O mito do "Natal todos os dias" pregado pelo "espiritismo" brasileiro, aparentemente, apela para a ideia da "ação social" religiosa, na qual, supostamente, o exemplo de Jesus de Nazaré serve de modelo, numa aparente ajuda ao povo pobre na concessão de mantimentos, donativos em geral e até gestos de solidariedade e carinho.
No entanto, alguns aspectos devem ser questionados neste mito. Em primeiro lugar, o apelo do "Natal todos os dias" é um apelo igrejeiro, e sua perspectiva é religiosa, apelando para um tipo de "bondade humana" que soa paternalista, e, não raro, sutilmente dominador e manipulador, porque muitas vezes o preço da "caridade" religiosa é a cooptação de novos fiéis para uma seita religiosa, gente humilde que é mais fácil de controlar e impor ideias.
Sabe-se que a "caridade" pregada pelo "espiritismo" brasileiro é o Assistencialismo e não a Assistência Social. O Assistencialismo apenas "alivia as dores", mas não traz a "cura" da doença da pobreza que a Assistência Social traz. Além disso, o Assistencialismo "espírita" serve mais para fazer propaganda dos "médiuns" e dos donos das "casas espíritas" que se promovem com a "caridade".
São apenas ajudas pontuais, individuais, paternalistas, nas quais se observa o contraste hierárquico da "superioridade" do "benfeitor" diante da "inferioridade" do "beneficiado". A pretensa superioridade dos religiosos é notória, quando forjam uma postura "benevolente" para os desgraçados que, não obstante, os próprios religiosos esnobam suas condições, através de juízos de valor que, no caso dos "espíritas", apela para encarnações antigas e já superadas.
Como que querendo relembrar uma ferida que, provavelmente, já se cicatrizou, o "médium" Divaldo Franco, ao sair de um evento "espírita" na Espanha, fez um grave e cruel juízo de valor contra os refugiados do Oriente Médio. Em atitude que devia ser condenável, não fosse a imunidade que os "médiuns" têm - eles nunca são responsabilizados quando cometem graves erros - , Divaldo acusou os refugiados de "quererem retornar à Europa para reconquistar velhos tesouros".
Divaldo disse isso com ar de serenidade, o que é muito mais cruel. O artífice do Você e a Paz - a ter mais uma edição, com cada vez menos frequentadores, no Campo Grande, em Salvador, no próximo dia 19 - é o mesmo que, na edição paulista desse evento, permitiu, sem exigir pareceres técnicos ou outros exames rigorosos, que um alimento condenado por nutricionistas sérios fosse oficialmente lançado.
Esse alimento, a "farinata" de João Dória Jr., só não pesou contra Divaldo Franco porque o "médium" baiano, protegido da Rede Globo de Televisão, nem sequer teve seu nome citado, apesar da camiseta do prefeito de São Paulo ter mostrado o logotipo do evento e o nome do "médium". Em aspecto surreal, a mídia esquerdista - talvez seduzida pela imagem "caridosa" dos "médiuns espíritas" - compartilhou do mesmo silêncio da mídia hegemônica (Globo, Folha, Estadão, Veja etc).
Divaldo Franco fez seu juízo de valor normalmente naquele clima de "morde e assopra" que seu antecessor Francisco Cândido Xavier havia feito quando, no livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, escrito em 1937-1938 pelo "médium" e pelo presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, mas levianamente atribuído ao "espírito Humberto de Campos", citou negros e índios como sendo "selvagens".
É aquela ideia: "fulano é desgraçado, mas merece a nossa total consideração". "Consideração" é um eufemismo para um "espírita" parecer amistoso para aquele por quem o religioso sente algum tipo de aversão. É uma simulação de "sentimento amistoso", que envolve uma aparente misericórdia, que serve mais para promover o bom-mocismo de um "espírita".
Isso merece uma observação cautelosa, porque o "espírita" que humilha o outro, geralmente mais pobre ou de ideologias mais progressistas, depois tenta voltar atrás e diz que o outro é "digno de perdão e do amor infinito de Deus". Isso é uma linguagem que merece uma interpretação cuidadosa, porque revela uma sutil hipocrisia e um jogo de linguagens de apelo cruelmente hierárquico.
É como se os "espíritas", sobretudo os aberrantes "médiuns", dissessem: "Os outros não prestam, mas nós é que somos os bonzinhos, dando carinho a esses seres imprestáveis. Eles são o lixo social, mas nós é que somos o tesouro, por estarmos ligados a Deus".
Ninguém percebe o quanto visões tão cruéis assim existem, como no próprio caso de Chico Xavier, o "homem chamado Amor" que despejou insultos contra as vítimas do incêndio de um circo em Niterói chamando-os de "romanos sanguinários" (Cartas e Crônicas, 1966), e ainda botando a culpa em Humberto de Campos, muito mal disfarçado pelo paródico codinome de "Irmão X".
É constrangedor que Chico Xavier havia pedido para que ninguém julgasse quem quer que fosse, mas em Cartas e Crônicas, ele fez um julgamento de valor dos mais cruéis e humilhantes, se valendo da fraqueza de um povo humilde e sub-escolarizado, sem dinheiro para pagar um advogado para processar o "médium" por danos morais. E mais deplorável ainda foi Chico quando botou o seu juízo de valor pessoal na conta do espírito de Humberto de Campos, que não está mais aí para reclamar.
Pior: o "piedoso médium", para o qual muitos seguidores não gostam que se façam críticas ou questionamentos, também esculhambou os operários e camponeses despejando um comentário reacionário no programa Pinga Fogo, da TV Tupi de São Paulo, em 1971, no qual pediu para os brasileiros orarem em favor da ditadura militar, rezando pelos generais que, segundo Chico, estavam "construindo um reino de amor". Um "reino de amor" sob o sangue de muitos inocentes!!
Mas o próprio Chico Xavier também disparou um comentário extremamente grosseiro e irritado contra os amigos do falecido engenheiro Jair Presente. Com muita razão, os jovens e os familiares, que conviveram com o jovem paulista, não estavam vendo autenticidade alguma nas supostas psicografias lançadas por Xavier.
Enfurecido e ríspido, Xavier reagiu atribuindo essa desconfiança a uma "bobagem da grossa". Pior: botou esse mesmo comentário numa suposta mensagem posterior usando o nome de Jair Presente, o que reforça mais uma vez o caráter duvidoso dessas "psicografias".
Além do mais, encerremos esta postagem mostrando a terrível hipocrisia da frase, aparentemente simpática e meiga, de Chico Xavier: "O Cristo não pediu muita coisa, não exigiu que as pessoas escalassem o Everest ou fizessem grandes sacrifícios. Ele só pediu que nos amássemos uns aos outros".
Supondo que Chico concordasse com essa ideia atribuída a Jesus Cristo, ela entra em contradição com outras frases em que o "médium" de Pedro Leopoldo e Uberaba disse em prol da Teologia do Sofrimento. Em muitas frases e até em obras que ele participou e atribuiu, levianamente, a autoria de personalidades mortas, ele sempre pedia para as pessoas aceitarem e amarem o sofrimento, evitarem mostrá-lo para os outros e nunca reclamarem um momento sequer.
Como é que Chico Xavier pode dizer que "não se exige que pessoas façam grandes sacrifícios" se ele mesmo passou a carreira toda de dublê de pensador dizendo para as pessoas se sacrificarem de forma extrema? Quantos "Everest" Chico não teria aconselhado aos outros a subirem, com o risco de perder, para a morte, preciosos parceiros de jornada?
Isso é uma hipocrisia enorme que mostra o quanto a deturpação do Espiritismo agora mostra o preço que estabeleceu contra o que fez. Mostra sobretudo que o mito de "Natal todos os dias" não procede diante de uma religião extremamente moralista, que faz apologia da desgraça humana e impede, em muitos casos, as pessoas de praticarem a verdadeira caridade, com tantos infortúnios que dificultam tantos e tantos projetos de vida.
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