domingo, 17 de dezembro de 2017
O "espiritismo" e o perigoso apelo do "bombardeio de amor"
Se você critica a deturpação igrejeira que rebaixa a Doutrina Espírita a um sub-Catolicismo e, em dado momento, não se aprofunda nas críticas e sucumbe à adoração ou, ao menos, à "respeitosa simpatia" aos "médiuns" deturpadores, cuidado: você pode ter se deixado levar pelo "bombardeio de amor".
"Que ótimo! Amor demais sempre é bom! Quem dera uma explosão de amor a tomar a Terra, fazendo com que a paz se reine entre os povos", diria algum desavisado da ocasião. Mas o "bombardeio de amor", que no Brasil é visto quase sempre como um fenômeno positivo, é reconhecido, no mundo desenvolvido, como um tipo muito perigoso de falácia e de dominação das pessoas.
"Bombardeio de amor,é dessa guerra que o mundo precisa!", diz uma página no Facebook, reduto de pessoas com visão simplória e distorcida da realidade. Muita gente não sabe a estranheza que é o processo de dominação através de um simulacro de afeição intensa e na ênfase de apelos emocionais muito fortes, feitos para arrancar o máximo de comoção das pessoas.
O "médium" Francisco Cândido Xavier, para decepção de muita gente, se revelou, além de realizador de pastiches literários - não sem a colaboração de terceiros, diga-se de passagem - , foi um artífice de vários processos de manipulação da mente: tinha um olhar hipnótico, quando jovem, e mexia com diversos processos que parecem herdados dos espetáculos circenses ou de práticas ocultistas.
Cita-se, entre outros, as técnicas ilusionistas de suposta materialização, como se viu no caso Otília Diogo - no qual Chico Xavier devia ter sido também responsabilizado, pois fotos de Nedyr Mendes da Rocha, depois divulgadas, comprovam que o "médium" acompanhou com gosto todos os preparativos da farsa - , e a "leitura fria", que é a captura de informações trazidas pela forma com que as pessoas dão seus depoimentos e fornecem as informações correspondentes.
Toda essa habilidade de manipular e controlar as mentes das pessoas transformou um deturpador do Espiritismo em um semi-deus, jogando também com as palavras, veiculando ideias contraditórias com suas supostas frases de sabedoria e lançando mão de todo tipo de apelo emocional para dominar as pessoas e levá-las às lágrimas. E, mesmo quando os chiquistas definem seu ídolo como "pessoa simples e humilde", estão praticando divinização às avessas e movidos por paixões religiosas.
Chico Xavier foi um dos artífices do truque do "bombardeio de amor", uma estratégia muitíssimo perigosa de dominação. Nas reuniões "mediúnicas" comandadas por ele, todo um repertório de apelos emocionais era feito, de forma a arrancar a catarse emotiva dos frequentadores, num clima de exagerada afetividade motivado pelos aparatos de beleza e de emotividade profunda.
Para dominar o jornalista Humberto de Campos Filho, em 1957, todo um teatro foi feito. Se a encenação das Caravanas de Amor era anualmente produzida, através de um Assistencialismo que "excepcionalmente" ajuda os pobres de forma paliativa em determinados períodos, no caso do filho do escritor maranhense Humberto de Campos, ela tinha que ser muitíssimo elaborada.
Um dos pontos máximos foi quando o "médium" abraçou o filho do escritor. Juntando os apelos emocionais da doutrinária do início ao fim e o abraço após o fim da sessão, o que se observou não foi a prática saudável de uma "afeição verdadeira" de "sincera misericórdia", mas ao apelo do "bombardeio de amor" que desarmou Humberto de Campos Filho.
O "amoroso" ardil foi facilitado porque, anos antes, a viúva de Humberto, Dona Catarina Vergolina de Campos, conhecida pelo apelido de Dona Paquita, havia falecido. Ela liderava o processo judicial contra o "médium" e a FEB, e, com a cilada que dominou o filho Humberto, sua falecida mãe ficou responsabilizada pela ação judicial que, sabemos, deu em nada. Até parece que foi Gilmar Mendes que inocentou Chico Xavier e a FEB. Mas isso foi em 1944.
COMOÇÃO VIROU "MASTURBAÇÃO COM OS OLHOS"
O grande perigo do "bombardeio de amor" é que Chico Xavier conseguiu dominar muita gente a ponto de se tornar um suposto símbolo das virtudes humanas, como se os conceitos de "bondade", "caridade", "amor" e "solidariedade" etc, tivessem sido patenteados pelo "médium" e seus seguidores (como Divaldo Franco, por exemplo).
É como se a "bondade humana" fosse uma logomarca de propriedade dos "médiuns espíritas" e se transformado em "franquia", na qual "todos podem livremente obter" desde que haja o vínculo de imagem aos "médiuns". É aquela coisa: "o uso é livre, mas é obrigatório dar crédito ao responsável".
Isso é bom? Isso é péssimo. O domínio com que os ídolos religiosos que deturparam o legado de Allan Kardec, rebaixando-o a um sub-Catolicismo medieval, tomado pelos mais diversos e sutis apelos emotivos, revela muitos e graves equívocos.
Primeiro, o "bombardeio de amor" das reuniões "espíritas" se tornou um ingrediente obrigatório para supostos eventos de esclarecimento e socorro moral, que se convertem em entretenimentos baratos de catarse, no qual a comoção virou um elemento já previamente esperado, uma "masturbação com os olhos" na qual o choro virou uma mera diversão. E, o que é mais preocupante: frequentemente as pessoas se divertem às custas da desgraça alheia, através de relatos de "dor e superação".
As pessoas já chegam aos "centros espíritas" esperando se comoverem com algum relato dado em palestra. Há toda uma expectativa de estórias comoventes ou, quando muito, de "grandes lições de vida". E isso mostra que a coisa não é boa.
As reuniões "mediúnicas" de Chico Xavier se comparavam aos entretenimentos das "tábuas Ouija" estudados por Kardec. Ironicamente, se os espetáculos de mesas girantes e objetos se movendo - nos quais havia fortes indícios de fraudes - serviram para os estudos questionadores do pedagogo de Lyon, no Brasil a Ciência Espírita, através de suposta mediunidade, foi rebaixada ao velho recreio com o mesmo apelo sombrio das "tábuas Ouija".
ATRIBUÍDAS A DIFERENTES ESPÍRITOS, ASSINATURAS SEGUEM O MESMO ESTILO PESSOAL DA CALIGRAFIA DE CHICO XAVIER. PROBLEMAS ASSIM TENTAM SER OCULTADOS PELO TRUQUE DOMINADOR DO "BOMBARDEIO DE AMOR".
O que poucos imaginam é que o "bombardeio de amor" cega a razão. Cria-se, no Brasil, uma falácia de dar validade a coisas que "escapam às percepções da razão", uma visão medieval que faz com que certos absurdos sejam aceitos, quando eles se relacionam a mitos da fé e do misticismo.
ANTI-KARDECIANO
O "bombardeio de amor", de uma forma ou de outra, foi condenado, não com o uso dessa expressão, pela bibliografia kardeciana. Mas seu sentido é identificado quando o pedagogo francês e seus mensageiros espirituais descrevem estratégias de espíritos mistificadores em dominar as pessoas, apelando para palavras como "Deus, amor e caridade" para inserir ideias levianas e absurdas.
As reuniões "mediúnicas" de Chico Xavier são exemplo disso. Espetáculos de catarse emocional que fariam sentido em algum canto europeu da Idade Média, onde a mistificação prevalece sobre a razão, conforme podemos atestar diante de tantos casos de pessoas consideradas céticas ou leigas que, ao assistirem a tais sessões, saiam praticamente hipnotizadas com aquilo que, ingenuamente, entendem como "vibrações elevadas de amor e solidariedade".
Ninguém parou para pensar o que está por trás de tantos apelos fortemente emotivos. Do mesmo modo, ninguém sequer desconfiou se uma doutrina considerada racional como o Espiritismo seria capaz de permitir eventos como esse, dotados da mais piegas e deslavada catarse emocional, que mal consegue esconder um apelo igrejeiro por baixo dessas manifestações de "profundo amor".
A situação é tão grave que, diante desses eventos ritualísticos, em que a carga emotiva substitui a antiga pompa dos ritos católicos medievais, mas mantém o mesmo sentido manipulador e dominador de fiéis, as "mensagens mediúnicas" atribuídas a entes queridos falecidos são aceitas como "autênticas" mesmo com um detalhe seriamente comprometedor.
Enquanto as assinaturas dos ditos mortos divergem drasticamente das caligrafias mostradas nos documentos de identidade, as mesmas apresentam o mesmo estilo pessoal de Chico Xavier, facilmente identificável mesmo quando a assinatura parece mais corrida e apressada.
Tomados pela emotividade hipnótica, as pessoas não entendem por que o "bombardeio de amor" é tão nocivo. Mas seu efeito colateral também ajuda a explicar o caráter maléfico desse apelo: as pessoas são tomadas de emoções aparentemente elevadas e saudáveis, mas basta um questionamento qualquer para as "amorosas" pessoas se explodirem em raiva e rancor.
Há uma grande diferença entre a emotividade saudável e a emotividade doentia. Na emotividade saudável, não há o aspecto catártico nem o transe extasiante que as paixões cegas possuem, e paixão cega é o resultado produzido pelo "bombardeio de amor", que traz não uma energia elevada da admiração saudável, mas a energia pesada e escravizante da adoração cega e fanática.
É por isso que, diante dos atos de violência contra a mulher, seus agressores e assassinos falam tanto em "amor" e "paixão". Mas o que os feminicidas sentem é paixão cega, uma sensação pesada de apego, não o "amor verdadeiro" que muitos pensavam que tais homens sentiam por suas "companheiras". Até porque, segundo o dito popular, "quem ama não mata".
Outro aspecto a considerar é que a "alegria" que o "bombardeio de amor" traz tem efeitos similares aos da ingestão de um entorpecente como a cocaína. Há ilusões de que a auto-estima e a confiança melhoraram, que a alegria tornou-se plena, que a paz passou a reinar, mas é só surgir uma contrariedade para que a pessoa aparentemente feliz e serena se exploda em raiva, rancor, irritação profunda e até incontrolável.
Muitos questionadores de Chico Xavier revelam que já receberam ameaças, comentários irônicos (do tipo dizer, em falsa mansidão, que o "irmão (questionador) está alterado") e até bullying por parte dos adeptos e fãs do "médium". Nas redes sociais, reduto de atos sociopatas, não por acaso o "médium" possui cadeira cativa, praticamente dominando, mais que o próprio Kardec, as páginas relacionadas à Doutrina Espírita existentes.
O que se pode concluir com o "bombardeio de amor" é que ele, sendo uma modalidade mais perigosa do Ad Passiones (apelo à emoção) que é um tipo de falácia, serve para proteger a deturpação do Espiritismo e evitar que os questionamentos se aprofundem.
Assim, há gente que, como quem acredita num galinheiro recuperado por raposas, considere que os próprios "médiuns" deturpadores do Espiritismo possam recuperar as bases doutrinárias que eles mesmos destruíram. Infelizmente, a emoção trava o raciocínio em muita gente.
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