sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

As falácias em torno das "psicografias" 'fake' atribuídas a Humberto de Campos

HUMBERTO DE CAMPOS, HOJE, É O MAIS LESADO E DESMORALIZADO ESCRITOR BRASILEIRO, COM A IMPUNIDADE DADA A SEUS USURPADORES.

O Brasil é um país marcado pelo surrealismo. Num país em que os preconceitos sociais estão praticamente liberados, sobretudo nas redes sociais, e que se pôde caluniar livremente os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, o escritor Humberto de Campos tornou-se o autor mais lesado e usurpado de nossa literatura, e os responsáveis dessa usurpação gozam, mesmo postumamente, da mais absoluta impunidade.

Para piorar, existem muitas falácias que permitem que Humberto seja condenado ao esquecimento, ele que foi um talento subestimado de nossa literatura. Enquanto as obras originais do escritor estão fora de catálogo e apenas alguns títulos estão disponíveis em sebos e páginas de download na Internet, as obras fake tidas como "mediúnicas" - mas que claramente fogem do estilo original do autor maranhense e são até de qualidade inferior - permanecem livremente no mercado.

Mesmo quando até Allan Kardec fornece claramente subsídios para condenar esta fraude, em O Livro dos Médiuns, reprovando o uso de "nomes ilustres" por "médiuns" mistificadores para causar impressão na sociedade, os brasileiros chegam a apelar para a ginástica mental, que é o processo de "teimosia argumentativa", na qual se insistem em usar argumentos falsamente lógicos e cheios de relativismos para justificar pontos de vista sem lógica nem um pingo de coerência.

A usurpação do nome de Humberto de Campos pelo "médium" Francisco Cândido Xavier se respalda numa série de desculpas, que vão além da risível "expressão do homem-espírito" dada pelo ex-presidente da FEB, Wantuil de Freitas, tutor e parceiro de Chico Xavier nas fraudes "mediúnicas".

Elas se apoiam em muitos contextos em que se permite o emburrecimento da sociedade, a prevalência da mediocrização cultural, o fanatismo religioso, a queda de qualidade de vida e até mesmo a permissividade de certas pessoas tidas como "superiores", que ocupam o alto da pirâmide e são dotadas de privilégios que vão do porte de armas ao prestígio religioso, passando pelo dinheiro, pela fama e pelo poder político-empresarial. Neste caso, falamos em prestígio religioso.

Aqui vão algumas falácias que permitem que a aberrante impunidade que lesa gravemente a memória de Humberto de Campos - incluindo o assédio moral travestido de "amor e caridade" que Chico armou em 1957 para o homônimo filho do escritor, para evitar a continuidade das ações judiciais - e que, infelizmente, tende a se tornar permanente, em prejuízo ao legado e à imagem do autor.

"EM VEZ DE SE PREOCUPAR COM PROBLEMAS DE ESTILO, VOCÊ DEVERIA PRESTAR ATENÇÃO ÀS MENSAGENS FRATERNAIS DAS OBRAS E AS GRANDIOSAS LIÇÕES DE VIDA QUE OS LIVROS ESPIRITUAIS APRESENTAM, DE GRANDE VALOR PARA TODOS NÓS".

A falácia parece bonita, mas, em primeiro lugar, vem a personalidade, o estilo pessoal, porque são manifestações de individualidade das pessoas. Não dá como abrir mão disso, mesmo quando se levam em conta "lindas mensagens de grandiosas lições de vida". Da mesma forma que não dá para fingir que as obras originais e as supostas psicografias são semelhantes, porque as diferenças de estilo são muito aberrantes.

É bom prestar atenção da forma como as pessoas apontam semelhanças ou diferenças entre as obras de Humberto de Campos e as de seu suposto espírito. Quem aponta semelhanças geralmente não se encorajam em apresentar provas e apenas dizem a coisa na base do "achismo". Quem aponta diferenças gritantes apresenta provas e argumentos, procurando dar as devidas explicações sobre isso. Observando isso, alguém teria coragem de dar razão a quem não pôde dar explicações?

Quanto à falácia acima, vamos recorrer a Allan Kardec, que muito coerentemente no seu O Livro dos Médiuns, reproduz o relato do espírito Erasto, no qual diz que, em mensagens mistificadoras, podem se encontrar, às vezes, "coisas boas". Em outras passagens do livro, cita-se que espíritos mistificadores podem falar de "amor, caridade e Deus" para comover as pessoas e induzi-las a aceitar ideias estranhas ao Espiritismo original.

Isso significa que as "coisas boas" das obras "espirituais" atribuídas a Humberto têm um duplo objetivo traiçoeiro: empurrar as ideias igrejistas à Doutrina Espírita e se valer do uso do nome de um escritor ilustre, que pelo menos era muito popular até cerca de 1955, para veicular essas ideias.

COMO É QUE VOU PREOCUPAR COM UM ESCRITOR DO TEMPO DE MINHA TATARAVÓ SE EU JÁ TENHO O WHINDERSSON E O FELIPE NETO?

Ah, claro, isso é o chamado egoísmo de geração. Quando se é muito jovem, se isola no seu quintal cronológico e só valoriza as coisas do presente. É como uma pessoa trancada no quarto, com seus brinquedos. Praticamente as pessoas só começam a conhecer o mundo depois que entram na faculdade ou, se não for o caso, se inserem no mercado de trabalho.

Não preocupar com Humberto de Campos, só porque ele é "do tempo da bisavó", não deixa de ser grave, porque ele, em seu tempo, foi um autor moderno, e tinha, há 90 anos, o sucesso similar ao de Whindersson, revelação youtuber. Era um neoparnasiano beirando ao Modernismo, e seus textos eram acessíveis até para o público comum, daí o seu sucesso.

Além disso, Humberto foi uma das primeiras vítimas da literatura fake que, queiram ou não queiram, teve como pioneiro ninguém mais que o tão adorado "médium" Chico Xavier, cujas obras "psicográficas" revelam sérios problemas de estilo em relação aos respectivos autores espirituais alegados.

Não é por acaso que, nas redes sociais, há uma adoração intensa a Chico Xavier, pois esses ambientes são redutos de reacionarismo, mentiras, fanatismo religioso extremo e moralismo ultraconservador. Fala-se até para "deixar para lá", porque o que importa, para muitos, é proteger o prestígio de um ídolo religioso, ainda que sob o preço de ir contra a ética, a coerência, a lógica e o bom senso.

E as próprias redes sociais estão cheias de fakes, sobretudo durante atos de cyberbullying, nos quais os agressores usam os pseudônimos que quiserem para mentiras e ataques pessoais, podendo até usar como pseudônimo o do ativista negro Nelson Mandela para a defesa de valores nazistas. Sério.

VAI VER QUE O SR. HUMBERTO DE CAMPOS MUDOU DE ESTILO LÁ NO MUNDO ESPIRITUAL, E CREIO QUE ELE FOI TÃO TOMADO DE AMOR QUE SE ATRAPALHOU TODO NA HORA DE ESCREVER SEUS LIVROS. ESPERO QUE VOCÊ COMPREENDA ISSO, EM VEZ DE PÔR DÚVIDAS À TOA.

Essa falácia não procede. O estilo pessoal de uma pessoa é o mesmo na vida terrena e no mundo espiritual. As mudanças só ocorrem dentro do contexto e não fora dele. Além disso, num processo desses atribuído à "mediunidade", supõe-se que o espírito esteja sereno e seguro na sua expressão. Não faz sentido ficar inseguro diante de energias que se supõe "boas e elevadas".

Foi a partir dessa reflexão, por exemplo, que se apontou irregularidades na carta atribuída ao espírito da jovem Stéfane Posser Simeoni, como rasuras que haviam sido observadas na suposta assinatura de uma das 242 vítimas fatais do incêndio da Boate Kiss, em 27 de janeiro de 2013.

Não tem o menor cabimento lógico dizer que Humberto de Campos "mudou de estilo" porque, pelo contexto de sua pessoa e pela forma que essa "mudança" se deu, observam-se sérios problemas, como a queda de qualidade dos livros "mediúnicos" em relação à obra original do autor maranhense.

Mesmo escrevendo pilhérias sob o pseudônimo Conselheiro XX ("conselheiro vinte", diferente do paródico "pseudônimo" Irmão X, "irmão xis", que Chico Xavier criou para o "espírito"), o escritor maranhense nunca iria abrir mão de sua qualidade literária, de sua boa escrita.

No caso da "obra espiritual", só mesmo supondo que "pesou demais a mão" em Humberto para aceitar a veracidade dessas obras fake. O que não faz sentido, porque, no mundo espiritual, "pesar a mão" seria um efeito de limitações materiais e não espirituais, e não faz sentido que um espírito se torne "menos criativo" no além-túmulo, quando, liberto do peso da matéria, ele teria seus talentos ampliados e nunca diminuídos sob qual pretexto que fosse.

VOCÊ ACHA QUE A OBRA ESPIRITUAL DE HUMBERTO DE CAMPOS ESTÁ SOANDO IGUALZINHA À DO ESTILO PESSOAL DE CHICO XAVIER? ISSO É MARAVILHOSO, QUEM É QUE NÃO QUER TER O ESTILO LUMINOSO DO GRANDE MÉDIUM?

Essa é uma falácia de apelo religioso demais. E Chico Xavier não era essa maravilha de escritor ou pensador, sendo um reles prosador medíocre que fazia jogos de palavras e lançava frases de moralismo bastante conservador.

Além disso, essa frase revela o grande mal relacionado aos "médiuns" brasileiros, que é o "culto à personalidade", um problema que ainda se falará muito. E não é bom alguém ter um estilo de outro, porque o bom é ter seu próprio estilo. É esse papo furado de que "é maravilhoso ter o estilo de fulano" que faz com que surjam imitadores de baixa categoria. Se bem que Chico Xavier nunca foi um gênio como figura literária, e como personalidade não está à altura do que seu prestígio sugere.

Quanto às supostas psicografias, temos que nos atentar que é DESRESPEITOSO que as obras atribuidas a Humberto de Campos, Auta de Souza, Meimei e outros reflitam o estilo pessoal do "médium". Isso não pode ser visto como maravilhoso, porque revela, na verdade, uma fraude vergonhosa. As pessoas deveriam pensar duas vezes antes de cometer a asneira de dizer que é "mavavilhoso soar como se fosse o próprio médium Chico Xavier".

O CASO ESTÁ SUPERADO. ATÉ O FILHO QUE PROCESSOU CHICO XAVIER PASSOU A GOSTAR DELE. E QUEM VAI LER AS OBRAS TERRENAS DEIXADAS PELO HUMBERTO DE CAMPOS?

Mais uma falácia. É certo que, juridicamente, o caso prescreveu, não cabendo mais processar a FEB - herdeira jurídica das obras de Chico Xavier sob o nome de Humberto de Campos - por causa de tamanha fraude (responsabilizada por Chico, Wantuil e a equipe editorial da federação), e que a autora intelectual do processo jurídico, Dona Catarina Vergolino de Campos, viúva do escritor, faleceu há mais de 60 anos.

Todavia, os efeitos jurídicos de uma fraude são sempre eternos. E recentemente, diante das denúncias de assédio das mais diversas, inclusive o de âmbito sexual que se tornaram mais famosas pelo caso Harvey Weinstein, pode-se refletir sobre as maneiras de seduzir uma pessoa, ainda que seja um simples assédio moral sem fins sexuais.

No caso de Humberto de Campos Filho, o que Chico Xavier fez com ele foi assédio moral sob aparato de evento religioso. Nele foram usados dois recursos de apelo emocional, o "bombardeio de amor", quando se domina a vítima forçando-lhe a comoção e a confiança cega, e o Assistencialismo, "caridade" tendenciosa que mais promove o "benfeitor" do que beneficia os mais necessitados.

A manobra foi feita em 1957 para dominar o cético Humberto Filho, jogando-o postumamente contra a mãe, Dona Catarina (ou Dona Paquita, como era seu apelido), morta seis anos antes. A ela foi atribuída "culpa" pelo processo contra o "médium" e a FEB, embora, em outros tempos, Humberto Filho fosse menos flexível na dúvida da autenticidade das obras "mediúnicas" atribuídas a seu pai.

O Assistencialismo começa hoje a ser questionado a partir do caso dos quadros "sociais" do Caldeirão do Huck. O próprio Luciano Huck é declarado fã e seguidor de Xavier. Uma "caridade" que pouco ajuda e só promove o "benfeitor", cujo prestígio se sobrepõe até mesmo aos benefícios, medíocres, supostamente atingidos. Na "Caravana do Amor" de Uberaba, fazia-se um passeio ostensivo na cidade mineira só para dar uns parcos donativos que se esgotam em poucos dias.

Com o deslumbramento religioso que dominou as pessoas durante décadas e mediante uma sociedade ultraconservadora que prefere preservar ídolos da fé religiosa, mesmo em prejuízo à ética, à lógica e ao bom senso, custou-se a perceber o quanto Chico Xavier enganou Humberto de Campos Filho. O assédio moral travestido de "amor e caridade" foi mais fácil do que tirar doce de criança.

No que se refere aos livros originais publicados em vida por Humberto de Campos, devemos ter o respeito a uma figura literária, mesmo sendo ela de um passado remoto. Infelizmente, não se tem a ele, morto prematuramente aos 48 anos, o digno respeito à sua pessoa, à sua figura e ao seu legado, e chegou-se ao ponto aberrante de se dar preferência a obras fake, em detrimento da obra original.

Esse desrespeito pode ser explicado na própria obra de Kardec, que condena tanto a mistificação travestida de "mensagens de amor", as fraudes literárias sob pretexto de difundir "lições de vida" e a apropriação de nomes ilustres de mortos para forçar a comoção pública das pessoas pouco esclarecidas ou saudosas do convívio ou da presença, ainda que distanciada pela fama, de alguém que faleceu.

Se fizermos uma análise profunda do caso do escritor Humberto de Campos, vamos concluir, com contundente segurança, o quanto ele foi usurpado por um "médium", e isso comprova, de maneira desagradável para muitos, que Chico Xavier cometeu mais crueldades do que bondades, e que o "médium", deturpador maior da história do Espiritismo, não foi mais do que um arrivista reacionário que queria ser um ídolo religioso.

É hora de buscarmos os meios de resgatar e revalorizar a obra de Humberto de Campos e desvinculá-lo das "psicografias" fake que levam seu nome, e que nunca passaram de obras de mistificação religiosa que fogem completamente do estilo pessoal do autor maranhense.

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