sábado, 9 de dezembro de 2017
"Espiritismo", credulidade infantil e carteirada religiosa
Afastado dos postulados originais de Allan Kardec, apesar de toda a bajulação e todos os artifícios em prol de seu nome, o "espiritismo" brasileiro tornou-se, no imaginário de muitos, uma espécie de contos-de-fadas de gente grande. É claro que ninguém assume isso dessa forma, mas o tratamento que se dá às estórias de "superação e fé" trazidas pelas palestras e obras "espíritas" diz muito a respeito disso.
Os apelos emocionais que tentam compensar a aridez doutrinária, com as insossas frases dos "médiuns" ilustradas por paisagens de jardins floridos, céu azul, o brilho do Sol, os passarinhos voando sobre rosas etc, refletem muito esse processo de infantilização do inconsciente dos mais velhos através do "espiritismo" feito no Brasil.
Apelos sobre "paz e fraternidade" ou "amor e solidariedade" são feitos de forma a desarmar os contestadores, seduzidos pelo céu azul e pelas lindas flores e pelo tom de poesia de certos apelos visuais ou textuais. Tudo isso é feito para que se aceite não só os desvios doutrinários há décadas cometido pelos "espíritas" brasileiros, mas até mesmo para progressistas aceitarem os valores ultraconservadores defendidos pela igrejeira doutrina brasileira.
A deturpação do Espiritismo tornou-se um engenhoso projeto no qual é preciso firmeza na contestação e no questionamento. Desculpas dos mais diversos níveis, das mais ridículas às mais habilidosas, são lançadas para permitir a deturpação do legado de Allan Kardec, com o detalhe surreal de que há também a fingida declaração de "fidelidade aos postulados espíritas originais".
Essa fingida fidelidade chega ao ponto de, formados por ideias roustanguistas, os deturpadores do Espiritismo, ao viajarem na França, vão correndo para ver o túmulo de Kardec enterrado no cemitério de Père-Lachaise, em Paris. Posam para fotos, esbanjam vaidade e ainda adotam a postura esnobe de dizer que "estão se sentindo em casa". Traem Kardec mas têm a arrogância de estufar o peito e dizer que são "os mais fiéis discípulos" do pedagogo lionês.
A credulidade dos brasileiros, sobretudo para os "médiuns espíritas", que perderam a função intermediária e, apesar da pose de "humildade" e de todo aparato de "simplicidade", perdem feio em humildade em relação aos verdadeiros médiuns do tempo de Kardec, que, mesmo aristocráticos, eram discretos, quase anônimos, só queriam cumprir sua tarefa e não bancavam dublês de filantropos nem de pensadores.
A desinformação generalizada que, nas redes sociais, faz com que pessoas se arrisquem até em transmitir visões racistas sem saber que isso dá cadeia, também faz com que se aceite uma série de aberrações que transformam o Espiritismo, no Brasil, em um engodo doutrinário, num clone do Catolicismo cheio de bolor, ferrugem e mofo.
As pessoas fazem excesso de relativismos para se manterem na zona de conforto de aceitar que a vida vai mal, e, incapazes de superar de verdade as suas dificuldades, se contentam com o entretenimento barato de ir às "casas espíritas" se divertir às custas da desgraça alheia, através de espetáculos de "estórias de superação", que servem de "masturbação para os olhos" através da produção de comoções.
As pessoas aceitam tudo. Aceitam que os "médiuns espíritas" vivam no culto à personalidade, aceitam que a fascinação obsessiva lhes tome os instintos hipnotizados pelas fotos de Francisco Cândido Xavier. Aceitam que obras literárias fake, falsamente atribuídas a autores mortos, sejam vistas como "autênticas" só por causa de frases fáceis como "sejamos todos irmãos" e "busquemos a paz maior em Deus e no Cristo".
Qualquer um que tenha algum prestígio e seja querido por um número considerável de pessoas, se lançar uma série de livros usando nomes de gente já morta, com obras risíveis e pedestres de auto-ajuda e moralismo religioso, será endeusado de forma que essas obras caricaturais, verdadeiras paródias do que foram os respectivos mortos tidos como "autores espirituais", sejam vistas como "genuínas" e se sobreponham, se depender do caso, até às obras originais produzidas em vida.
MERCADO LITERÁRIO E CARTEIRADA RELIGIOSA
Daí que Humberto de Campos passou a ser envolvido num absurdo que outro escritor prematuramente falecido, Sérgio Porto, através de seu pseudônimo Stanlislaw Ponte Preta, poderia muito bem ter incluído no FEBEAPÁ, o Festival de Besteiras que Assola o País.
Isso porque Humberto deixou de ter seus títulos originais publicados com regularidade no mercado literário brasileiro. No entanto, as obras supostamente mediúnicas, que uma simples leitura pode comprovar que fogem do estilo original do autor maranhense, continuam livremente publicadas e até relançadas na Bienal do Livro, que em toda edição conta com uma instalação pomposa da FEB, com uma foto gigantesca de Chico Xavier.
A carteirada religiosa, no Brasil, infelizmente é a mais importante. Só por se apoiar de pretextos e alegações divinas ou sobrenaturais, a carteirada religiosa do "espiritismo" brasileiro se acha acima da ética, do bom senso, da lógica, da coerência. Qualquer absurdo é só arrumar uma desculpa fácil: "há aspectos que escapam dos caprichos terrenos da compreensão humana". Quanta cara-de-pau, não é mesmo?
Pode-se usurpar o morto que escolher, desde que haja acordos entre diferentes "médiuns" sobre quem é que vai ser "dono" de um morto da ocasião. Existe um que é "dono" de Raul Seixas, outro que é "dono" de Renato Russo, há quem se julgue "dono" de Getúlio Vargas e temos que nos preparar sobre quem vai ser "dono" de Teori Zavascki, Eduardo Campos e Domingos Montagner.
A carteirada religiosa garante tudo e, o que é mais absurdo, pode-se até seduzir os familiares do morto para eles aceitarem as armações do "médium". Em 1957, Humberto de Campos Filho foi seduzido por Chico Xavier através de um assédio moral de cunho religioso, por meio do convite a uma doutrinária "espírita" e um espetáculo ostensivo de mero Assistencialismo.
Recentemente, a atriz Márcia Brito, ex-mulher do ator e dublador Nizo Neto, este filho de Chico Anysio e Rose Rondelli, que havia perdido, devido a um afogamento, o filho do ex-casal, Ryan Brito, tentou justificar a suposta autenticidade da "mensagem psicográfica" dele da seguinte maneira: avisou os céticos que, em vez de duvidarem da "psicografia", que conheçam o "trabalho filantrópico" do "médium".
Isso foi o mesmo que justificar uma coisa com outra totalmente diferente. Sabemos que a "caridade" feita pelos "espíritas" é o Assistencialismo, que não "cura" a pobreza mas alivia seus "sintomas", mas, independente de pensar em tais questões, o que dar sopa aos pobres tem a ver com divulgar uma mensagem atribuída a um morto?
Foi constrangedora a declaração da mãe de Ryan Brito, até porque ela se valeu de uma abordagem contrária ao que recomendou Allan Kardec no Conselho Universal do Ensino dos Espíritos: procurar duvidar da mensagem supostamente espiritual, até que se tenha certeza, por critérios rigorosos, que a mesma pareça algo digno de aparente autenticidade.
Esses critérios Kardec havia descrito: procurar médiuns de diferentes procedências, sem relação alguma entre si, para cada um deles divulgar uma mensagem de algum morto solicitado. Não se pode contentar com um único médium, que pode ser um mistificador, nem com semelhanças em relação à natureza pessoal do morto, por si mesmas. Isso porque, com toda semelhança que houver, se há um único aspecto contrário à natureza pessoal do morto, a veracidade é derrubada de vez.
Questões como estas os "espíritas" brasileiros jogam debaixo do tapete. É constrangedor que eles se julguem "rigorosamente fiéis a Allan Kardec", mas em muitos casos essa fidelidade tão alegada em peitos estufados e cabeças erguidas nem de longe é cumprida.
Um exemplo é a falta de rigor com que o "médium" Divaldo Franco teve em relação à "farinata" do prefeito de São Paulo, João Dória Jr. Ele não pediu documentos de perícia técnica, exame nutricional ou coisa parecida. Pedir isso não seria ofensivo, mas um atestado de responsabilidade. Divaldo, em vez disso, deixou que se lançasse oficialmente um alimento que, por sua má repercussão, foi depois descartado. Não fosse o silêncio da mídia, o "médium" teria caído em um escândalo terrível.
Por sorte, permite-se tudo no "espiritismo", sob a pregação fácil, simplória mas, nem por isso, isenta de hipocrisia, de mensagens de "amor e caridade" ou "paz e fraternidade". Cria-se a falácia de que o "amor pode tudo", mesmo que seja para jogar a ética, a lógica, a coerência e o bom senso no lixo. O próprio Divaldo lançou uma lenda de que, em nome da "caridade", o espírito do dr. Adolfo Bezerra de Menezes se "materializou" (?!) e furtou um caminhão a pedido de Chico Xavier.
Isso vai contra os postulados espíritas originais e revela uma grande farra que o "espiritismo" brasileiro, lançando mão de um monte de apelos emocionais, dignos de contos infantis, faz com o legado de Allan Kardec, garantindo a seus pregadores, sobretudo "médiuns", uma imunidade em dimensões estratosféricas, sendo vistos até como "espíritas autênticos" mesmo traindo as lições kardecianas.
Daí que ser "médium" hoje é a atividade mais fácil no Brasil. Faz-se o que quiser, lançando obras fake, difundindo ideias retrógradas, promovendo Assistencialismo, traindo Kardec. É melhor do que ser político do PSDB: ninguém investiga, ninguém pune, e os "médiuns" podem se passar por progressistas até quando veiculam valores do mais puro obscurantismo.
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