek), sendo uma epidemia de azar que chegou até o ator José Wilker, que interpretou o político mineiro numa minissérie da Rede Globo.

Juscelino não conseguiu eleger o sucessor que ele apoiava, o marechal Henrique Teixeira Lott, derrotado pelo populista de direita Jânio Quadros. Também Juscelino não conseguiu voltar à Presidência da República, tendo sido um dos primeiros parlamentares cassados pelo golpe militar, que cancelou as eleições presidenciais de 1965 que o mineiro tanto sonhava concorrer, acreditando que sairia vencedor.

O "movimento espírita" e a FEB apoiaram o golpe militar de 1964. Para aqueles que acham "absurda" essa constatação contra a "doutrina do amor ao próximo", é bom deixar claro que a revelação foi dada pelo experiente historiador Jorge Ferreira, ele mesmo autor de uma detalhada biografia de João Goulart, o vice de Juscelino e depois presidente deposto em 1964.

O próprio Chico Xavier, pela sua formação conservadora de mineiro interiorano e pelo seu moralismo retrógrado manifesto em muitas obras e depoimentos, defendeu o golpe militar de 1964 e saiu defendendo a ditadura militar na sua pior fase, como claramente se observou no programa Pinga Fogo da TV Tupi de São Paulo, em 1971.

É bom deixar claro que, naquele ano de 1971, parte da direita que apoiava o golpe militar passou a se opor ao regime. É irônico que Carlos Lacerda, o político que mais apoiou o golpe militar, e Alceu Amoroso Lima, que denunciou a farsa do livro Parnaso de Além-Túmulo como "invenção de editores da FEB", outro apoiador do golpe, passaram a repudiar a ditadura, que estava em sua fase mais violenta.

Já o anticomunista Chico Xavier, que muitos acreditavam ser "progressista" e cuja imagem "bondosa" - construída por sucessivas manobras discursivas da FEB e, depois, da Rede Globo de Televisão - seduzia até setores ideológicos de esquerda (recentemente, uma blogueira declaradamente comunista cometeu uma gafe ao reclamar que As Mães de Chico Xavier, co-produção da Globo Filmes, era boicotada pela grande mídia), disse que a ditadura "estava construindo um reino de amor".

É também curioso que, pouco depois de ter falecido, em junho de 2002, Chico deixou a poeira dissolver seu sua influência material e o governo Fernando Henrique Cardoso entrou no seu ocaso. É bom deixar claro que dois conservadores, o apresentador Luciano Huck e o político Aécio Neves, choraram a morte do "médium" dando louvores apaixonados àquele que consideram "seu mestre".

E aí tivemos um breve período progressista governado pelo PT. Até que a crise política ceifou pela metade o governo da presidenta Dilma Rousseff e as manifestações dos "coxinhas" eram apoiadas abertamente pelo "movimento espírita", que chegou a falar no "início de um período de regeneração". Os "espíritas", depois, sinalizaram apoio subliminar ao governo Michel Temer. Isso mostra que o "movimento espírita" brasileiro nada tem de progressista, do contrário que muitos acreditam.

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