terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Ditadura apoiou "médiuns espíritas" para frear crescimento do ativismo sócio-político

O OPERÁRIO LUÍS INÁCIO LULA DA SILVA, UM DOS MAIORES ATIVISTAS POLÍTICOS DO BRASIL.

É bom demais para ser verdade. "Médiuns espíritas", conhecidos pelo seu igrejismo ultraconservador, de repente viraram dublês de "ativistas", de "pensadores" e de "filantropos", deturpando e vinculando à sua imagem o legado dos verdadeiros ativistas políticos e sociais, sem que haja uma desconfiança séria a respeito disso.

A complacência aos "médiuns" é quase generalizada e mesmo os contestadores da deturpação espírita não avançam muito, paralizando-se diante do apelo fácil das paisagens floridas, dos céus ensolarados, das crianças sorridentes e dos apelos discursivos à "paz", à "caridade" e à "fraternidade". Tudo feito de forma que até quem é lesado por esses "médiuns" reage a eles com gratidão.

Tudo isso poderia permanecer como está, não fosse o lodo de tantas contradições, várias gravíssimas, que envolvem os "médiuns" e o contexto social em que se vive no Brasil. É uma trajetória de muitas confusões, que a preguiça mental, ante apelos emocionais tão bonitos, mas perigosos, permite deixar para lá e ver coerência onde não existe, o que só faz sentido ocorrer num país marcado por tantos absurdos como o Brasil.

Há uma grande confusão entre a reação da sociedade ultraconservadora aos trabalhos de Allan Kardec, na França, e a revolta que, por exemplo, intelectuais tiveram contra as atividades do suposto médium mineiro Francisco Cândido Xavier, das quais claramente revelam atitudes arrivistas de decisão própria do beato brasileiro.

Isso porque, no primeiro caso, sabe-se que o pedagogo francês teve uma trajetória discreta, límpida, modesta e cujos trabalhos de pesquisa não tiveram patrocínio, tendo sido os investimentos vindos do próprio professor, que apenas enfrentou a oposição de católicos conservadores por causa dos trabalhos científicos dos fenômenos paranormais.

É muitíssimo diferente do que se viu com Chico Xavier. Sua trajetória se deu com uma traquinagem literária, um livro de poemas supostamente de vários autores espirituais, Parnaso de Além-Túmulo, que se revelou uma fraude, remendado cinco vezes e com erros de estilística gravíssimos. O livro, que se valeu mais pelo sensacionalismo, revelou-se depois ser obra de Chico, do então presidente da FEB Antônio Wantuil de Freitas e de jornalistas e editores da federação.

A trajetória de Chico Xavier foi marcada por confusões que partiram das próprias decisões feitas ou apoiadas pelo "médium". Não se trata, portanto, de uma trajetória límpida, tamanha a coleção de pontos sombrios dos quais a razão se deve dar não ao suposto médium (embora se lhe seja dada, com muita insistência, devido a paixões religiosas), mas a seus contestadores, pelas incoerências imensas apontadas.

Mas o Brasil é um país atrasado no qual existem confusões de abordagem marcadas por apegos emocionais de um lado e complacências, conformismos e desigualdades de outro, confusões mentais e emotivas que foram construídas desde o período ditatorial e pela insistente manipulação midiática.

"MÉDIUNS" ANESTESIAVAM A SOCIEDADE BRASILEIRA

O que era o poder na ditadura militar? Na verdade, o que chamamos de "ditadura militar" era uma ditadura civil-militar, como hoje vemos uma ditadura jurídica do consórcio entre o Poder Judiciário propriamente dito, a Polícia Federal e o Ministério Público. Se hoje quem conduz o poder são juízes e procuradores, naquele tempo quem conduzia eram os generais. Mas eles tinham como base de apoio forças conservadoras ligadas, sobretudo, ao meio empresarial e midiático.

Hoje estamos acostumados como os "médiuns espíritas", muitos ficam alegremente confusos entre defini-los como "semi-deuses" ou "pessoas simples" (neste caso uma "divinização" às avessas) e aceita-se suas contradições e erros de tal forma que, se surgir um novo "médium", dotado de expressiva popularidade, acusado de estuprar uma adolescente, a culpa seria da vítima, acusada de ter sido "meretriz da antiga Gália" (a Gália romana corresponde à França de hoje).

Os "médiuns", para muitos, podem fazer o que querem, acham que podem tudo e, quando erram, acredita-se que eles estão isentos de sofrer os efeitos de seus próprios erros. A permissividade é tanta e em níveis estratosféricos que setores das esquerdas políticas brasileiras endeusam os "médiuns espíritas" mesmo sendo eles, no fundo, figuras bastante conservadoras e alinhadas à direita ideológica, embora se autoproclamem ideologicamente "neutros".

Pode parecer hoje algo difícil de explicar, mas, se o poder midiático da Rede Globo de Televisão passou a adotar os "médiuns espíritas" como ídolos religiosos "de todas as crenças" para combater a ascensão dos pastores eletrônicos como Edir Macedo e R. R. Soares. A imagem "ecumênica" dos "médiuns espíritas" era apenas um truque publicitário, de forma a tentar atrair pessoas dos mais diversos tipos de crenças, inclusive os ateus.

A ditadura apoiou essa estratégia, pois o poder político-militar-empresarial que respaldava o regime via nos "médiuns" uma forma de anestesiar a sociedade brasileira diante de um cenário de crise política e convulsões sociais, após o fracasso do "milagre brasileiro" em 1973-1974.

A ideia é transmitir um ideal de "paz, caridade e fraternidade" que promovesse o conformismo social dentro de valores sociais conservadores e evitar a mobilização social, por ela estar associada, em tese, a um grupo de figurões religiosos tidos como "superiores" por supostamente "falar com os mortos" e se julgarem "no caminho próximo a Deus".

São valores conservadores e retrógrados, baseados numa religiosidade que, no mundo desenvolvido, só fazia sentido na Idade Média, mas, no Brasil, ela persiste até hoje, e que pega desprevenidos até quem tenta contestar a "fé espírita" - fundamentada em valores do Catolicismo jesuíta do período colonial - e para no caminho diante de um turbilhão de apelos emotivos belos, porém traiçoeiros.

Sob o ponto de vista da ditadura, a ascensão dos "médiuns espíritas" seria uma forma de domesticar a sociedade, apelando para velhos paradigmas religiosos - não nos podemos esquecer que as principais religiões brasileiras apoiaram o golpe de 1964, sendo a Marcha da Família Unida pela Liberdade, que pediu a ditadura, tão "ecumênica" quanto o Você e a Paz - , também foi promovida para frear a ascensão de verdadeiros ativistas sociais e políticos.

A ideia é evitar que figuras como Martin Luther King, Malcolm X ou mesmo os artistas folk e outros ativistas diversos - LGBT, proletários, negros, hippies etc - florescessem no Brasil. Por isso os "médiuns espíritas", mesmo formados num contexto ultraconservador e educados por um Catolicismo ortodoxo e medieval, se passam por "ecumênicos" e forjem sua suposta neutralidade ideológica e seu pretenso pacifismo fraternal.

Isso não é uma atitude realmente pacificadora. Não há almoço grátis, diz o ditado popular. Os "médiuns", com seu culto à personalidade, querem ter o vínculo de imagem a tudo que for ativismo sócio-político, e fazem isso misturando alhos com bugalhos, juntando figuras realmente admiráveis como Charles Chaplin e Martin Luther King com figuras de valor duvidoso como Madre Teresa de Calcutá, acusada de deixar seus assistidos em condições degradantes.

A ideia é fazer concorrência com ativistas sócio-políticos como o líder operário Luís Inácio Lula da Silva, num contexto em que figuras progressistas como Juscelino Kubitschek e João Goulart tiveram mortes muito estranhas. Embora Lula, com o tempo, se revelasse também complacente com os "espíritas", era um propósito da ditadura civil-militar usar os "médiuns" para frear a ascensão dele como símbolo da redemocratização.

Os "espíritas" nunca lutaram pela redemocratização. Apoiaram a ditadura civil-militar do começo ao fim, e apenas achavam que as casernas iriam "aposentar o porrete" em algum momento. Religião ultraconservadora, o "espiritismo" brasileiro prega a Teologia do Sofrimento e, portanto, defende a permanência de cenários políticos conservadores, desejando apenas que "moderem" sua repressão, e sempre apelava para o povo brasileiro aceitar o sofrimento e reagir em silêncio e sem queixumes.

Por isso a sociedade conservadora, seja a ditadura civil-militar, seja os aliados de cunho jurídico, empresarial, midiático etc, defendeu a ascensão dos "médiuns espíritas", que eram alimentados pelo sensacionalismo televisivo e pela imprensa hegemônica, de forma a serem eles considerados "donos" de paradigmas "ideais" ligados aos conceitos de "caridade", "solidariedade" e "paz".

Muitos estão acostumados com isso, mas não deveriam. Afinal, os "médiuns espíritas" se revelam traidores do Espiritismo original, devido à veiculação de ideias que vão contra os ensinamentos originais da doutrina de Kardec.

Do mesmo modo, os "médiuns" também pregam valores moralistas retrógrados, defendendo até a "paz sem voz" do sofrimento aceito sem queixumes, embora essas pregações ocorram de uma forma que force o apoio até de progressistas de esquerda e de ateus. Isso se deve porque os "médiuns" se tornaram a mais bem sucedida armação da História do Brasil, com seus apelos emotivos muito fortes, que dominam e escravizam o inconsciente coletivo das multidões.

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